FACE VISÍVEL DO CÂNCER
Pacientes encaram aplausos e riscos de expor cotidiano com a doença nas redes

A história do câncer saiu das consultas e da privacidade dos lares. Nas redes sociais, pacientes em tratamento falam sobre suas experiências com a doença, comentam seu dia a dia e compartilham informações sobre o tratamento. A doença é verbalizada e há histórias que arrastam milhares de seguidores e apoios. A conta no Instagram de Elena Huelva, uma jovem de 20 anos que contava sua vida como sarcoma de Ewing (tumor raro que atinge os ossos), alcançou 1 milhão de seguidores, e sua morte, em 3 de janeiro, transformou seu lema (“Meu desejo vence”) em um dos temas mais comentados no Twitter.
Ela também acredita que essa exposição tem riscos, como o de sentir a obrigação de contar algo por pressão:
“Isso não é Netflix, um episódio toda semana. Essa pessoa tem que poder decidir o que fala, quando fala e se deve deixar de falar.
Vozes sobre o câncer têm se feito ouvir nos últimos tempos. Além dos casos de famosos que anunciaram seus diagnósticos, há também revelações como a de Angelina Jolie, que se submeteu a uma dupla mastectomia como medida preventiva. Isso ajudou a “tornar visível uma realidade”, afirma Sonia Pernas, oncologista do Instituto Catalão de Oncologia (ICO). Coma ascensão das redes sociais, pacientes anônimos usaram a visibilidade para contar a vida com a doença.
Paco Gil, responsável pelo setor de psico-oncologia do ICO, garante que a utilização das redes sociais é “um recurso que as pessoas apreciam”:
“As pessoas se sentem validadas. Mas é importante que haja verdade, que também não se gere ilusões.
INDIVIDUALIDADE
Não existem dois doentes iguais e a forma como lidar com a doença é diversa, insistem os especialistas: para alguns, pode fazer bem contar sua rotina de tratamento. Para outros, o contrário.
“Quem faz, desabafa, sente a companhia dos outros. Mas quem está mais exposto não é necessariamente aquele que está lidando melhor com aquilo”, pondera Tania Estapé, presidente da Associação Espanhola de Psico-Oncologia.
O sentimento de luta e positividade, apontam os especialistas, “pode ser bom” para muitos pacientes. Mas Estapé alerta que há também “a armadilha do pensamento positivo”, que frustra quem não alcança a mesma atitude otimista.
Outra questão delicada, segundo os especialistas consultados, é o impacto que a morte de um paciente deixa nos seguidores.
Estapé admite que, após a morte de um paciente que contou a vida nas redes, vê-se “uma cascata de pacientes deprimidos ou assustados”. Saber que alguém famoso morreu pode ser “um gatilho para o medo de uma recaída”. Pernas defende, de qualquer forma, a responsabilidade ao compartilhar conteúdo sobre câncer nas redes sociais. Ela lembra que todas as informações divulgadas devem ser verídicas e embasadas cientificamente.
“Tome cuidado onde você obtém suas informações para não criar falsas expectativas —adverte.
Assim como aconteceu com Hilda, o outro risco dessa exposição é o assédio que os pacientes podem sofrer. Ou suas famílias. No caso dela, a filha denunciou “falta de respeito” e cobranças de seguidores que exigiam atualizações. Cervelló pesou esses fatores antes de se expor:
“O risco é você não ter o controle e acabarem te obrigando a fazer ou falar algo que você não quer. Não preciso gerar conteúdo.
As redes sociais de Hilda Silvério, com câncer de mama desde 2014, reúnem mais de 300 mil seguidores, embora sua família tenha visto a face mais amarga das redes recentemente e tenha denunciado casos de ameaças e assédio. Especialistas destacam o benefício de tornar a doença visível. Mas também alertam para os riscos de revelar o câncer nas redes: o paciente pode perder o controle de sua exposição pública e outros doentes podem ficar frustrados com a história.
Sara Cervelló não é de contar a vida nas redes sociais. Quando posta, é para compartilhar pesquisas sobre o câncer e divulgar sua participação em mesas redondas com especialistas. Ela tem 40 anos e aos 37 foi diagnosticada com um tumor de mama com metástases ósseas.
“Cada paciente lida com a doença como sabe, como pode ou como quer. Uso as redes para divulgar pesquisas, mas não preciso expor meu dia a dia”, explica.
Ela também segue algumas contas de pacientes.
“Eu sigo algumas, mas não ativamente porque não quero abrir o Instagram e ver pacientes contando seu dia a dia com câncer porque eu já tenho o meu”, admite. Porém, Sara destaca o lado positivo que a história de outros pacientes traz: tornar visível uma realidade que ela compartilha:
“Quando vejo relatos assim, sinto que não estou sozinha. É importante mostrar o lado humano, que não somos apenas um número.
Você precisa fazer login para comentar.