CAMINHOS ALTERNATIVOS
Medicina complementar ainda encontra resistência na comunidade científica, que enfatiza necessidade de mais estudos clínicos
Um sem-número de terapias com efeito sobre a psique humana está à disposição de quem busca alívio emocional. Entre as chamadas alternativas, há algumas já bem conhecidas e até aceitas pela comunidade científica, como a Acupuntura e a Bioenergética. Outras nem tanto; como os Florais de Bach, a Iridologia e a Terapia Regressiva. Se por um lado tais opções arrebanham cada vezmais adeptos, por outro, encontram resistência por parte da comunidade médica e dos psicólogos, embora o próprio Sistema Único de Saúde (SUS) já esteja regulamentando alguns procedimentos.
Os cientistas intensificam seus esforços tentando identificar os tratamentos realmente eficazes e compreender as maneiras com que estes agem no corpo humano. Positivos ou negativos, os resultados são frequentemente contestados em função do (suposto) olhar por demais objetivo e generalizante da ciência que os produziu. O método científico moderno – influenciado por um cartesianismo renitente – segundo adeptos de tais terapias, não seria capaz de mensurar os reais benefícios de técnicas que compreenderiam o homem como um ser único e em sua integralidade: corpo, mente e espírito.
Uma das principais discussões sobre as terapias alternativas recai justamente sobre sua real eficácia. Não raros, os resultados de pesquisas sobre uma mesma terapia utilizada em uma determinada situação parecem ser diametralmente opostos. Na opinião de Nicola Robinson, da Faculdade de Saúde e Ciências Humanas da Thames Valley University (Londres), em uma sociedade que se baseia fundamentalmente em evidências e que exige provas científicas de eficácia de qualquer tipo de intervenção, a pesquisa sobre a medicina complementar ainda enfrenta dificuldades, apesar dos avanços.
Em artigo publicado recentemente na revista Complementary Therapies in Clinical Practice, a pesquisadora afirma que o padrão ouro tradicional nessa busca de evidências científicas, o ensaio controlado aleatório (RCT- estudo randomizado), está no centro do debate sobre as terapias alternativas e muitos profissionais de saúde defendem que o indivíduo não é levado em consideração nessa metodologia. O RCT seria baseado em certas suposições sobre saúde e doença nas quais os indivíduos seriam essencialmente os mesmos, com tratamentos e pessoas sendo tratados homogeneamente.
“Os sistemas curativos (healing systems) partem de suposições diferentes, de que nós somos todos únicos e que embora as pessoas tenham as mesmas doenças, elas vão reagir diferentemente e apresentar respostas a distintas abordagens terapêuticas”, defende Nicola. Para ela, não haveria acordo universal sobre o que constitui uma evidência, no entanto, os praticantes das terapias alternativas não podem prescindir da medicina baseada em evidências. “O receio de que profissionais de saúde treinados no Ocidente dominem aqueles tratamentos complementares vistos como efetivos é o contrário da situação atual observada em Hong Kong”, exemplifica.
Na mesma linha, S. Ziaei e L. Hajipur, da Faculdade de Ciência Médica da Tarbiac Modarres University, no Irã, investigaram os efeitos da Acupuntura no trabalho de parto e citam entre as dificuldades relacionadas ao método de pesquisa a diversidade de formas que a terapia pode assumir, a individualidade do tratamento, a seleção de objetivos primários (end points) adequados, a não-identificação prévia dos pacientes (que seria o estudo cego) e a escolha apropriada de pacientes para comparação (que seria o grupo controle). “No presente estudo, a Acupuntura não apresentou efeitos sobre a intensidade da dor ou o grau de relaxamento”, afirmam em artigo publicado na International Journal of Gynecology and Obstetrics.
Ao todo, foram analisadas 90 mulheres, submetidas aleatoriamente à Acupuntura (30), a uma simulação da técnica (30) ou a nenhuma intervenção (30). Eles ressaltam, entretanto, que escudos adicionais, com um maior número, são necessários para determinar os efeitos neste caso – em consonância com determinação da Organização Mundial da Saúde (OMS), que menciona a Acupuntura como um método não-farmacológico a ser utilizado durante o trabalho de parto e enfatiza a necessidade de estudos clínicos.
DESAFIOS
Na opinião de Suely Gevertz, psicanalista e coordenadora da Comissão de Mídia da Associação Brasileira de Psicoterapia (Abrap), é preciso diferenciar a ciência exata da psicológica. Segundo ela, na última, não há possibilidade de repetição, que é uma condição sine qua non da ciência tradicional. “Na ciência psicológica não há como fazer um experimento onde se controle variáveis e onde haja repetição. Também não é possível fazer uma análise estatística, apenas qualitativa”, explica. A pesquisadora, que é também docente no Curso de Psicoterapia de Orientação Psicanalítica do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ressalta, no entanto, que este é um desafio das ciências humanas em geral.
Para Luciano da Fonseca Lins, psicanalista e professor adjunto da Universidade de Pernambuco (UPE), apesar dos avanços, ainda existe cena resistência vinculada à ciência tradicional. “Nós carregamos muito o ranço da visão cartesiana e positivista. A própria Física tem derrubado tais posições”. Lins, que trabalha no Núcleo de Apoio Psicossocial da Secretaria de Saúde de Pernambuco, acredita que cada vez mais esses paradigmas serão quebrados.
Os defensores das terapias ditas alternativas criticam que o acesso da população em geral está longe de ser o ideal – e não só no Brasil. Estudo italiano inédito, a ser publicado na revista Complementary Therapies in Clinical Practice, avaliou o uso da medicina complementar pelos serviços de saúde do País, especificamente na dependência ao álcool. Os dados obtidos, referentes aos 312 entrevistados mostram que apenas 16,5% utilizaram alguma terapia alternativa. Neste grupo, constatou-se que a Acupuntura é a mais utilizada (71,45%), seguida pela Fitoterapia (10,08%) e pela Homeopatia (9,74%).
“De fato, os serviços de saúde que usam a medicina complementar corno método principal foram um evento raro em nosso estudo (1%). Ela desempenha um papel integrado com as formas tradicionais de tratamento do alcoolismo na Itália e pode ser útil para reduzir recaídas e aumentar a aderência aos tratamentos”, acreditam Gabriele Bardazzi e equipe, autores do artigo, do grupo de pesquisa em medicina complementar e álcool, ligado à ltalian Society for Alcohol Studies. Nesse sentido, os pesquisadores defendem que tais terapias “oferecem vantagens que não devem ser ignoradas, como baixo custo e nenhum, ou mínimos, efeitos colaterais” – este último não aplicável somente ao caso da Fitoterapia.
AUMENTA A PROCURA
Em todo o mundo, cada vez mais pessoas têm procurado diferentes formas de terapias alternativas. Analisando o contexto ocidental, mais especificamente, países desenvolvidos – onde a oferta e a qualidade dos serviços de saúde convencional são superiores – tal tendência suscita um questionamento: por que, tendo à disposição os recursos da medicina contemporânea, as pessoas optam por tais terapias?
Em um dos poucos estudos sobre o assunto, John A. Astin do centro científico tradicional Center for Research in Disease Prevention, ligado à escola de medicina da Stanford University (EUA), procurou verificar três hipóteses para explicar a tendência: insatisfação com o tratamento convencional; visão de que os tratamentos alternativos ofereceriam mais autonomia pessoal e controle sobre o atendimento; ou uma maior compatibilidade com os valores, visão de mundo e crenças em relação à natureza e à compreensão de saúde e doença.
Ao analisar os dados, Astin constatou que usuários da medicina alternativa, em geral, tendem a apresentar alguns traços em comum como, por exemplo, terem uma orientação filosófica sobre saúde que poderia ser descrita como holística (integração entre corpo e mente). Além disso, eles têm uma probabilidade maior de já terem passado por uma experiência transformacional que tenha mudado sua visão de mundo significativamente.
“Além de apresentarem maior escolaridade e relatarem estado de saúde pior, a maioria dos usuários parece não ter insatisfação com a medicina convencional, apenas veem nestes cuidados alternativos mais congruência com seus próprios valores, crenças e orientações filosóficas sobre a saúde e a vida”, concluiu Astin em artigo no The Journal of the American Medical Association. Na amostra analisada, os problemas de saúde tratados por métodos alternativos mais frequentes foram dor crônica, ansiedade, síndrome de fadiga crônica, adição, artrite e dor de cabeça.
Para Fátima Rodrigues, terapeuta regressiva, psicóloga e diretora do Instituto Brasileiro de Pesquisa em Terapia Regressiva (IbrapeTR), a busca crescente por terapias como a regressiva tem a ver com certa insatisfação do paciente junco à medicina. “Os pacientes percebem que só buscar o médico pra trabalhar o físico não está sendo suficiente”, aponta, discordando em parte do pesquisador de Stanford. Para ela, o aspecto clínico de uma doença deve abordar a plenitude do indivíduo fundamentado pela Terapia Transpessoal. “Quando uma pessoa busca tratamento com um especialista que trabalhe com essa abordagem, vai procurar pelo entendimento não só do que provoca, por exemplo, sua dor no estômago, mas o que está por trás dela. Se eu não trabalhar em cima do psicológico, o remédio receitado pelo médico vai aplacar a gastrite momentaneamente – depois ela pode voltar a existir, porque sua origem está nas disposições mentais negativas, nas emoções conturbadas”, exemplifica.
CRENÇA OU PSICOTERAPIA?
Uma das grandes polêmicas em relação à terapia regressiva é sua proximidade com conceituações religiosas. Na opinião de Fátima Rodrigues, isso dificulta sua aceitação no ambiente científico e, principalmente, no Conselho Federal de Psicologia (CFP). “Eles associam o trabalho no nível espiritual necessariamente com a religiosidade. O que pensamos, porém, é que é possível ter o entendimento de um ser permanente, infinito, e não necessariamente estar dentro de uma religião”.
A despeito da polêmica em torno da terapia junto ao CFP, que não reconhece a prática, o curso de Especialização em Terapia Regressiva ministrado no Ibrape TR assume a prerrogativa de admitir somente psicólogos, psiquiatras e médicos com formação psicoterapêutica. De acordo com Fátima, tal exigência se faz necessária, pois, “dentro da área de saúde, o Ibrape defende que esses profissionais têm mais instrumentos e habilidade para lidar com os aspectos emocionais abordados na terapia regressiva”. Noelly Heredia complementa: “o curso vai além de ministrar uma técnica de regressão. Na verdade, pretende ensinar um processo de terapia psicoterápica que envolve procedimentos éticos, próprios da formação psi”.
Fátima salienta que se deve ter cautela em usar a titulação de psicólogo junto à prática terapêutica regressiva. ”Não aconselhamos a divulgação do registro profissional junto a essa prática. Apesar de ser psicóloga, intitulo-me terapeuta regressiva para trabalhar com essa abordagem. No entanto, acho que o psicólogo é, atualmente, um dos profissionais mais preparados para atuar na técnica”, defende.
A regulamentação da prática contudo; vem sendo buscada não somente junto no CFP, mas também pela comunidade científica como um todo. A modificação do nome terapia de vidas passadas – para a atual terapia regressiva faz parte desse processo. “É para que a prática não se resumia a uma visão reducionista. Não se trabalha só o conteúdo da vida passada; aborda-se também o presente e seu conteúdo passado”, pontua Nodly. A psicanalista Suely Gevertz critica a prática.
Para ela todo método psicoterápico é fundado em uma teoria, que é baseada, por sua vez, em dados observáveis – o que seria um entrave para a terapia regressiva. “Há, por trás, a crença de que a pessoa reencarna, e a Psicologia não lida com crenças. Pode-se até estudar, do ponto de vista psicodinâmico, a manutenção de algumas crenças – sejam estas institucionalizadas ou individuais – mas o instrumental teórico utilizado não é baseado em crenças”. Para Ana Maria Pereira Lopes, conselheira do CFP, ainda não há acúmulo suficiente de dados para que a prática possa ser regulamentada.
CONSELHO É CONTRA
Apesar do número crescente de adeptos – tanto por parte de usuários como de profissionais – a maioria das terapias alternativas não são reconhecidas pelos Conselhos federais brasileiros, responsáveis pela regulamentação e fiscalização da atuação dos profissionais de saúde do País. No caso específico do Conselho Federal de Psicologia (CFP), por exemplo, uma resolução de 1997 (10/97) determina critérios para o exercício profissional do psicólogo associado a práticas que “não estejam de acordo com os critérios científicos estabelecidos no campo da Psicologia”.
Segundo essa resolução, terapias só podem ser utilizadas como recursos complementares à clínica e devem estar em processo de pesquisa conforme os critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde (resolução 196/96). Além disso, o psicólogo tem que dispor de meios para comprovar junto ao CFP que possui habilitação adequada para desenvolver a técnica em questão e seu cliente deve declarar expressamente “ter conhecimento do caráter experimental da técnica e da prática utilizadas” – sempre em acordo com o Código de Ética.
Conforme explica Ana Maria Lopes, conselheira e secretária de orientação e ética do CFP, a regulamentação de uma prática pressupõe, em primeiro lugar, o respeito ao princípio da dignidade, o que muitas práticas místicas talvez não alcancem. “Quando a terapia envolve questões relativas à crença, muitas vezes estabelece-se uma relação de submissão do paciente pelo profissional”, afirma.
A regulamentação depende de amplo debate entre o Conselho, os profissionais e os pesquisadores, baseado em pesquisas científicas, cuja validade depende, segundo Ana Maria, “da ampla divulgação dos resultados, derivados de experimentação e reconhecimento da comunidade científica, e não apenas da conclusão das pesquisas”, como pontua a resolução 011/97 do CFP.
Nesse contexto – frequentemente confuso – Suely Gevertz afirma que é fundamental que a pessoa em busca de uma terapia tenha em mente o que ela realmente espera em termos de resultados – o que evitaria a “armadilha das soluções rápidas”. “Um indivíduo que tenha medo de avião, por exemplo, pode optar por fazer uma psicoterapia mais breve e, nesse caso, vai conseguir viajar de avião, concretamente. Se esse mesmo indivíduo levar em consideração que o medo de avião está inserido em algo mais amplo de sua personalidade e quiser aproveitar para se tratar a partir dessa visão, a psicanálise seria mais indicada, pois o avião é tomado como símbolo de ideias e emoções”, exemplifica. Ela ainda defende que “o fundamental é que o psicoterapeuta, independentemente da linha que ele adote, seja muito bem formado – o que envolve um trabalho pessoal, muita supervisão “dos atendimentos clínicos e estudo da teoria”.
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