EU ACHO …

QUEM DISSE QUE EDUCAR É FÁCIL?

Educadores devem ser, acima de tudo, bons comunicadores. E bons comunicadores usam todos os recursos necessários, com criatividade, para manter o público interessado e atento

Um novo estudo relaciona imaturidade ao diagnóstico de transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Após analisar informações de quase 510 mil crianças ao longo de uma década, pesquisadores do Instituto Norueguês de Saúde Pública concluíram que os mais novos da sala (que naquele país, assim como no Brasil, são nascidos entre outubro e dezembro) têm quase o dobro de chance de serem medicados com psicotrópicos se forem meninas e, se forem meninos, a probabilidade aumenta em cerca de 40%. Resultados semelhantes já foram colhidos em estudos realizados na Alemanha, Canadá, Espanha e Israel, não deixando dúvidas: uma quantidade alarmante de crianças, no mundo todo, tem sua imaturidade avaliada como distúrbio e tratada com estimulantes.

Se a forma como as crianças são ensinadas pudesse ser avaliada com a mesma precisão com que se cruzam dados de calendários e diagnósticos, sem dúvida encontraríamos um fator ainda mais fortemente relacionado aos problemas de atenção. Os maiores índices de alunos com dificuldades para se concentrar certamente proviriam de classes conduzidas por professores desmotivados e pouco criativos. Muitos esforços são dirigidos para que as crianças se adaptem ao sistema educacional, quando o que mais precisamos é adaptar o sistema educacional a elas.

Poderíamos colocar em discussão disciplinas, grades horárias, quantidade e teor de conteúdo, arquitetura das escolas, métodos de ensino, sistemas de avaliação e outros tantos fatores que compõem a fórmula imprecisa de uma educação de qualidade. Encontramos variações de tudo isso com mais ou menos sucesso, sempre dentro de limites traçados por processos legais e burocráticos e, portanto, lentos. Mas se restringirmos a discussão a fatores mais tangíveis e não menos impactantes, dependentes apenas de mudanças de perspectivas e posturas na hora de ensinar, já podemos alcançar grandes resultados em curto prazo.

Os ensinamentos que conseguimos transformar em brincadeira, com a participação ativa da criança, são aprendidos com atenção e comprometimento. Todas as obrigações das quais elas escapam diariamente, para desespero dos pais e professores, também são magicamente cumpridas quando transformadas em desafios. Mas para isso precisamos reinventar a forma como costumamos impor tarefas e ensinar.

Muitas vezes, temos que lançar disputas, inverter papéis, estabelecer limites de tempo, contar pontos, lançar adivinhas, criar charadas. Enfim, precisamos rever os hábitos desgastantes e pouco eficientes de exigir atenção aos longos discursos verbais e de repetir as ordens desobedecidas gritando e, ao invés disso, inventar novas regras e maneiras de ensinar, de preferência divertidas, num exercício constante de criatividade.

Crianças são naturalmente atraídas pelo inesperado. Adoram ser surpreendidas, são fascinadas pelo incomum e motivadas pela criatividade – que pode ser muito divertida, mas exige atitudes que nos tiram do conforto da rotina e de tudo o que é feito com o mínimo de esforço possível. Ser criativo implica abandonar velhos conceitos e investir mais energia em tarefas que realizamos automaticamente – mudanças que desafiam o comodismo ao qual nos apegamos na vida adulta e colocam em questão também a necessidade de avaliarmos nossas prioridades. Ou seja, a via para chegar a soluções criativas nunca é a mais fácil. Mas quem disse que educar é fácil?

O ensino não acontece sem uma comunicação eficaz. Bons pais e bons professores são, acima de tudo, bons comunicadores. E todo bom comunicador é necessariamente criativo: sempre vai procurar fugir do óbvio em seu discurso. E mesmo quando a obviedade está presente no conteúdo que precisa transmitir, ele vai buscar se diferenciar na forma como passa a informação. Afinal, sua intenção é, acima de tudo, manter a atenção do ouvinte e, para isso, sabe que deve surpreendê-lo constantemente; deve fazer com que ele se identifique emocionalmente com o conteúdo e que interaja com as informações, criando novas relações.

A comunicação só se estabelece quando há, além da atenção, compreensão. Se um meio de comunicação não consegue manter a atenção do leitor ou do espectador, nem consegue informá-los de forma clara, certamente vai buscar novas maneiras de narrar os fatos, pois culpar o público e insistir no formato que não foi aceito não irão evitar o fracasso do veículo. Pois a educação não deveria funcionar diferente. Nem em casa, nem na escola.

Pensamento crítico e criatividade não costumam ser produtos da leitura restrita a livros didáticos e apostilas. Muito mais provável que se desenvolvam nos momentos em que os livros são fechados e as longas explicações – destinadas a serem esquecidas – trocadas por atividades que envolvem o engajamento das crianças. Quando nos comprometemos em estabelecer uma comunicação eficaz com as crianças, a imaturidade que impede muitos de se sentarem quietos para ouvir passivamente deixa de ser considerada doença e transforma-se em um desafio saudável à nossa criatividade.

MICHELE MÜLLER – é jornalista, pesquisadora, especialista em Neurociências, Neuropsicologia Educacional e Ciências da Educação. Pesquisa e aplica estratégias para o desenvolvimento da linguagem. Seus projetos e textos estão reunidos no site www.michelemuller.com.br

OUTROS OLHARES

A HORA DA PROVA

Em quarentena, milhões de crianças estão sendo avaliadas longe do olhar vigilante do mestre. O sucesso da empreitada vai depender do nível do teste.

A hora da prova costuma ser cercada de ansiedade, cada aluno calibra à sua maneira o incômodo. Na véspera, desenrola-se a clássica corrida para sanar dúvidas, seguida da tensão daquele momento em que se está frente a frente com o tão temido teste no silêncio da classe. Agora, com a quarentena, todo esse rito está sendo vivido de forma inteiramente diferente por milhões de estudantes no país – e com todos os desafios que a distância da escola impõe. Primeiro não há professor a postos na tradicional situação de vigilância, como se estabeleceu desde que os pioneiros colégios jesuítas foram plantados no Brasil. Cabe aos alunos, portanto, decidir se levam a prova a sério ou se cedem à tentação natural de copiar as respostas do livro ou obtê-las nos mais efervescentes do que nunca grupos de WhatsApp. Para os pais, sobretudo de crianças menores, fica o papel de dar uma força para que o processo transcorra de modo que a avaliação preserve sua função original: medir o que cada um verdadeiramente sabe.

A breve experiência já aponta a complexidade de a criançada manter esse tipo de disciplina sem estímulos externos. Longe do olhar atento dos mestres uma turma está convertendo a avaliação numa atividade em grupo, em que as respostas são amplamente compartilhadas e checadas na internet. “Aqui em casa a prova foi comunitária, com debate nas redes”, reconhece a mãe de filhos de 12 e 15 anos, matriculados em um tradicional colégio do Rio de Janeiro, que preferiu não se identificar. “Prevejo um monte de notas altas que não condizem com a realidade de uma escola tão exigente”, ela alerta. Ouvida pela reportagem, uma tia conta que resolveu dar uma mãozinha a duas sobrinhas nos testes de química e física. ”A mudança com a pandemia foi drástica repentina. Acabei colaborando para reduzir o estresse delas num momento em que isso não me parece fazer sentido”, sustenta sua posição.

São amostras de casos da vida seria real que fazem refletir sobre qual seria o caminho mais eficiente e honesto de testar toda uma geração confinada. A maioria dos educadores é a favor da preservação dos exames, mesmo que nas condições adversas atuais, e até enxerga na resolução coletiva, digamos assim, das provas um lado bom. “Ao consultarem um livro ou um amigo, os estudantes estão correndo atrás de respostas, exercitando a capacidade de pesquisa em algum grau e pondo o cérebro para funcionar”, diz Katia Smole, diretora do Instituto Reúna e ex-secretária de Educação Básica do MEC. Isso, que fique claro, quando não praticam a cola pura e simples. Alunos do 8º ano do colégio Pueri Domus, de São Paulo, Gabriel e Maria Eduarda Costa, gêmeos de 12 anos, receberam orientações sobre que espécie de consulta seria válida: eles podem ler de tudo onde bem quiserem, mas nunca usar o ‘corte-cole’ de textos prontos. “A gente precisa aprender a administrar liberdade e responsabilidade”, comenta Gabriel, com jeito adulto. A mãe, Ana Paula, revela: “Eles achavam que seria fácil, que copiariam tudo do Google, mas estão tendo de estudar duro para resolver provas talvez até mais complexas”.

A temporada de avaliação em casa enfatiza a ideia de que, quanto maia elaborada ela for, melhor termômetro será para a escola, que assim ficará sabendo quanto de conhecimento vem sendo assimilado nestes tempos para lá de atípicos. “Se as perguntas forem de múltipla escolha, dessas que você acha a resposta, na internet, sem análise crítica é sinal de que não são adequadas para este período de quarentena nem para depois dele”, afirma Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV. São as questões discursivas, que exigem de crianças e adolescentes que percorram um raciocínio completo e o desenrolem no papel com as próprias palavras, as mais adaptadas a estes tempos.

Vêm-se muitas tentativas nesse sentido por aí. No Colégio Bandeirantes, Em São Paulo, as provas de literatura pedem que o estudante discorra sobre livros e seus autores. Os professores valorizam a singularidade nos textos. ”Ficamos atentos às similaridades no padrão das respostas e, quando está claro que um aluno copiou do outro, anulamos sua nota” explica a diretora pedagógica Mayra Lora. Vários colégios já usam como apoio para frear a cola softwares que caçam semelhanças inequívocas entre as provas e averiguam o tempo que os estudantes as resolvem – se for compatível com a realidade, haverá aí um indício de que a solução não foi para o valer. Alguns ainda optam por deixar os alunos sob o monitoramento de câmeras enquanto se debruçam sobre os exames.

Recém-publicada pela Unesco, uma pesquisa em 84 países mostra que 58 deles recomendaram o adiamento das avaliações e 22 preferiram seguir em frente – o Brasil entre eles à exceção, principalmente, de algumas redes públicas, dadas a “vulnerabilidades de escolas e famílias que às vezes nem acesso ao ensino on-line têm. Certas nações, que já contam com um sistema diversificado de avaliações, não estão aplicando testes, mas trabalho e projetos. É o caso da Finlândia, referência global na sala de aula que caminha sobre uma trilha sofisticada. “A criança executa o projeto depois precisa explicá-lo muito bem explicado ao professor”, relata Marjo Kyllonen, à frente da gestão das escolas na capital, Helsinque. Só poderemos aferir mesmo o patamar de cada aluno quando a vida voltar ao normal”, atenta o professor de matemática Leandro Freitas, do Colégio Liessin, no Rio de Janeiro. Ele e outros estão se esmerando para formular melhor suas provas. Tomara que esse esforço permaneça quando a pandemia passar.

ALIMENTO DIÁRIO

GOTAS DE CONSOLO PARA A ALMA

DIA 06 DE JUNHO

O AMOR CONJUGAL, UM TESOURO PRECIOSO

As muitas águas não poderiam apagar o amor… (Cantares 8.7a).

O livro de Cântico dos Cânticos exalta o amor conjugal, um símbolo do amor de Cristo pela sua igreja. No capítulo 8, encontramos quatro características do amor conjugal. Primeiro, é um amor inviolável: Põe-me como selo sobre o teu coração… (v. 6a). O selo é um símbolo de inviolabilidade. O amor conjugal precisa ser íntegro, puro, confiável, fiel. Segundo, é um amor sacrificial: … porque o amor é forte como a morte (v. 6b). O amor verdadeiro se entrega sem reservas à pessoa amada. Cristo amou a igreja e se entregou por ela. O marido deve amar a esposa como Cristo amou a igreja, entregando-se e estando disposto a morrer por ela. Terceiro, é um amor indestrutível: As muitas águas não poderiam apagar o amor, nem os rios, afogá-lo (v. 7a). As crises e as tempestades da vida não podem destruir o amor verdadeiro. Nenhuma turbulência pode abalar as estruturas do amor. O amor navega sobranceiro pelos mares revoltos e cruza os rios caudalosos com inabalável segurança. Quarto, é um amor incorruptível: … ainda que alguém desse todos os bens da sua casa pelo amor, seria de todo desprezado (v. 7b). O amor não é um produto barato que se compra no mercado, nem uma moeda de troca que se barganha para alcançar vantagens imediatas. O amor não se corrompe nem se vende. É sincero, puro e confiável. Esse amor é o oxigênio do casamento, é o vetor que governa o relacionamento, é a recompensa maior da relação conjugal.

GESTÃO E CARREIRA

PARA NÃO PROCRASTINAR

Adiar tarefas é contraprodutivo, e a procrastinação fica mais evidente em tempos em que gerenciar as emoções também é difícil

Atire a primeira pedra quem nunca deixou para depois uma tarefa essencial para fazer outra sem importância, como navegar sem rumo nas redes sociais. O nome disso é procrastinação, é muito comum e tem ficado mais evidente na quarentena. “Procrastinar nada mais é do que adiar coisas que você precisa fazer. Pode ser um simples telefonema”, explica Daniel Barros, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

Ana Carolina Uchoa, 30, que trabalha na área administrativa de obras, diz que se atrapalhou com a nova rotina, adiou compromissos e se enrolou para entregar as tarefas no prazo. Ela lida com auditoria e, entre suas funções, está cobrar a documentação dos fornecedores para o relatório mensal. “Sabia que tinha de fazer, mas pensava: ‘daqui a pouco eu faço’ e me levantava para preparar um bolo ou assistir à novela da tarde. Quando me dava conta, estava em cima do prazo e tinha de correr.”

Para Ana Carolina, o fato de a rotina não ser mais a mesma afeta sua organização e a faz procrastinar mais vezes. “Eu já tinha uma tendência de deixar tudo para depois, mas, estando em casa, é muito difícil conseguir focar 100% o trabalho. Acabo procrastinando por sobrevivência”, brinca.

Gabriela Dolce, de 27 anos, também sente diferenças no dia a dia que a fazem perder o foco. Ela afirma que sempre foi organizada para conseguir realizar tudo. Além de trabalhar, cursa uma segunda faculdade à noite. “Minha rotina era absolutamente regrada, e agora acabo perdendo o foco e adiando coisas. Houve dias em que percebi que não estava conseguindo me concentrar e tive de renegociar prazos com minha gerente.”

De acordo com Barros, existe uma falsa ideia de que a procrastinação tem relação apenas com a administração do tempo. “Procrastinar também está ligado à dificuldade de gerenciamento das nossas emoções. Neste momento, estamos mais tensos, mais desgastados, mais estressados, o que afeta o emocional e a motivação de fazer as coisas necessárias”, explica o psiquiatra. É o que acontece com a artista gráfica Ana Dora, de 70 anos. Ela, que tem um ateliê de gravuras na sala de casa, diz que costumava manter a mesa de trabalho sempre em ordem. Sem encomendas, seu rendimento quase zerou e a área virou uma bagunça. Ana afirma que, apesar de não sair de casa, não consegue estímulo para organizar a mesa. “Estou mais ansiosa e procuro outras coisas para fazer em vez de arrumar o ateliê para poder trabalhar. Limpei a geladeira, lavei o rejunte dos azulejos. A mesa de trabalho, que é o mais importante, sempre deixo para depois.”

A PSIQUE E AS PSICOLOGIAS

O FANTASMA DOS RELACIONAMENTOS OPRESSORES

Boa parte das pessoas não consegue se libertar das relações abusivas e violentas, que ocorrem com muita frequência e atingem mulheres, inclusive, durante o período de gravidez

Relacionamentos violentos ocorrem com muita frequência, como atestam os noticiários. As histórias, quando divulgadas, em geral descrevem níveis muito severos de abuso, que culminam em suicídio ou homicídio. Mas há muitas experiências de violência banalizadas e invisibilizadas, especialmente a violência psicológica. Comportamentos como controlar, depreciar, diminuir a autoestima, gritar, xingar, impedir de ver amigos e culpabilizar o outro são sinais comuns de violência emocional ou psicológica, a mais frequente entre namoros mundo afora, incluindo o Brasil. Muitas vezes, o controle do parceiro, as crises de ciúmes e as proibições para mantê-lo junto a si todo o tempo são confundidos, equivocadamente, como sinais de amor. Um estudo com jovens de Recife mostrou que muitos deles interpretam essas condutas do parceiro como demonstrações de bem-querer e cuidado. Isso perpetua a violência e retarda o término do namoro ou a busca de outras soluções.

Além da violência psicológica, como previsto na Lei Maria da Penha (Brasil, Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006), há ainda outras formas de violência, como a física, a mais visível de todas, como empurrões e tapas; a sexual, como usar de ameaças à autoestima do outro para pressioná-lo a fazer sexo e fazer sexo sem o seu consentimento; a moral, como difamar o parceiro por meio da divulgação de fotos íntimas; e a patrimonial, como quebrar o celular do parceiro e destruir seu carro. Estudos de vários países, incluindo o Brasil, mostram que adolescentes de ambos os sexos, em relações heterossexuais e homossexuais, de diferentes classes sociais, podem ser vítimas e perpetradores de violência no namoro. Não se trata, portanto, de um problema restrito a poucos, mas de alcance abrangente.

Infelizmente, muitas das formas de violência são glorificadas em nossas produções culturais, como músicas (da bossa nova, passando pelo samba, até o sertanejo), livros e filmes. Assim, constrói-se uma cultura de aceitação da violência, como se toda relação de amor envolvesse, em alguma medida, violência e fosse normal viver “entre tapas e beijos” (o que não é o caso). Nesse cenário, não é surpreendente que as relações amorosas sejam construídas com base no pressuposto de que o outro é um objeto a ser possuído, à medida em que são abundantes modelos de relacionamentos íntimos violentos dentre as relações próximas, como amigos e familiares, até influências mais distantes, como personagens midiáticos.

Soa intrigante por que adolescentes e jovens sujeitam-se a relacionamentos violentos, deixando-se aprisionar em relações tóxicas, mesmo quando ainda não têm filhos, não estão casados e não dependem financeiramente do outro. Uma resposta sucinta a essa questão é porque vínculos afetivos são poderosos e aprendemos a amar assim com o mundo ao nosso redor (“homens são desse jeito”, “mulheres são assim mesmo”, “o amor tudo suporta”, “não consigo viver sem ele”). Hoje já se sabe que a violência no namoro é aprendida com as influências sociais, dos pares e familiares às quais os jovens são expostos desde o início da vida. Pertencer a culturas sexistas e comunidades tolerantes para com a violência, ter amigos que são violentos com seus parceiros e pais que se tratam com violência como casal e receber tratamento violento dos pais são algumas das principais razões que favorecem a vitimização pelo parceiro íntimo. Essas experiências podem construir atitudes de aceitação da violência, dificuldades em lidar com conflitos no namoro e insegurança em relacionamentos íntimos (“eu não sou boa o suficiente, ele é tudo o que eu tenho”).

Ao fim, tem-se um amor pernicioso (ainda que, em alguma medida, gratificante), que aprisiona e ameaça o bem-estar e a integridade dos envolvidos, ao longo de gerações. Um estudo recente indica que a violência no namoro, entre casais adolescentes, pode se perpetuar até a vida adulta, com novas ondas de risco à saúde mental do casal e dos filhos. Em curto prazo, diversos efeitos danosos da violência no namoro têm sido documentados, incluindo depressão, transtorno de estresse pós-traumático, abuso de álcool, desejo de pôr fim à própria vida e, em casos extremos, suicídio e homicídio. Condutas autolesivas são especialmente frequentes em tentativa de término, o que mostra que romper esse vínculo de afeto, mesmo violento, é uma tarefa árdua.

O TÉRMINO

Alguns estudos, principalmente norte-americanos, têm examinado o processo de término de relacionamentos violentos. As pesquisas na área ainda são poucas, mas já apontam alguns direcionamentos sobre aspectos que facilitam ou dificultam dar fim a esse tipo de relação. Um primeiro aspecto que a literatura científica aponta diz respeito aos recursos e barreiras estruturais para o fim da relação. Esse conceito se refere a aspectos de ordem prática, necessários à sobrevivência, como ter ou não renda própria, depender do parceiro financeiramente, ter ou não ter casa. Aspectos como esses limitam muito a possibilidade de escolha de uma pessoa que está em situação de violência e dificultam que a pessoa tenha autonomia para sair do relacionamento. Para uma pessoa que enfrenta barreiras como essa (por exemplo, alguém que não tem renda própria ou depende da outra pessoa para sobreviver), um primeiro passo para que seja possível dar fim ao relacionamento diz respeito a procurar formas de autonomia, como conseguir uma fonte de renda, ou buscar apoio financeiro (ainda que de forma provisória) em outras pessoas, como familiares e amigos.

Outro ponto que vem se mostrando muito consistente na literatura científica sobre término de relacionamentos violentos diz respeito ao conceito de normas subjetivas. Esse conceito exprime aquilo que uma pessoa considera que as pessoas mais significativas para ela, como familiares e amigos, pensam sobre um tema, nesse caso, a continuidade ou término do relacionamento. Isso sinaliza que para que uma pessoa consiga sair de um relacionamento violento é importante que pessoas ao seu redor a apoiem nisso e expressem para ela esse pensamento e seus sentimentos quanto a vê-la naquela relação. No entanto, é importante ter cuidado ao comunicar isso para que, ao invés de ajudar, o amigo ou familiar não acabem atrapalhando e se tornando mais uma fonte de sofrimento.

Um terceiro aspecto que os estudos têm investigado diz respeito ao nível de investimento na relação. Esse conceito envolve a compreensão sobre pelo menos três aspectos: a satisfação com o relacionamento, a qualidade das alternativas e os investimentos irrecuperáveis. Sobre a satisfação com o relacionamento, é importante lembrar que as relações violentas não têm só o lado negativo. Muitos elementos nesses relacionamentos podem ser gratificantes também, e, mesmo que para alguém que observa de fora pareça incompreensível, um relacionamento violento pode ter muitos pontos de satisfação e é exatamente por isso que o sentimento fica tão confuso.

A qualidade das alternativas é definida pela maneira como a pessoa analisa as opções que ela tem disponíveis, como, por exemplo, ficar sozinha ou buscar outros relacionamentos. Essa é uma avaliação subjetiva e muitas coisas a influenciam. Ainda há poucos estudos sobre isso, mas aspectos como ter baixa autoestima e não se ver capaz de ter outros relacionamentos melhores, sentir muita ansiedade e necessidade de ter a outra pessoa por perto, a ponto de não conseguir tolerar os sentimentos difíceis que a distância traz, ter outros campos da vida – como estudos, trabalhos ou projetos pessoais – pouco desenvolvidos, de forma que se ver sem a outra pessoa se torne muito difícil, estar isolado ou distanciado de relacionamentos com outras pessoas, como familiares e amigos, tornando aquele namoro a única relação próxima que a pessoa tenha. Em contextos como esses que foram descritos, aproximar-se de outras pessoas e fortalecer amizades positivas podem ser de grande ajuda. Além disso, procurar orientação terapêutica pode ser um apoio importante.

Por fim, os investimentos irrecuperáveis se referem a como a pessoa avalia que o fim da relação trará perdas que ela não pode recuperar. Exemplos de investimentos irrecuperáveis são o próprio tempo de relacionamento (que não pode voltar) ou o esforço empreendido em fazer aquela relação dar certo. Sobre esse último ponto, em muitos relacionamentos violentos as pessoas fazem grandes esforços para promover mudanças e, de fato, às vezes alguns pontos melhoram, mas não o suficiente para trazer tranquilidade e felicidade. Essa dinâmica pode dar a sensação de que o casal está “quase lá” e que terminar seria como jogar tudo por água abaixo. Dessa forma, uma avaliação sobre os investimentos irrecuperáveis que favorece o fim do relacionamento se refere, por exemplo, a conseguir perceber o relacionamento não como algo que vai pelo ralo quando acaba, mas como experiências que, mesmo sofridas, trouxeram aprendizados importantes e fazem parte de uma trajetória de vida que se aproxime daquilo que cada pessoa deseja e busca para si. No Brasil, o Grupo de Estudos em Prevenção e Promoção de Saúde no Ciclo da Vida da Universidade de Brasília tem buscado compreender o que impulsiona a mudança, da violência à autoproteção frente a namoros com maus-tratos. As experiências de pessoas que conseguiram sair de um namoro violento indicam que existe um caminho a ser percorrido, desde a percepção da violência como um problema que merece ser resolvido até distanciar-se do parceiro. A mudança pode ser lenta e dolorosa. Trata-se de um processo de mudança que não tem tempo determinado, podendo variar entre semanas e anos. Começa-se tomando consciência do problema e reconhecendo a relação como violenta. Em seguida, toma-se a decisão de fazer alguma coisa para se proteger e os primeiros passos são dados, nem sempre para sair da relação, mas para testar soluções, cuidar de si e se fortalecer. Tomada a decisão, em seguida vem o término concreto da relação violenta, quando diversos cuidados precisam ser tomados para lidar com a dor, o medo, a saudade e a tensão, quando o parceiro é ameaçador. Por fim, na etapa final, deve-se cuidar para não haver recaídas, com retorno à relação antiga ou a outros relacionamentos com o mesmo padrão violento. Esse processo é bem descrito por uma teoria chamada modelo transteórico de mudança, também aplicada para mudança em outros alvos, como deixar de fumar.

ETAPAS

O modelo transteórico de mudança, indicado para deixar relacionamentos violentos, apresenta etapas que devem ser seguidas para se manter protegido de relacionamentos abusivos. Para isso, existem exercícios que estão disponíveis no livro Libertando-se de Namoros Violentos: um Guia sobre o Abandono de Relações Amorosas Abusivas, Editora Sinopsys (Murta; Ramos; Tavares; Cangussú; Costa, 2014b).

Na fase inicial, a pessoa terá a impressão de que “a ficha caiu”. Perceberá a tensão que existe na relação e poderá sentir angústia, confusão, culpa e acreditar que não conseguirá resolver a situação. Perceberá a importância de tomar uma atitude, ainda que não saiba muito bem o que fazer. Seu desejo de resolver a situação se mistura ao desejo de permanecer no relacionamento. Essa confusão fica ainda mais forte quando deseja sair do relacionamento e ao mesmo tempo investir na relação. As pessoas que tomaram consciência da violência o fizeram a partir da vivência de algum episódio severo e muito doloroso. A partir daí, começaram a se inquietar e interpretar a situação como grave. Começaram a observar melhor suas emoções diante do parceiro e na sua ausência. O apoio de amigos e investir em autocuidados, como atividade física e terapia, são de muita ajuda.

PREPARAÇÃO

No estágio seguinte, de preparação, a pessoa começa a se dar conta de que os maus-tratos são graves, mas ainda se sente presa à relação violenta. Às vezes, poderá experimentar, sem sucesso, algumas estratégias para tentar resolver a situação, como, por exemplo, ameaçar terminar, evitar contato com o parceiro, aceitar suas imposições, revidá-las ou forçar uma gravidez para melhorar o relacionamento. Muitos desses testes de soluções se mostram improdutivos, como a submissão à violência e a retaliação, e outros podem ter alto custo, como engravidar para revigorar a relação. O ideal é buscar caminhos para se fortalecer e afastar-se gradualmente da relação.

Assim como no estágio anterior, de tomada de consciência, continua sendo indispensável “se olhar no espelho”, mas é importante aprender novas estratégias e cuidados para “manter os olhos abertos”, como por exemplo:

Escreva todas as palavras humilhantes e depreciativas que você já ouviu de seu/sua parceiro/a; ouça o que os amigos e familiares dizem sobre a relação; converse com os amigos. Eles podem ajudá-lo a enxergar a realidade, a acreditar em você mesmo e a juntar forças para seguir em frente; fortaleça sua autoestima. Lembre-se das coisas boas que já ouviu sobre você. Se olhe no espelho e responda: quais são as minhas qualidades?; preste atenção em experiências do passado que podem estar afetando a relação atual. Há algum aspecto do seu jeito de se relacionar que é parecido com o jeito de seus pais e que você não gosta?; relembre seus relacionamentos passados. Que dificuldades se repetem?; invista em cuidados com a saúde mental (como fazer terapia) e saúde física.

Esses cuidados ajudam a ver claramente que a relação violenta é um problema que precisa ser resolvido. Além disso, eles também vão permitir que a pessoa se conheça melhor e busque forças para se proteger, ou seja, vão fortalecer para que consiga seguir em frente sem adoecer.

No estágio da ação, a pessoa começará a fazer pequenas (mas importantes) mudanças na vida. Essa mudança pode ser no comportamento (por exemplo, pedir para conversar e dizer que quer terminar o namoro), no jeito de se relacionar (por exemplo, não aceitar mais que seu companheiro ou companheira faça piadas de mau gosto sobre você na frente dos outros) ou até mesmo no jeito de pensar (por exemplo, se convencer de que ciúme não é uma prova de amor). Pode sentir medo, insegurança ou outras coisas ruins nessa mudança e querer voltar atrás, isso é normal. Mas é importante manter a determinação e, para isso, existem vários exercícios que podem ajudar:

Bole um plano para situações que tenha medo que aconteçam. Por exemplo, trabalhe o autocuidado: é importante zelar por si, procurar o próprio bem-estar; estimule o empoderamento: tome as próprias decisões, cuide de si mesmo, saiba quais são os direitos e lute por eles; treine assertividade: expresse sempre os sentimentos e pensamentos de maneira clara, direta e objetiva, sem ofender ou magoar as outras pessoas; acesse o suporte social: pessoas com quem pode contar, como amigos, família, professores, médicos, agentes comunitários etc.; tente regular as emoções: identifique e lide com os sentimentos e comportamentos de forma mais eficiente. Quando se sentir muito triste, por exemplo, observe bem o que fez se sentir mal e pense quais são as melhores formas de lidar com essa tristeza. Assim, vai ter certeza de que tomou as medidas necessárias para se libertar de um namoro violento.

RECAÍDAS

Apesar de já ter conseguido terminar a relação violenta, recaídas podem acontecer por diversos motivos. Para evitar uma reaproximação com a pessoa ou investimentos em novos relacionamentos do mesmo tipo, é importante estar atento. Essa é uma fase de manutenção, onde devem ser usadas estratégias para ficar longe de situações que podem ser problemáticas. Essas estratégias envolvem: manter distância de situações de “tentação” ou risco para a recaída, planejando como evitá-las ou como pode sair ou resistir a elas; investir em novos interesses e objetivos de vida; ter em mente que a pessoa é responsável pelo próprio bem-estar, não colocando a felicidade dependente do outro.

É preciso pensar em como foi difícil, mas ao mesmo tempo gratificante chegar onde se está, fazendo o possível para se manter forte. É importante evitar lugares onde possa encontrá-lo(a), afastar-se de coisas que faça recordar dele(a), investir em si, na aparência, nos valores, nas coisas que gosta, nas pessoas que realmente gostam de você e que podem ajudar. Após esse momento turbulento a vida segue, construindo novas oportunidades para se ser feliz.

INTERVENÇÃO PRECOCE

Em que pese a crença culturalmente compartilhada de que a violência é parte natural das relações, nem todos os namoros são violentos. Adolescentes e jovens podem aprender a lidar com conflitos de modo não violento e expressar discordâncias e emoções desagradáveis, como raiva e ciúme, de modo assertivo. Parte crucial da qualidade das relações amorosas é a capacidade dos parceiros de perceber as necessidades do outro e reagir a elas sensivelmente, apoiando e respeitando a individualidade do parceiro e, ainda, manifestando as próprias necessidades e preferências sem hostilizar ou culpabilizar o outro. Os serviços de atendimento às vítimas e perpetradores de violência no namoro devem compor um continuum de serviços focados no enfrentamento e prevenção à violência pelo parceiro íntimo e na promoção da qualidade das relações amorosas. Nesses últimos aspectos, ainda é pequena a pesquisa nacional sobre programas de prevenção à violência no namoro. Os programas até agora existentes têm se centrado em dois braços: o primeiro, dirigido a adolescentes de ensino médio, no contexto escolar, por meio de oficinas participativas com múltiplos encontros que discutem temas como o reconhecimento da violência no namoro; papéis de gênero e direitos sexuais e reprodutivos; e habilidades de comunicação, tomada de decisão, manejo de emoções e solução de problemas. O segundo, voltado também para adolescentes, via intervenções breves em diferentes contextos, com a finalidade de desenvolver habilidades de empatia, melhorar a qualidade da amizade e apoiar amigos que vivem namoros violentos a se protegerem da violência. Porém, muito ainda precisa ser feito para fomentar a pesquisa nacional nessa temática, alargar a formação profissional para reconhecer e tratar o fenômeno e disseminar iniciativas preventivas e promotoras de qualidade das relações amorosas entre jovens.

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