EU ACHO …

UM GUIA CONTRA CONSPIRAÇÕES

Como castelos de cartas, elas caem se houver permanente vigília

WASHINGTON, DC – JUNE 24: Microsoft principle founder Bill Gates participates in a discussion during a luncheon of the Economic Club of Washington June 24, 2019 in Washington, DC. Gates discussed various topics including climate change. (Photo by Alex Wong/Getty Images)

O tempo de hoje é esplêndido para inventar conspirações. Mas não é difícil pô-las a descoberto. Para ilustrar, tomemos o exemplo do suposto complô para desacreditar a cloroquina, por ser muito barata. Isso abriria o mercado para novas drogas, bem mais caras. No entanto, perguntemos:

1.A biografia dos supostos conspiradores é congruente com as maquinações sinistras a eles imputadas? Bill Gates, por bons anos, é um dos homens mais ricos do mundo. Mas cansou-se de ganhar. Agora só pensa em gastar. Bandeou-se para a filantropia, enterrando fortunas em programas de saúde pública. Que motivação real teria para enredar-se em uma trama com farmacêuticas, militando contra o seu sonho de salvar vidas? O epidemiologista americano Anthony Fauci exibe uma belíssima e longa carreira de pesquisador. É o 12º cientista americano mais citado em estudos. Tem trinta doutorados honoris causa. Pesquisar é sua paixão, está no sangue. Se dinheiro fosse sua prioridade, estaria clinicando, regiamente pago. É inverossímil que se mova por dinheiro.

2. Como os enganadores agiriam para pôr em prática as suas velhacarias? Supostamente, estariam corrompendo governos. E, também, promovendo pesquisas voltadas para desacreditar a cloroquina. Das centenas de periódicos respeitados na área, cada um convoca dúzias de pesquisadores consagrados para recomendar ou não cada publicação. Então, Gates ou Fauci estão indo atrás de contraventores nesse exército de cientistas, para referendar estudos duvidosos, a troco de subornos? Ou para encomendar trapaças científicas?

3. Como manter secreta a conspiração? Trata-se de uma operação com muitos parceiros e que exige amplos fundos para distribuir. Como superar as desconfianças entre as próprias farmacêuticas, comprometendo-se todas elas a acordos sinistros e a irrigar múltiplos bolsos? E isso tudo em uma velocidade estonteante, pois já saíram mais de 7.000 pesquisas sobre o novo coronavírus desde janeiro. Arruína todo o esforço um candidato a suborno que ponha a boca no mundo. Aliás, o próprio Trump adoraria ficar sabendo dessas maquinações, para desvencilhar-se de Fauci. Na prática, com tantos conspiradores, como manter segredos?

No meio das confusões e perplexidades, as pesquisas borbulham, deveras desencontradas. Como domar essa cacofonia em benefício próprio? Duas cabeças brilhantes embarcariam nesse castelo de cartas? Se endossarem tolices científicas, correm sério risco de arranhar a reputação. De fato, inexoravelmente, a ciência vai se desvencilhando dos ruídos e falsos caminhos.

No fundo, a receita para desmascarar uma conspiração é simples. Basta colocar-se no papel de conspirador e planejar o passo a passo requerido da trama. Aplicando as três perguntas que abrem este texto, é possível encontrar caminhos plausíveis para vencer cada etapa? Nessa teoria conspiratória em torno da cloroquina e em muitas outras, não há como soletrar um plano viável. Mas, acima de tudo, cumpre exercitar permanente vigília antes de circular como correta a mensagem recebida. A conspiração só vive enquanto há patetas contaminando uns aos outros.

** CLAUDIO DE MOURA CASTRO

OUTROS OLHARES

O ESPAÇO DAS MULHERES

A histórica missão que juntou a Nasa e a iniciativa privada ilumina uma excelente novidade: a crescente participação feminina em viagens ao cosmo

Não houve, naturalmente, a comoção da pomposa e ensaiada frase de Neil Armstrong, ao anunciar que dera “um pequeno passo para um homem, mas um grande passo para a humanidade”, ao pisar em solo lunar naquele eterno 20 de julho de 1969. Mas no domingo 31 de maio de 2020, às 11h16, horário de Brasília, quando os astronautas americanos Douglas Hurley e Robert Behnken deixaram a cápsula Crew Dragon e entraram na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), a 400 quilômetros da Terra, houve ondas de entusiasmo. Foi a primeira e histórica parceria entre a Nasa e a iniciativa privada, por meio da SpaceX, do biIionário sul-africano Elon Musk, atalho para a inauguração de uma nova era de expioração espacial. Nas redes sociais brotaram brincadeiras em torno do sorriso dos dois cosmonautas, que estariam dando adeus à pandemia de Covid-19, ao surto de racismo e de protestos nos Estados Unidos, adeus a tanta coisa de ruim que anda acontecendo aqui embaixo. “O acoplamento está completo”, o aviso de Hurley, transmitido pela internet, soou como senha de alivio.

Sim, as coisas não andam nada bem no planeta (redondo, sim!) que se vê das escotilhas da ISS, mas há extraordinárias mudanças que precisam ser celebradas – e, sobretudo uma revolução dentro da própria Nasa, afeita a mostrar como o mundo mudou, para melhor, desde que Armstrong caminhou em câmera lenta. A novidade: o programa espacial, que sempre foi maciçamente masculino, agora também é das mulheres.

Douglas e Robert, os dois tripulantes da Crew Dragon, entraram em órbita porque estavam na fila, era a vez deles. Mas a missão poderia ter sido realizada pela engenheira mecânica Karen Nyberge pela oceanógrafa Megan McArthur, ambas astronautas da Nasa – embora Karen tenha se aposentado neste ano. Karen é casada com Douglas e Megan, com Robert. O quarteto se conheceu nos corredores da agência americana, terreno cada vez mais igualitário, menos machista. A estatística ajuda a entender a virada: de 1959 a 1969, 100% das pessoas formadas pelo curso para astronautas da Nasa eram homens. Em 2017, o índice caiu para 55%. Vai longe, portanto, o tempo em que uma personagem popular como Jeannie, do seriado Jeannie É um Gênio, de 1965, se insinuava para o patrão astronauta, o major Nelson, chamando-o insistentemente de “meu amo”. Ficou para trás a figura clássica, hoje deslocada, da mulher de astronauta, a quem bastava estar ao lado do marido em eventos sociais, em paradas militares, em visita à Casa Branca. Não teria espaço o comentário de Buzz Aldrin, um dos três heróis da Apolo 11, a respeito de sua companheira, Joan, morta em 2015: “O futuro lembrará de Joan Archer Aldrin como uma mãe e mulher de fala mansa, que criou três filhos bem-comportados”.

São mães, têm filhos – mas fala mansa, não. No ano passado, a americana Christina Koch bateu o recorde feminino de permanência na ISS, e só retornou depois de 328 dias (a título de comparação, a turma de Musk deve ficar no máximo 120 dias em órbita). O governo americano aposta parte de suas fichas no programa Artemis, que promete pôr a primeira mulher na Lua até 2024. Do ponto de vista da igualdade de gêneros não é, ressalve-se, a vitória final e definitiva, longe disso. Somados todos os cosmonautas que foram ao espaço, apenas 11,5% são mulheres. Na Nasa, somente um terço dos funcionários é do sexo feminino. Há, portanto, uma estrada a percorrer – e são muitas as pedras no meio do caminho, algumas insólitas, quase inacreditáveis.

Os engenheiros da Nasa descobriram, apenas muito recentemente, que todos os estudos de uniformes espaciais tinham sido feitos com base em altura, musculatura e metabolismo de homens, em mais de setenta anos de pesquisas. As mulheres nunca foram incluídas, e corre-se, agora, atrás do tempo perdido. Dentro dos trajes espaciais, os astronautas usam roupa de refrigeração e ventilação líquida. São metros e mais metros de tubos que bombeiam água, de modo a resfriar o organismo. Problema: homens suam mais do que as mulheres e em partes diferentes do corpo. E a Nasa descobriu, talvez tardiamente, mas sempre em tempo, que seria preciso inaugurar uma nova linha de investigação que contemplasse, além da preparação em terra, os efeitos da falta de gravidade na dinâmica feminina – a régua foi sempre masculina. Convém, portanto, prestar atenção em Karen e Megan, e não apenas em Douglas e Robert, os terráqueos que se afastaram um tempinho da pandemia.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE CONSOLO PARA A ALMA

DIA 30 DE JUNHO

O ABRIGO DA CASA DE DEUS

Uma coisa peço ao SENHOR e a buscarei: que eu possa morar na Casa do SENHOR todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do SENHOR e meditar no seu templo (Salmos 27.4).

O rei Davi viveu dias de grande aperto. Seus inimigos não lhe deram descanso. As circunstâncias eram medonhas. O medo tentou assentar-se no trono de seu coração. Nessas horas, Davi reafirmava a confiança em Deus como sua fortaleza. Não temia os malfeitores que se levantavam contra ele, nem mesmo os exércitos que declaravam guerra contra seu povo. Nessa turbulência externa, Davi orava a Deus e pedia e buscava uma única coisa: o privilégio de morar na casa de Deus para meditar e contemplar a beleza do Altíssimo. Ele sabia que, no dia da adversidade, Deus era poderoso para ocultá-lo em seu pavilhão. Sabia que Deus é quem o exaltava sobre seus inimigos. Sabia que Deus ouvia seu clamor e respondia às suas orações nas horas mais escuras de provação. Sabia que, mesmo que seu pai e sua mãe viessem a desampará-lo, Deus o acolheria. Sabia que Deus não o entregaria nas mãos de seus inimigos, que astuciosamente levantavam contra ele falsas testemunhas e cruelmente o atacavam. Davi termina o Salmo 27 fazendo uma confissão pessoal: Eu creio que verei a bondade do SENHOR na terra dos viventes (v. 13) e também uma exortação pública: Espera pelo SENHOR, tem bom ânimo, e fortifique-se o teu coração; espera, pois, pelo SENHOR (v. 14).

GESTÃO E CARREIRA

A NOVA CORRIDA DO OURO

A crise econômica gerada pela pandemia fez com que o metal atingisse valor recorde. O efeito colateral é sentido na Amazônia

Com a crise econômica mundial deflagrada pelo coronavírus, mais do que nunca os investidores olham para o ouro como um ativo seguro e estável. Em abril, a cotação da onça troy, medida utilizada na negociação da commodity, equivalente a 31 gramas, atingiu mais de 1.750 dólares. E o maior valor desde o final de 2012. A tendência é que o ouro continue valorizado, em razão dos distúrbios financeiros causados pela pandemia. O Brasil já vem sentindo os efeitos da disparada do preço do ouro – para o bem e para o mal.

Entre janeiro e abril deste ano, as exportações da commodity somaram 597 milhões de reais, 80% do total obtido em 2019. Só em abril as empresas do setor pagaram 353 milhões de reais em impostos ao governo, 66% mais do que no mesmo mês do ano passado. Até agora, o Pará, rico em ouro e outros minérios, é o líder absoluto na corrida pelo metal no país, agravando velhos problemas. ”Muitos garimpeiros atuam de forma ilegal na região, desmatando a floresta e poluindo os rios”, diz Sérgio Leitão, diretor do Instituto Escolhas, que desenvolve estudos econômicos sobre questões ligadas ao meio ambiente.

Mais de 30 milhões de toneladas de ouro por ano são comercializadas ilegalmente apenas na região do Rio Tapajós, em Mato Grosso e no Pará, de acordo com o Ministério Público Federal (MPF). São mais de 4,5 bilhões de reais em recursos não declarados. Neste ano, com a valorização do ouro, o garimpo desordenado está aumentando na Amazônia, assim como a sonegação fiscal. ”Milhares de garimpeiros chegaram recentemente a áreas de mata densa”, afirma Leitão.

A exploração do ouro geralmente é feita na beira dos rios, onde há mais depósito do metal. Não escapam nem áreas protegidas, como unidades de conservação natural e terras indígenas. Em algumas delas, como a reserva indígena Kayapó, no Pará, já foi observado um aumento de mais de 10% na área de garimpo em março deste ano, em comparação a fevereiro, de acordo com o MPF e a Polícia Federal, que tem feito operações na região. ”A preocupação é que haja um desmatamento ainda maior na Amazônia, não só no Brasil, mas também em outros países da região”, diz o peruano Pedro Tipula, coordenador do Instituto do Bem Comum, organização voltada para a conservação do meio ambiente. ”Precisamos melhorar a fiscalização da atividade mineradora para que isso não aconteça.” É mais um efeito inesperado da pandemia.

VIL METAL

As seis regiões onde houve mais aumento do garimpo ilegal na Amazônia. O tamanho da bola vermelha equivale ao tamanho de cada área destacada, em km2

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

DE BEM COM O LUTO

Bloqueios psíquicos e depressões explicam-se muitas vezes, pelas perdas não vivenciadas. Deixar fluir a tristeza é permitir-se um processo saudável de elaboração dos fatos

A vida é uma sucessão de batalhas. Em algumas obtemos sucesso. Já em outras ocasiões, a perda é inevitável. Perder faz parte da nossa rotina. O problema é lidar com isso. Como aceitar a falta de um ente querido, de uma condição financeira anterior ou da cidade na qual crescemos? Infelizmente, não foi descoberta uma fórmula mágica para a felicidade eterna. Não há truques ou ensinamentos capazes de nos prevenir contra o sofrimento. A única opção válida e eficiente é superar a dor, aceitar perder e seguir em frente. É um processo longo e pungente… inevitável. Viver, dar-se conta do que se perdeu e, apesar de tudo, sobreviver.

Por mais difícil que aparente ser, esse processo é de extrema importância à continuidade da vida. Bloquear a dor, “esconder o problema embaixo do tapete” ou camuflar esses sentimentos pode parecer válido enquanto sofremos. Mas o perigo está justamente aí. Ao não elaborar a perda no momento em que ela acontece, estamos apenas adiando a dor. Ao fingir que não existe o problema, nos prendemos à falta, e ficamos com o sofrimento para sempre.

Em meio a tantas perdas diárias, as pessoas tendem a entrar em processo de luto. “No senso comum, utilizamos a expressão em relação à perda de um ente querido. No entanto, em termos psicológicos, o luto vai muito além da morte física, embora, evidentemente, também a inclua” esclarece a psicóloga e Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP), Lilian Graziano.

Professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, Lilian explica que o luto é um processo de tristeza que ocorre em resposta a uma perda significativa, seja ela no âmbito emocional, financeiro ou físico. Considerando que as perdas são rotineiras em nossas vidas, o processo de luto é intrínseco ao desenvolvimento psíquico saudável, pois com ele enfrentamos a perda e, consequentemente, evoluímos emocionalmente.

Mas nem todos conseguem enxergar a perda com olhos positivos. Há aqueles que não se permitem sofrer, “o que invariavelmente acaba lhes gerando problemas emocionais, dentre os quais a depressão” completa a psicóloga ressaltando que o erro está em acreditar que ao evitar a dor tudo será mais fácil. “Ao fugir do sofrimento gerado pela perda, a pessoa acaba sofrendo muito mais e, o pior, por muito mais tempo”.

Mas como realmente enxergar a importância da elaboração do luto? Um exemplo podeajudar. Lílian conta que teve um paciente que aos nove anos perdeu seu pai, vítima de uma doença grave que praticamente mutilou seu corpo, uma vez, que gradativamente vários de seus membros foram amputados. Um dia após o falecimento do pai, sua mãe, com a intenção de poupar o sofrimento do filho, perguntou se o garoto preferia ter o pai vivo, mas sofrendo em um leito de hospital, ou longe, porém descansando.

Sem muito entender o porquê da pergunta, o garoto optou pela segunda opção, pois não queria o sofrimento do pai. A mãe então disse que ele não deveria chorar, pois seu pai estava “descansando”. E a criança ouviu a mãe e não chorou a morte do pai. Os anos passaram, o menino cresceu, se casou e formou sua própria família. Um dia sua esposa quis saber o motivo da morte do sogro. Sem obter resposta do marido, foi verificar com a sogra.

Por intermédio da esposa, o garoto, agora já um homem, ficou sabendo a real história sobre a morte do seu pai. Todos os sentimentos de perda e culpa vieram à tona. “Esse paciente foi elaborar o luto da perda do pai na terapia, já com quarenta anos de idade” comenta a psicóloga. Passaram décadas até ele conseguir viver a perda do pai, chorar a morte. “Uma curiosidade é que o paciente foi procurar auxílio com a mesma idade que o pai veio a falecer”. Guardar este luto atrapalhou o serviço de paternidade do paciente, que devido ao conteúdo emocional mal elaborado, não conseguia ter um relacionamento mais íntimo com seu próprio filho.

SAÍDA PARA A DOR

Uma alternativa para elaborar o luto é vivenciar não apenas a tristeza, mas também demais sentimentos que possam estar presentes na perda, entre eles a culpa, o arrependimento, a saudade, o remorso etc. “Costumo dizer a meus pacientes que em certos momentos da vida precisamos chegar ao fundo do poço, porque é apenas no fundo dele que conseguiremosapoiar as mãos para nos impulsionarmos em direção à saída’ afirma Lilian. A elaboração do luto é mais complexa do que aparenta ser. A fim de explicar este processo o psicólogo Luís Antônio Pereira cita a psiquiatra norte americana Elisabeth Kubler­ Ross, a qual afirma que existem sete estágios de agonia do luto. “O primeiro é o choque da notícia; o segundo é o estágio da negação; o terceiro é a revolta ou raiva pelo que aconteceu; o quarto é o estágio da tristeza ou depressão; o quinto é o estágio dos regateios/barganhas; o sexto é à aceitação e, por último, vem a reorganização/adaptação/esperança” completando que nem rodos os enlutados passam por todos os estágios.

Devido à particularidade de cada ser humano, há diferentes formas de se lidar com a perda. Alguns gostam de falar com amigos sobre o sofrimento, outros procuram consolo em remédios e bebidas, há ainda os que preenchem qualquer espaço de tempo com atividades distintas a fim de não pensar no que perderam, ou substituem o que foi perdido por algo novo.

Em contrapartida, há pessoas que não tem necessidade de falar sobre o ocorrido, mas nem por isso deixam de lidar com os sentimentos, comportamento descrito por Jung como o tipo introvertido. Conforme explica o psicólogo clínico e professor de Psicologia da UniversidadeCatólica de Santos, também Mestre em Educação pela mesma universidade, Luiz Antônio Cancello, este comportamento não é totalmente compreendido nos tempos atuais. “O problema é que essa configuração de personalidade parece não ter lugar na sociedade atual, onde precisamos ser alegres, agressivos e comunicativos”.

Hoje, a sociedade impõe um ritmo brutal de vida. Não se pode parar por um segundo. “Vivemos na era do ‘Prozac’ (antidepressivo). Temos a obrigação de estar sempre felizes”, ironiza Cancello enfatizando que não há tempo para ficar de luto. “Se você ficar dois dias em casa, já aparecem vinte pessoas te ligando querendo te chamar pra sair, pra se distrair”.

APRENDENDO COM A MORTE

Basta estar vivo para morrer. A morte é a única certeza da vida. Viver é, enfim, morrer. Eis algumas das muitas frases prontas que utilizamos para se conformar com a ideia de que, um dia, tudo chegará ao fim. As pessoas não mais serão. “Eu não mais se­ rei este corpo”. Mesmo assim, com toda a certeza de que a morre existe para todos, as pessoas a temem e tentam burlar esta etapa final da evolução humana.

A morte é vista na sociedade contemporânea como a maior perda emocional a ser enfrentada. A vilã, aquela que arranca de nós toda possibilidade de vida. Impulsionadas pelo pavor de chegar ao término de tudo, as pessoas buscam por caminhos rumo à eternidade. Todos querem viver para sempre, ou ao menos, se prender a ideia de que não morrer é algo viável.

O avanço tecnológico que presenciamos confirma a cultura de negação à morte. Até 1950, a média de vida não passava de 50 anos. Hoje em alguns países, principalmente as mulheres, chegam a 80 anos de vida. “Os cientistas negam, mas a ciência no imaginário popular tem nos fornecido uma certa aproximação à ideia de imortalidade”, afirma Cancello. Esta falsa noção de que poderemos viver eternamente dificulta a aceitação da morte e elaboração do luto quando alguém próximo vem a falecer.

“Podemos falar que a morte tem uma vantagem evolutiva para os evolucionistas, que faz parte da existência dentro do existencialismo, e podemos citar a elaboração do luto dentro da Psicanálise. Você pode falar em que linha for. Mas acho que todos vão concordar que o fim faz parte da vida, e que hoje a gente recusa a tristeza”, pontua o psicólogo existencialista.

Também em relação à morte, Lilian Graziano afirma que “embora todos estejamos sujeitosà morte e saibamos disso num nível racional, são muitos os que conduzem suas vidas sem trazer essa verdade para o nível emocional”. Um dos motivos é que a morte é encarada como sinônimo de dor, e sofrer é uma heresia dentro da cultura ocidental, que supervaloriza o prazer a qualquer custo. “A consequência disso é que ‘deixamos esse assunto pra lá’ e vamos ‘tocando nossa vidinha’ da mesma forma medíocre de sempre”, completa.

Ao negar a morte, começamos a agir como se fôssemos eternos, e deixamos de aproveitar chances únicas nos enganando de que, devido à imortalidade, teremos novas oportunidades para alcançar nossas metas. Esquecemos que a vida é única e imprevista, e que cada segundo é de extrema importância para nossa história. Lilian faz um alerta referente à negação da morte. “Preste a atenção na próxima vez que disser: ‘Serei feliz quando ganhar na megasena’, ‘Serei mais dedicado à família quando me aposentar’. Afirmações como estas partem do pressuposto de que o futuro nos pertence. É assim que nossa vida, no presente, se torna medíocre”.

A perda em si é o sofrimento, mas a negação é um complicador e pode aflorar um luto mal elaborado. Perder alguém, seja a razão morte, separação conjugal ou qualquer outro motivo, é um acontecimento triste, mas dependendo do relacionamento entre os envolvidos, esse processo pode vir a ser tranquilo ou não. Ao perder um parente que se tem certeza de que o relacionamento foi bom, a pessoa que sofre a perda naturalmente entristece, mas acaba aceitando o fato e passando por cima do luto.

Por outro lado, quando a convivência com o outro não é harmônica, quando uma das partes acredita que poderia ter feito muito além do que fez, a aceitação da perda é conturbada, pois envolve o sentimento de culpa por não ter aproveitado tanto quanto poderia ao lado daquele alguém. “A pessoa cria um diálogo interior interminável e, em certos casos, procura por apoio psicológico na tentativa de calar este diálogo” esclarece Cancello. “Nessa situação, talvez valesse mesmo uma intervenção psicoterápica” completa o psicólogo. Após o tratamento, o paciente pode reconhecer que, na realidade, poderia ter feito poucas coisas além do que havia sido feito.

Em caso de doentes terminais, que são obrigados a viver na iminência da morte, o processo de luto tende a ser complicado. Quando a pessoa sabe que vai morrer e fica revoltada com a situação, a morte é mal resolvida e a passagem muito mais sofrida. Já quando o paciente sabe que vai morrer e passa a aproveitar cada segundo de vida, a morte é muito mais tranquila e fácil de ser aceita. Tendo a consciência de que cada instante deve ser bem aproveitado, a vida ganha uma nova importância. Para a psicóloga Lilian, “ao viver bem a vida, perder algo é mais fácil, pois sabemos que cada momento foi muito bem aproveitado. Isso significa viver o presente sem pensar no que vai ser ou no que já foi”.

Enquanto para uns a morte significa o fim de tudo, o sofrimento maior, para outros da pode ser um alívio. “Isso costuma acontecer com a pessoa que tem muito trabalho ao cuidar de um idoso ou doente desenganado”, exemplifica Cancello. Quando a pessoa que cuida tem claro que a morte trará a paz para o doente, o processo de aceitação é muito mais fácil. No entanto, conforme explica o psicólogo, “certas personalidades exigem de si uma ‘coerência’ sobre-humana, não suportando a coexistência desses dois sentimentos (alívio e tristeza), sentindo-se culpadas”.

Mesmo com toda a complexidade da questão dos cuidadores, cada vez mais eles são necessários, face ao aumento da média de vida. Já aparece, na literatura científica, o termo “stress

dos cuidadores”. “E não podemos esquecer que alguns dos primeiros casos de histeria relatados por Freud referiam-se a mulheres que cuidaram por longo tempo de pessoas doentes. Possivelmente essa era, na época, a manifestação do que hoje chamamos de stress dos cuidadores”.

TIPOS DE PERDA

Quando falamos de luto ou perdas, o primeiro pensamento que nos vem à mente é em relação à morte. Mas o processo de luto vai muito além disso, como já dito na reportagem. Lidamos diariamente com perdas, em diferentes escalas e magnitudes. Perder o emprego, um carro, uma oportunidade de mudança. Tudo isso pode desencadear o luto e levar a pessoa a um grande stress emocional.

Luiz Cancello enumera que entre os principais fatores causadores de stress emocional, em primeiro vem a perda de um ente querido, seguida da separação conjugal. “No processo de separação sentimos a perda de um ambiente familiar e não necessariamente do parceiro”. Em ambos os casos, a dificuldade em lidar com a falta é porque aquela pessoa estava inserida em um projeto de vida, e com a perda, torna-se necessário reconstituir os planos. “Temos que ressignificar nossas vidas por completo, sem aquela presença. Este processo que torna a perda tão difícil e intragável”, concluiu o psicólogo.

A perda da referência cultural também pode gerar o luto. Cada vez mais pessoas migram de suas cidades natal para ganhar a vida nas metrópoles. A mudança pode acarretar na perda da referência cultural daquele lugar e com isso, a pessoa passa a se sentir isolada, não pertencente à nova realidade. “O processo de mudança requer uma serie de readaptações que levem um tempo grande da maturação para você se situar em um novo lugar, com novas pessoas”, justifica Cancello.

Há também uma série de pequenas perdas que muitas vezes passam despercebidas em meio à agitada rotina. ”Ao nos levantarmos, toda manhã, acabamos de contabilizar um dia a menos na nossa existência. Deixamos pra trás o dia de ontem que morreu e que se perdeu de nós; não há como acessá-lo, senãoatravés de lembranças”, ressalta Lilian Graziano.

Perdemos ainda com cada escolha que fazemos. Para comprar um carro tive que abrir mão da tão sonhada viagem. Se somarmos, ao longo do dia vivenciamos inúmeras perdas. Conforme destaca a psicóloga: “É claro que nem todas elas geram um processo de luto clássico, mas nem por isso deixam de nos angustiar, ainda que não tenhamos consciência disso”.

Além da perda de algo concreto, que veio a existir, o ser humano também sofre com a falta do fantasioso. ”Afinal, nós não nos emocionamos em função da chamada realidade objetiva, mas sim em função da nossa percepção acerca dessa realidade”, esclarece Lilian. Levando em consideração que há uma tendência em sofrer com uma perda de algo que nunca foi nosso, Cancello complementa que “na Fenomenologia, você é aquilo que você foi e aquilo que você não foi. O teu hoje é resultado do que foi feito ontem e também daquilo que você não fez”.

O RENASCER

Para Lilian Graziano todas as perdas são necessárias pois trazem em si a possibilidade de que venhamos a aprender com elas. “Se o sofrimento faz parte da vida, fugir dele seria o mesmo que fugir da própria vida, faro que boa parte das pessoas não se dá conta” completa.

Jonathas Martins Cardamone é um exemplo de superação da perda. Em 2001, ao retornar do seu horário de almoço sofreu um acidente de trânsito. Ele estava voltando da casa de sua sogra localizada no Morro do São Bento, em Santos. Na descida do morro, em uma curva, um carro guiado por um motorista embriagado atingiu sua moto ocasionando o acidente

“No hospital, após o exame radiológico, fui direto para a cirurgia. Como tinha acabado de almoçar, o médico anestesista não pode me ‘dopar’, ou seja, fiquei acordado todo o tempo. Cheguei a escutar o barulho deles cortando minha perna. Quando saí da recuperação fiquei procurando o resto da minha perna, e numa tentativa frustrada de me enganar, queria acreditar que não a sentia devido ao efeito dos remédios” relata.

Não aceitando à perda, Jonathas chorou por dois dias seguidos, pois sua esposa estava grávida de quatro meses e ele sentia-se na obrigação de trabalhar para sustentar a família. Durante a recuperação, ele sentiu medo do que iria enfrentar, “mas minha meta era me recuperar pois tinha um bebê para criar”. Em 2003, Jonathas começou a usar a prótese e após um ano já estava caminhando perfeitamente.

Atualmente, ele exerce a função de Auxiliar Administrativo na unidade de Cubatão da Petrobrás, contratado pela empresa AVAPE – Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais. Com o emprego, descobriu também sua aptidão para tirar fotos. “Às vezes agradeço a Deus por ter perdido a perna, pois como não tive condições de fazer uma faculdade, dificilmente teria a chance que tenho dentro da empresa”, enfatiza Jonathas.

São relatos como esseque nos mostram que superar desafios é necessário. Jonathas teve que perder parte de sua perna para “ganhar” uma nova vida. Mas nem todos têm que passar por isso.  O importante é reconhecer que a vida é feita de perdas. Em certos momentos é normal sentir medo de seguir em frente. Em outras ocasiões,a perda trará alívio imediato. A certeza é que apesar da grandeza da perda, aceitar é essencial e, às vezes, inevitável.

Por mais que o luto possa parecer um processo infindável, somos seres capazes de passar por cima, de enfrentar e aceitar a falta do que não mais nos pertence. “É por isso que a saída não está em evitar o sofrimento, mas sim em fortalecer nossos recursos emocionais, para enfrentá-lo”, completa Lilian. Viver é uma dádiva. Que sejamos, então, dignos deste presente.

O PAPEL DA FÉ

Em busca de auxílio para a aceitação da perda, há quem recorra à religião para conseguir se sustentar e seguir a diante. “A religião é um recurso absolutamente legítimo. Se você se sente bem, certamente fará bem”, comenta Cancello. Acontece que, com frequência, apesar de buscar a ajuda da fé, “a pessoa não se sente pertencente a uma religião. É justamente esta pertinência ao grupo é que fornece explicações e consolo. O apoio do grupo ajuda a driblar as perdas”, afirma.

Nada mais atual do que as redes sociais para oferecer uma percepção disso. Nelas, você classifica sua personalidade e crenças. Muitos de seus usuários escolhem a opção “Espiritual, mas não religioso” para denominar a fé. De acordo com o psicólogo esse fato mostra que a pessoa tem a vaga sensação da existência de um algo a mais, no entanto, não se filia a nenhuma religião. “Não se perde a noção da transcendência, mas ao mesmo tempo tem um número significativo de pessoas que não se filiam a nenhuma crença”.

Os que se enquadram neste perfil lidam com o fato bruto em caso de perda, com aquela sensação de que existe algum lugar, sem saber ao certo se é o céu ou não. A única certeza é que após a morte não estamos mais aqui. Para Cancello “vivemos em uma época muito singular desta questão, pois estamos entre algo materialista e tradicionalmente religioso. Você fica num limbo entre essas duas coisas”.

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