O PERIGO DOS ANSIOLÍTICOS
Os efeitos negativos dos medicamentos ansiolíticos e hipnóticos – muito usados pela população – são bem conhecidos há décadas

Os efeitos nocivos de drogas prescritas para tratar a ansiedade, como Frontal ou Rivotril, são conhecidos há muito tempo. Sonolência, quedas e risco aumentado de demência são apenas alguns dos problemas associados a essa categoria de medicamentos, os chamados benzodiazepínicos. O potencial para viciar é também bem conhecido, sendo comum a tolerância (necessidade de aumentar a dose para obter o mesmo efeito) e dependência (a retirada ou diminuição produzem abstinência).
O uso de benzodiazepínicos por um período maior do que três semanas leva o cérebro a uma adaptação nada benéfica à saúde, que é a diminuição da produção natural do neurotransmissor inibitório mais importante, o chamado GABA (ácido gama-amino-butírico). Existem neurotransmissores excitatórios, como serotonina ou dopamina, que promovem atividade nos neurônios, sendo parte da comunicação de sinais no sistema nervoso. Já os neurotransmissores inibitórios promovem o efeito contrário, ajudam a desligar a atividade dos neurônios. O GABA, sendo o principal neurotransmissor inibitório, tem um papel crucial para processos que dependem de inibição, como relaxar, dormir, desligar pensamentos obsessivos ou impulsos, e assim por diante.
Os medicamentos benzodiazepínicos, justamente, imitam a molécula do GABA e se encaixam em seus receptores, funcionando como se fossem o neurotransmissor, promovendo assim suas ações de inibir a atividade neuronal. O relaxamento e sonolência são efeitos dessa inibição, mas o problema é que depois de três semanas o cérebro entende que já existe muito GABA e para de sintetizá-lo naturalmente, deixando a pessoa dependente de ingerir os medicamentos sob pena de ficar muito ansiosa ou insone. Está armada uma dependência química com drogas legais e prescritas pelo médico.
É importante observar que a prescrição adequada desses medicamentos não deve ser superior a três semanas, e que podem existir indicações para uso em períodos menores. Para se ter uma ideia da seriedade dessa questão, os conselhos de Medicina de alguns países da Europa punem os médicos que prescrevem de forma prolongada com a cassação da carteira profissional. Os medicamentos hipnóticos têm problemas parecidos, e requerem cuidados em seu uso, ocasionando diversos efeitos colaterais.
Um novo estudo com uma amostra massiva encontrou evidências de um risco ainda maior para as duas categorias de medicamentos, os ansiolíticos e os hipnóticos. A pesquisa, publicada no British Medical Journal, se baseou em dados de mais de cem mil pacientes que fizeram acompanhamento médico durante sete anos. A descoberta chocante foi: os pacientes que usaram essas drogas tiveram mais do que o dobro do risco de morte. Além disso, os pesquisadores observaram que os riscos são proporcionais à dose usada, ou seja, quanto maior a dose, maior o risco de morte. Os autores da pesquisa apontaram que a mensagem principal do estudo é que devemos ter mais cuidado com o uso dessas drogas, uma vez que crescem as evidências de que os efeitos colaterais são significativos e perigosos. Segundo os autores, temos que fazer tudo o que for possível para minimizar a confiança excessiva nessas drogas como forma principal de lidar com a ansiedade ou problemas de sono, e valorizar as alternativas.
Podemos dizer que não existe uma forma a longo prazo de controlar a ansiedade, ou a insônia, através de medicamentos, pelo menos sem ter inúmeros riscos e danos para a saúde e funcionamento do organismo. De forma breve, esses medicamentos são de fato efetivos, mas logo surgem os problemas se o uso for continuado. Ironicamente, a pessoa se torna mais propensa à ansiedade ou insônia com o uso constante, tendo alívio com doses maiores e momentaneamente.
Realmente não podemos substituir um estilo de vida saudável por comprimidos sem ter consequências. Existem muitas formas de aprender a reduzir a ansiedade e melhorar o sono de forma natural e saudável, mas que dependem de informações adequadas e de empenho na mudança de hábitos. No entanto, vale muito a pena o esforço, pois o aprendizado e os novos padrões de comportamento permanecem e se ampliam na vida, e são uma espécie de patrimônio da reserva de saúde.
A terapia cognitivo-comportamental, por exemplo, pode contribuir muito para insônia ou ansiedade, ensinando aos pacientes técnicas para lidar com pensamentos de ansiedade, hábitos saudáveis de sono, técnicas de relaxamento, meditação mindfulness, entre outras estratégias. Exercícios físicos e nutrição adequada são ferramentas poderosas de controle da ansiedade e melhoria do sono, e a divulgação de informações sobre a implementação de hábitos saudáveis nessas dimensões é crucial para que a população tenha acesso a alternativas aos medicamentos. Embora seja cômodo tomar um comprimido ao invés de toda uma trajetória de aprendizado e esforço para obter um resultado, hoje entendemos melhor os riscos de pegar o caminho mais fácil e os benefícios de mudar o estilo de vida de forma positiva.
MARCO CALLEGARO – é psicólogo, mestre em Neurociências e Comportamento, diretor do Instituto Catarinense de Terapia Cognitiva (ICTC) e do Instituto Paranaense de Terapia Cognitiva (IPTC). Autor do livro premiado O Novo Inconsciente: Como a Terapia Cognitiva e as Neurociências Revolucionaram o Modelo do Processamento Mental (Artmed, 2011).
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