O PODER DOS BONS SENTIMENTOS
Emoções positivas fortalecem o corpo e a mente, além de nos deixar em forma para enfrentar tempos de crise. A mais recente descoberta, porém, é que olhar o mundo através de lentes cor de rosa é algo que se pode treinar
Há 70 anos, Cecília O’Payne fez seus votos perpétuos na congregação das Irmãs Pobres de Nossa Senhora em Milwaukee, Estados Unidos.
Na ocasião, a madre superiora lhe pediu que escrevesse um breve relato sobre a própria vida, incluindo fatos decisivos da infância e dos tempos de escola, bem como experiências de natureza religiosa que tivessem contribuído para levá-la ao convento.
Décadas depois, o relato de Cecília veio à luz, juntamente com as anotações de outras noviças que haviam ingressado na congregação na mesma época. Três psicólogos da Universidade de Kentucky decidiram examiná-las, no bojo de um amplo estudo sobre envelhecimento e mal de Alzheimer. No total, Deborah Danner, David Snowdon e Wallace Friesen avaliaram 178 relatos autobiográficos, a fim de definir seu “teor emocional” com base em manifestações de felicidade, interesse, amor e esperança. O que observaram foi algo notável, aparentemente, as freiras alegres viveram até dez anos mais que as que pouco enxergavam o lado bom de sua existência terrena. Do ponto de vista estatístico, a atitude positiva diante da vida rendeu a uma pessoa otimista como Cecília mais anos de vida do que um fumante apartado de seu cigarrinho. Ela tem hoje 98 anos.
O estudo das freiras não é um caso isolado. Há muito tempo cientistas notaram que, em média, as pessoas que se sentem bem vivem mais. Essa descoberta, porém, suscita mais perguntas que respostas. Como pode a confiança no futuro ajudar no prolongamento da expectativa de vida? É possível que bons sentimentos vividos hoje tenham consequências de tão longo prazo? E, se é assim, como encarar as emoções positivas, são uma questão de destino ou podem ser geradas deliberadamente?
Uma nova disciplina, a “psicologia positiva”, começa a dar as primeiras respostas a essas perguntas. Foi fundada há menos de uma década, fruto da iniciativa de Martin E. P. Seligman, então presidente da Associação Americana de Psicologia (AAA). Como muitos psicólogos, Seligman dedicou boa parte de sua carreira de pesquisador ao estudo das doenças mentais. No que se refere à busca de uma cura para elas, progressos significativos foram feitos nos últimos 50 anos. Em 1947, não havia tratamento eficaz para nenhuma das enfermidades mentais mais frequentes. Hoje, ao contrário, 16 delas podem ser tratadas por meio da psicoterapia, da psicofarmacologia ou de ambas. Por outro lado, a psicologia produziu poucos métodos capazes de ajudar o ser humano a alcançar maior plenitude pessoal.
Seligman queria corrigir precisamente esse desequilíbrio. Com a ajudado psicólogo Mihaly Csikszenmihalyi, da Universidade de Chicago (o inventor do conceito de “fluxo”, ou flow, para descrever momentos de felicidade), recomendou aos pesquisadores que se dedicassem à investigação daquilo que “faz a vida valer a pena”.
Há diversas razões para os sentimentos positivos terem sido alvo de pouca atenção no passado. Em primeiro lugar, as emoções positivas são mais difíceis de investigar que seus equivalentes negativos. Alegria, prazer e satisfação são sentimentos que não se distinguem um do outro com tanta nitidez quanto irritação, tristeza e medo. Assim, a ciência diferencia apenas um punhado de bons sentimentos: para cada emoção positiva identificada existem três ou quatro negativas.
Também nossas possibilidades de expressão corporal revelam-se mais bem compartimentadas quando se trata de afetos negativos. No mundo todo, qualquer pessoa é capaz de distinguir com precisão um rosto raivoso de outro triste ou amedrontado. No polo oposto, toda expressão espontânea de contentamento – seja ela de júbilo, vitória ou bem-aventurança – apresenta sempre os mesmos atribui os do chamado “sorriso de Duchenne”, os cantos da boca se alçam e os músculos em torno dos olhos contraem-se involuntariamente, fazendo com que as maçãs do rosto se elevem e pequenas rugas surjam ao redor dos olhos.
A distribuição desigual de recursos atinge até o sistema nervoso vegetativo, que comanda órgãos internos, vasos sanguíneos e glândulas. Há 20 anos, os psicólogos Paul Ekman e Wallace Friesen, da Universidade da Califórnia (San Francisco), e Robert Levenson, da Universidade de Indiana, demonstraram que irritação, medo e tristeza provocam reações mensuráveis do corpo, o que não se verifica em relação a diversas emoções positivas.
Por fim, também a metodologia de investigação representa um problema. Com frequência, cientistas tentaram abordar a questão dos sentimentos bons valendo-se de modelos desenvolvidos para os afetos negativos. Estes trazem consigo o impulso para que se aja de determinada maneira: a irritação gera a necessidade do ataque, o medo compele à fuga, o nojo produz o desejo de vomitar. Decerto, nenhum pesquisador desejará afirmar que as pessoas obedecem às cegas a tais impulsos. Ainda assim, a margem de manobra no tocante à ação se estreita num instante. Quem sente medo não apenas pensa na fuga: também seu corpo se prepara de imediato para essa ação, elevando tanto a frequência cardíaca como a pressão sanguínea, e fazendo com que o sangue flua para as pernas, a fim de abastecer os músculos locomotores da melhor maneira possível.
Vistas dessa maneira, as emoções negativas nada mais são do que soluções eficazes para problemas recorrentes com que já se debatiam nossos ancestrais. Emoções positivas, no entanto, não se deixam explicar com tanta facilidade. Do ponto de vista evolutivo, alegria, prazer e gratidão parecem ter sido de pouca utilidade na garantia da sobrevivência. Terão representado alguma vantagem na nossa capacidade de adaptação ou apenas sinalizariam ausência de perigo.
O primeiro passo lógico na investigação dos sentimentos bons consiste em abrir mão dos velhos modelos em favor de novos. Em vez de solucionar problemas imediatos, talvez os bons sentimentos ajudem nosso desenvolvimento interior, preparando-nos assim para tempos mais difíceis. Segundo minha teoria do broaden and build (ampliar e construir), emoções positivas ampliam nosso repertório de pensamentos e ações, auxiliando na construção de recursos mentais duradouros.
A influência que estados de ânimo positivos exercem sobre pensamento e comportamento admite investigação psicológica. Em um de nossos experimentos, mostramos trechos curtos de filmes às pessoas, com o intuito de induzi-las a determinado estado emocional. Um bando de pinguins brincalhões gingando no gelo gerou alegria, pacíficas cenas da natureza, serenidade. O medo, nós o suscitamos com imagens de alturas vertiginosas, e a tristeza, mediante cenas de morte e de funerais. Como imagem “de controle”, exibimos um velho e aborrecido protetor de tela de computador.
Imediatamente após essa pequena sessão de cinema, testamos a capacidade dos participantes de entreter novos pensamentos. Para tanto, mostramos a eles um conjunto de três figuras geométricas e perguntamos qual de dois outros conjuntos de baixo mais se parecia ao de cima. Não se tratava de obter uma resposta certa ou errada: em um caso, as figuras se assemelhavam em sua configuração geral, em muro, no detalhe. Esse exame de vista mostrava, porém, se uma pessoa percebia, antes, a impressão geral ou se, ao contrário, se concentrava nos detalhes. O resultado foi que os bem-humorados tenderam a se orientar pela forma global – sinal de pensamento mais abrangente. Os mal-humorados ou neutros, se atinham aos detalhes.
CRIATIVIDADE E HUMOR
Efeitos semelhantes observou Alice Isen, da Universidade Cornell, em Nova York. Ela vem se dedicando há mais de duas décadas a descobrir se pessoas bem-humoradas pensam de modo diferente. A fim de mensurar o efeito dos sentimentos positivos sobre a criatividade, sua equipe fez uso do teste das “associações remotas” do psicólogo Sarnoff Mednick. A tarefa dos participantes consiste em, diante de três palavras, encontrar uma quarta que apresente nexo temático com as anteriores. Se, por exemplo, as palavras dadas são “humor”, “quadro” e “‘noite”, a resposta correta é “negro”. De início, esse teste era empregado para determinar diferenças individuais de criatividade. lsen, no entanto, aplicou-o apenas a pessoas de bom humor variado. As mais contentes foram as que demonstraram melhor capacidade associativa. Criatividade, portanto, não é só questão de talento, mas também de humor apropriado.
Em outros experimentos, a pesquisadora das emoções pôs-se a investigar se a capacidade diagnóstica de um médico dependia de sua disposição emocional. Para tanto, lsen deu a alguns médicos um saquinho de doces e pediu que pensassem em voz alta enquanto examinavam o caso de um paciente com um problema no fígado. Comparados aos demais, os médicos premiados com doces não apenas avaliaram com mais rapidez os diferentes dados, como demonstraram menor tendência a se aferrar a um único pensamento, revelando-se, antes, dispostos a descartar conclusões precipitadas. Da mesma forma, mediadores bem-humorados saíram-se melhor, em outro experimento, no bom encaminhamento de negociações complexas. Conclusão, o pensamento das pessoas que se sentem bem é mais criativo, mais flexível, mais abrangente e mais aberto.
Mas o que resta quando o sentimento positivo desaparece? Assim como as emoções positivas dão origem a novas ideias e novas possibilidades de ação, elas podem conduzir também a mudanças profundas e duradouras. Quando as crianças riem em plena folia ou os adultos se divertem jogando futebol, sua motivação pode ser meramente hedonista; mas o fato é que, ao fazê-lo, estão construindo recursos físicos, intelectuais e sociais: o movimento faz bem à saúde, as estratégias de jogo contribuem para a capacidade de solucionar problemas, a camaradagem fortalece laços sociais. Estudos mostram que algo semelhante acontece também com macacos, ratos e esquilos.
Recentemente, testamos ainda a relação entre poder de resistência psíquica e alegria ele viver. Em meados do primeiro semestre, solicitamos aos participantes dessa experiência que descrevessem seu estado emocional e sua visão do futuro. No segundo semestre, entrevistamos o mesmo grupo de pessoas. Nesse meio tempo, ocorreu o 11 de setembro.
Em razão dos atentados, quase todos os participantes mostraram-se abatidos na segunda entrevista, alguns revelando também raiva ou medo. Tivemos de classificar mais de 70% deles como deprimidos. Digno de nota, no entanto, foi que aqueles nos quais havíamos identificado capacidade de resistência no início do ano seguiram nutrindo alguns sentimentos positivos, mesmo depois dos ataques nos Estados Unidos. A gratidão foi o mais mencionado. Os otimistas disseram, por exemplo, ter constatado que “a maioria das pessoas neste mundo é boa! – um importante processo de aprendizado, fortalecedor da alegria de viver. Além disso, a probabilidade de essas pessoas se deprimirem era de 50%. O sintoma manifestado diante da vida claramente as protegia da depressão.
Uma experiência com colegas de faculdade comprova essa capacidade geradora de recursos presente nos sentimentos positivos. Pedimos aos participantes que, durante um mês, refletissem diariamente sobre que sentido positivo podiam extrair dos piores e dos melhores acontecimentos de seu dia-a-dia, bem como daqueles que lhes pareciam sem importância. Bastaram quatro semanas para que seu poder de resistência psíquica se elevasse em relação às pessoas do grupo de controle.
DE CORAÇÃO LEVE
Encontramos, enfim, uma maneira de medir o efeito fisiológico provocado pelas emoções positivas. Era plausível supor que sentimentos bons modificassem a reação de stress do corpo a eventos desgastantes. Ela se deixa verificar muito bem no sistema nervoso vegetativo e na circulação cardiovascular.
Em um de nossos experimentos, submetemos os participantes a uma situação de pressão comunicando-lhes que teriam exatamente um minuto para preparar um discurso, que seria registrado em vídeo e avaliado pelos demais participantes. O prazo curtíssimo para o cumprimento da tarefa gerou angústia, elevando a frequência cardíaca e a pressão sanguínea. Logo em seguida, mostramos a cada participante um de quatro filmes: dois deles tendiam a provocar sentimentos positivos – diversão e contentamento -, ao passo que o terceiro pouco os afetava e o quarto provocava tristeza. Enquanto assistiam ao filme, acompanhamos os indicadores de stress.
Nos participantes que assistiram a um dos filmes alegres, o valor do stress medido retornou ao inicial com mais rapidez que nas pessoas que viram o neutro. E os que só podiam se entristecer com o quarto filme foram os que precisaram de mais tempo para se recuperar do susto.
Fica evidente que os sentimentos positivos exerceram influência benéfica no agitado sistema cardiovascular. Contudo, são ainda em grande parte desconhecidos os mecanismos cognitivos e fisiológicos que estão por trás desses processos. Tampouco nossa pergunta inicial encontra-se respondida, de que forma os sentimentos positivos promovem a longevidade. Está claro que fazem mais que produzir mero bem-estar momentâneo.
Sua atuação moderadora em situações estressantes sugere que eles poderiam, a longo prazo, reduzir o dano causado ao sistema cardiovascular pelos sentimentos negativos. A isso vem se somar, no entanto, outro fenômeno: quem está contente hoje já está a caminho de ser igualmente mais feliz no futuro.
Em conjunto com Thomas Joiner, examinamos se a disposição positiva de ânimo e o pensamento mais abrangente estimulam ou mesmo fortalecem um ao outro. Com o auxílio de testes-padrão e intervalo de cinco semanas, comparamos o estado de ânimo e a postura mental de 138 estudantes. O resultado foi que a disposição positiva na primeira etapa redundou, na segunda num incremento desse mesmo estado de ânimo e em maior abrangência de pensamento. Do mesmo modo, mas em sentido inverso, o pensamento mais abrangente na primeira etapa incrementou tanto o ânimo positivo como a abrangência de pensamento na segunda. Ou seja, pessoas em geral bem-humoradas evidentemente se deixam alçar com mais facilidade numa contínua espiral ascendente.
Sentimentos positivos não modificam apenas o indivíduo: atuam de forma contagiosa. Assim foi que Alice lsen descobriu serem os otimistas mais prestativos. Boas ações, por sua vez, geram contentamento, porque podemos nos orgulhar delas. Os que receberam ajuda sentem-se agradecidos, e mesmo “espectadores” casuais se alegraram com o que viram. Numa reação em cadeia, os sentimentos positivos conduzem a uma postura mental abrangente e à solicitude, o que, por sua vez, desencadeia mais emoções positivas.
Tudo isso mostra que necessitamos de métodos que nos permitam experimentar sentimentos positivos com mais frequência. De certo, o humor e o riso parecem oferecer o caminho mais curto; em tempos difíceis, todavia, é mais fácil falar do que fazer. Tendo por base nossos experimentos mais recentes com universitários, meu conselho é que procuremos a felicidade em todas as situações da vida e nas coisas mais simples. Quem deseja descobrir algo de bom num mundo complexo e, em parte, opressivo, precisa apelar para as próprias forças e para as de seus semelhantes. Afinal, o mais poderoso aliado no caminho para a maturidade e a força interior é nossa consciência.