DOMÍNIO EMOCIONAL
Os filósofos distinguem três formas de dominar as emoções: combatê-las com estados contrários, controlar suas manifestações corporais ou analisar, por introspecção, seu fundamento.
Qualquer um pode compartilhar os sofrimentos de um amigo, mas só uma pessoa excepcional é capaz de se revelar sensível ao êxito de um amigo. – Oscar Wilde
A arte de Oscar Wilde, autor deste aforismo paradoxal, consistia em desafiar as emoções, o tema deste artigo. Quem não lamentou o fato de um dia ter se encolerizado, experimentado uma alegria mesquinha ou ficado paralisado no momento em que era preciso agir? Quem não anseia cultivar emoções positivas, saborear plenamente os instantes de felicidade, permanecer sereno na adversidade, indignar-se sinceramente com as injustiças sofridas por outros ou se regozijar francamente com êxitos dos amigos?
As emoções são indissociáveis do sentimento de existir e do valor que atribuímos à vida; prova disto são os pacientes com síndrome de Cotard, que não se emocionam mais e concluem estar mortos. As emoções desempenham um papel essencial na vida social e ética. É possível imaginar sem emoção uma sociedade constituída por seres incapazes de sentir empatia, compaixão, respeito, gratidão, indignação ou culpa?
A “vida justa” assim como a boa sociedade não só dependem da presença das emoções, mas também de sua qualidade e expressão. Em que medida podemos controlar nossas emoções, moldá-las, educá-las e privilegiar o cultivo de umas sem detrimento de outras? Filósofos, moralistas, pedagogos e psicólogos procuraram técnicas para dominar as emoções. A questão é saber como operam e se são eficazes.
As emoções têm pelo menos seis componentes que iremos assinalar usando um exemplo. Suponhamos que Flávia esteja com raiva de Alexandre, que acabou de quebrar a peça mais preciosa de sua coleção de vasos chineses. Este episódio tem um componente cognitivo. Enquanto ela não souber ou não acreditar que seu vaso foi quebrado, não terá nenhuma razão para ficar com raiva, e se não souber que o culpado foi Alexandre, não terá motivos para ficar ressentida com ele. A emoção tem um componente de avaliação. Flávia reage à situação em função de seus interesses, motivações, valores, objetivos e desejos. Ela não teria a reação que teve se a coleção não lhe fosse cara. Além disso, a raiva suscita nela alterações fisiológicas habitualmente reguladas pelo sistema nervoso autônomo. Ritmo cardíaco e respiração se aceleram, a tensão muscular aumenta e, quando a ativação é particularmente acentuada, os vasos sanguíneos se contraem.
Outro componente é o expressivo: os traços ficam tensos, as sobrancelhas franzidas, os punhos crispados e a voz, mais forte e rouca. E não esqueçamos do comportamental: se Flávia não fosse contida, diria palavras muito duras ao culpado. Por fim, a emoção é acompanhada por uma experiência subjetiva, difícil de ser estudada: o próprio fato de sentir raiva.
Flávia pode agir sobre os efeitos de suas emoções, sejam eles fisiológicos, expressivos, comportamentais ou subjetivos (os componentes cognitivo e de avaliação são causas e não efeitos). De início ela age sobre a expressão de sua raiva. Suas regras de polidez não permitem que manifeste sua irritação e, ainda menos, qualquer violência física ou verbal diante de Alexandre, que é visita. Ela faz um esforço, tenta substituir a expressão de raiva por um sorriso, sem dúvida um pouco pálido, e minimizar a gravidade do incidente. Quando estiver sozinha, a raiva poderá irromper.
A manifestação pública das expressões e comportamentos emocionais é regida por normas sociais, que variam conforme a cultura: japoneses proíbem a expressão das emoções negativas muito mais que americanos.
Como interiorizamos estas normas? As interações sociais desempenham aqui um grande papel: nossas emoções não são somente reguladas pelas consequências de nossas ações, mas também pela consciência das emoções que os outros exprimem em relação a estas ações. Nós imaginamos como a nossa conduta é percebida e julgada pelos outros: conforme sua aprovação ou reprovação, sentimos vergonha, orgulho ou culpa.
DESENCADEAMENTO DE EMOÇÕES
O psicólogo Paul Harris mostrou que essas emoções complexas, em que levamos em conta a avaliação do outro são manifestadas e compreendidas mais tardiamente pelas crianças que as emoções simples, como alegria ou tristeza. Uma criança que comete uma transgressão e percebe a reprovação de sua mãe experimenta uma reação de angústia. Pouco a pouco, conseguirá antecipar esta reprovação e a angústia que a acompanha. É assim que a mera ideia de transgressão desencadeia a angústia e que as normas sociais são progressivamente interiorizadas.
Flávia não cede à cólera, pois imagina a vergonha que sentiria se ficasse transtornada: ao fazer isso, antecipa uma emoção que faria mais mal a ela que a raiva, e assim se abstém. Talvez ela nem leve em conta a avaliação dos outros, mas a imagem que tem de si própria como ser razoável e comedida. Ela teria remorsos, outra emoção negativa, caso se mostrasse colérica e agressiva.
Assim, “engrenagens emocionais” que operam desde a infância opõem a certas emoções que não desejamos outras ainda menos desejadas. Vergonha, orgulho, estima ou autodesprezo temperam as expressões e ações emocionais. É possível se aproveitar destas engrenagens para não sermos presas das emoções desde que consideremos as consequências de nossos atos. Sem dúvida, a capacidade de entrever as consequências é o freio mais poderoso que nos impede de passar imediatamente à ação.
Flávia não exprimiu sua raiva, mas continua a senti-la. Como se livrar desse desagradável sentimento de irritação? Para William James, filósofo e médico do fim do século XIX, o sentimento subjetivo nada mais é que a percepção das alterações fisiológicas, agradáveis ou desagradáveis, induzidas pelo processo emocional. Dito de outra forma: nós sentimos medo porque fugimos e trememos, e não o inverso.
De fato, Flávia está tensa, ofegante, e sente uma necessidade imperativa de se expressar. Estes elementos sugerem alguns meios de agir sobre o sentimento. Flávia pode tentar respirar com mais calma, refrescar o rosto ou dar um passeio para relaxar os músculos.
Diferentemente de William James, os psicólogos W. Wundt e E. Titchener, ambos do século XIX, consideram que a experiência emocional não é uma resposta a alterações no estado do corpo, mas a causa destas alterações. O neurologista Antônio Damásio propõe a conciliação desses dois pontos de vista. Segundo ele, a percepção dos estados corporais depende do encaminhamento para o cérebro dos influxos nervosos que eles suscitam, essas informações se repartem no córtex somatossensorial, no interior de áreas cerebrais dispostas como em um mapa. Alguns medicamentos e drogas interferem nos sinais corporais e produzem falsas representações dos estados do corpo. É o caso da maconha, que modifica a percepção do espaço agindo sobre os mapas mentais cerebrais. Assim, um uísque, um cigarro de maconha ou um calmante ajudariam Flávia a relaxar. Os efeitos destas substâncias mostram que é possível agir sobre as emoções modificando diretamente as representações do corpo, sem mudar necessariamente os próprios estados do corpo ou modificando-os de uma forma que nada tem a ver com o que estas representações nos dizem.
Mas, atenção: ao criarmos uma distorção sistemática entre os estados do corpo e as representações que o cérebro faz deles, estamos muitas vezes preparando um futuro de indiferença. Certas técnicas de meditação são menos nocivas. Estes métodos produzem efeitos sobre o sistema simpático e os batimentos cardíacos, que modulam a qualidade das emoções percebidas pelo cérebro. A meditação profunda também altera de forma mais direta nossas representações cerebrais dos estados do corpo.
A emoção é determinada pela maneira como representamos a situação e pela avaliação que dela fazemos. Assim, a raiva de Flávia provém em grande parte do fato de que ela acredita que Alexandre é culpado. Essa convicção faz parte de sua representação da situação. Trata-se de um ponto importante, sobre o qual o espírito é capaz de exercer controle, antes de deixar sua irá explodir ela pode pensar rapidamente: “Ele não é culpado, eu é que não devia ter colocado um objeto escorregadio em suas mãos”. Sua animosidade contra Alexandre será aplacada, ainda que a tristeza permanecesse.
Imaginemos agora que Alexandre seja verdadeiramente culpado: ele fazia malabarismos com o vaso chinês antes de deixá-lo cair. Desta vez Flávia não pode modular sua representação da situação, já que ele de fato agiu mal. Ela deve então avaliar se o vaso era suficientemente importante para deixá-la ofendida com um amigo; se considerar que o vaso não era assim tão precioso, sua raiva desaparecerá.
Exercícios como este, bastante simples, são dos mais árduos, pois exigem um cerco desapego dos bens materiais. Esta atitude é recomendada pelos filósofos estoicos, mas seu resultado, frequentemente, é o de tornar a pessoa indiferente a tudo, já que ela fica receosa de não suportar o sofrimento ligado a uma perda. O mais difícil é saber desfrutar de uma coisa enquanto a possuímos e saber renunciar a ela quando nos escapa. Para isso não há, ao que eu saiba, receita pronta.
CIRCUITOS DO MEDO
O domínio das representações não garante o domínio das emoções, já que estas últimas nem sempre são causadas por representações conscientes das situações que as desencadeiam. Quanto ao medo, o neurobiólogo americano Joseph LeDoux mostrou recentemente que há dois circuitos neuronais que o engendram: um consciente e outro inconsciente. O consciente vai dos olhos ao tálamo e à área visual primária, que nos permite tomar consciência do que vemos, até ganhar os centros emocionais do sistema límbico. O medo é então suscitado por uma representação consciente.
Uma outra via leva diretamente do tálamo ao complexo amigdaliano, sem passar pelo córtex, nós trememos diante de uma forma sinuosa no mato e só mais tarde a consciência percebe que não se trata de uma serpente, mas de um galho torto. Em tais casos, a ação sobre as representações não é de nenhuma ajuda, a não ser a posteriori. Algumas reações emocionais parecem preconectadas e são desencadeadas antes mesmo que tomemos consciência delas.
Assim, as terapias puramente cognitivas que agem sobre crenças conscientes não são eficazes contra certas fobias específicas, como o medo de aranhas ou de lugares vazios. Isso não escapou à sagacidade de Montaigne: coloquemos, sugeriu ele, um filósofo em uma gaiola suspensa por um fio de ferro no alto da torre de NotreDame de Paris; o fato de ele saber que é impossível cair não o impedirá de olhar com pânico para baixo.
Além disso, frequentemente as emoções causam as crenças tanto quanto as crenças causam as emoções. As pessoas deprimidas, diante de uma situação estressante, mostram-se convencidas de que não se sairão bem. Interrogadas sobre as razões para pensar assim, invocam seus fracassos passados. Mas não são tanto essas crenças que alimentam seus sentimentos de impotência e inferioridade: são os sentimentos de impotência que as levam a acreditar que não se sairão bem (elas se baseiam em episódios negativos de sua vida para sustentar esta crença). Nestes casos, não é eficaz tentar convencer a pessoa de que a opinião negativa que ela tem de si mesma não se baseia em boas razões. É melhor agir de forma a reorientar sua atenção para experiências positivas e criar situações propícias à emergência de emoções positivas.
O que fazer para sermos senhores de nossas emoções? O distanciamento estoico, a análise das crenças, a censura social ou a respiração profunda? Sem dúvida, todos temos interesse em fazer aquilo para o qual estamos melhor dotados. Descartes precisou que não há nada a temer das emoções se dermos a elas livre curso com generosidade. Trata-se de participar plenamente de nossas emoções e não de sofrer com elas. Se Flávia está prestes a exercer sua cólera com generosidade, isto é, se ela compreende que cada uma de suas palavras pode modificar a situação em um sentido que ela deseja e que ela aprova, então sua raiva se tornará, como outras emoções, um instrumento de seu livre-arbítrio.
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