CORAGEM DE DIZER
Desde que o garoto da fábula apontou para a bunda do soberano que desfilava pomposo e gritou aquilo que todos viam, mas temiam dizer – “o rei está nu!”-, sabe-se que certos ditos afamados têm a coragem como ingrediente principal. Aristóteles já tinha alertado aos quatro cantos que “a coragem é a primeira das qualidades humanas porque é a virtude que garante todas as outras”.
Às vezes, basta uma pequena frase para sustentar uma verdade irrefutável em meio a um turbilhão de mentiras. O astrônomo, físico e engenheiro Galileu Galilei era perseguido pela inquisição por causa das pesquisas na área da astronomia. Suas constatações inovadoras incomodaram tanto os sábios oficiais e juristas da época que acabaram levando-o a um tribunal.
No banco dos réus, Galileu foi obrigado a renegar completamente o preceito de que o Sol fica parado no centro do universo e a Terra se move. E também “proibido de sustentar, ensinar ou defender tal ideia de qualquer maneira, seja oralmente ou por escrito”. Sem escolha e sob risco de ir pra fogueira, Galileu concordou e repetiu o que os togados arrogantes exigiam. Porém, ao sair, disse baixinho a célebre frase: “Eppur si muove”, significando “mesmo assim, se move”, referindo-se aos movimentos de rotação e translação da Terra em tomo do Sol. Bravo! bravíssimo!
Séculos depois, o francês Voltaire, mestre das críticas ferinas e bem-humoradas, teve a coragem de colocar a liberdade acima dos antagonismos, coisa rara hoje em dia. E mandou ver sua notável sentença, frequente em discursos, debates políticos e aulas de direito: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las”.
O conceito de democracia já inspirou estadistas, filósofos e pensadores que tentavam defini-la, defendê-la ou questioná-la em poucas palavras. “A democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela”, disse Churchill. Porém, cuidado: substantivos como “democracia” ou “fascismo” também podem ser usados para iludir. Depois da Segunda Guerra, os comunistas se apossaram do Leste Europeu, incluindo metade da Alemanha, que recebeu o nome de República Democrática Alemã. Tão “democrática”, que a economia era totalmente controlada pelo Estado; os cidadãos não tinham direito a voto ou passaporte; as liberdades de expressão e de ir e vir eram negadas e punidas com prisão, tortura e execução a cargo da Stasi, a truculenta polícia política. Todos viviam subjugados, caladinhos e morrendo de medo nessa “democracia”. E – pasmem! – o Muro de Berlim era chamado pelo regime comunista de “Antifaschistischer Schutzwall”- “Muro de Proteção Antifascista”, traduzido do alemão.
“Quando a liberdade de expressão nos é tirada, logo poderemos ser levados, como ovelhas silenciosas, para o abate”, lembrou George Washington. Já um gaiato menos ilustre soltou esta: “Existe liberdade de expressão, mas nem sempre é garantida a liberdade após a expressão”. Pois é: ao longo da história, aprendemos que a censura quase nunca é usada para impedir a proliferação de mentiras. Pelo contrário: ela gosta mesmo é de sufocar verdades.
Elon Musk – aquele cara que até faz foguete pousar de ré – reforçou que “a liberdade de expressão só é relevante quando pessoas que você não gosta dizem coisas que você não gosta”.
Musk está em pauta fazendo denúncias corajosas e incômodas sobre a liberdade de expressão no país. O ministro Barroso respondeu que “qualquer empresa que opere no Brasil está sujeita à Constituição”. Pergunta: o mesmo critério se aplica às decisões da Justiça, ministro? Está valendo o artigo 220 do 2° parágrafo da Constituição: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”?
FERNANDO FABBRINI