CROCÂNCIA MILAGROSA
Air Fryers ganham as cozinhas e as redes sociais em perfis que servem memes e receitas inusitadas, de churrasco a pudim

Rafael Brandão lembra-se bem de quando testemunhou um milagre, cinco anos atrás. Naquele dia, o empresário e a mulher, a hoteleira Náhiman Souza, sequer sabiam onde ficavam os pacotes de batatas congeladas no supermercado. “Não fazíamos fritura em casa”, conta o curitibano, sobre o primeiro produto preparado na “fritadeira sem óleo” arrematada por R$ 100 no bota-fora de um amigo. “Ficamos impressionados e viramos os novos convertidos na religião da air fryer.”
Vieram, então, os salgadinhos de grão-de-bico, os petiscos de macarrão temperados com lemon pepper e o início da pregação. Em pouco tempo, Rafael converteu a mãe e a sogra para a seita e hoje prega a palavra de um dos eletrodomésticos mais desejados do Brasil para mais de 7 mil fiéis pelo perfil @TestemunhaAF, no Twitter. O primeiro versículo? “Pré-aqueça a sua air fryer”.
O maior pecado? “Usar e não lavar.” O milagre mais impressionante? “Fizemos um petit gateau delicioso.”
Projetada em 2005 por um holandês, a máquina caiu no gosto dos brasileiros desde que aportou por aqui em 2011. Virou vedete nas redes, em perfis que ensinam receitas e truques. Basta jogar o nome do eletrodoméstico na busca do Instagram para que os algoritmos comecem a servir um banquete de preparações inusitadas — de churrasco a pudim.
Você também vai encontrar memes, versões em brinquedo e fotos de pessoas como a carioca Elaine Santos que, de tão devota, tatuou uma imagem do produto no antebraço. “Amo fazer pão de queijo e carne temperada sem correr o risco de queimá-los, já que ela desliga sozinha”, diz a moça, que reivindica o lugar de pioneira na tatuagem de air fryer. “Depois que viralizou, apareceram outras.”
Mas essa máquina promissora nem sempre foi acessível. Trazido ao país pela Philips Walita, o eletrodoméstico era vendido pela TV e deixava o público incrédulo com coxinhas e bolinhos suculentos feitos sem imersão no óleo. Para sentir a crocrância daquelas receitas, porém, era preciso desembolsar cerca de R$ 2 mil. Foi só alguns anos depois que outros fabricantes criaram modelos similares e mais gente passou a comprá-lo.
A Shopee, por exemplo, registrou um aumento de 342% nas buscas pelo item em janeiro deste ano, se comparado ao mesmo período de 2022. Pesquisas mencionadas pela Philips Walita indicam que os brasileiros compram 7 milhões de unidades do aparelho por ano.
Mas, afinal, o que a air fryer tem? Professora e pesquisadora de publicidade e consumo da Universidade Federal do Espírito Santo, Lívia Souza afirma que três elementos ajudam a resolvera equação. O primeiro deles é o fator saúde, que faz da promessa de uma fritura sem óleo naturalmente atraente. Em seguida, vieram a pandemia e a legião de cozinheiros de primeira viagem, fazendo com que produtos facilitadores ganhassem ainda mais atenção.
Por fim, há os likes: “A air fryer permite a preparação de pratos que saem bem na foto, com aparência crocante”.
O chef Pepo Figueiredo, do Clan BBQ, reconhece que, embora o utensílio seja bastante semelhante ao forno, tem vantagens por conta da convecção (ventilação do ar quente em seu interior). “Os principais usos, na minha opinião, são para a caramelização de alguns legumes e, às vezes, carne, principalmente, a suína”, lista, sem considerá-lo, ainda assim, indispensável na cozinha.
Elaine, enquanto isso, segue convicta dos milagres. Ela só lamenta que, mesmo com uma propaganda ambulante sobre a pele, nenhuma marca tenha lhe presenteado com um modelo mais poderoso do que o seu, simplesinho, pago em suadas prestações. “Tem umas gigantes que são o meu sonho de consumo. Faria tantas coisas ali”, planeja. Neste quesito, as marcas não estão para a brincadeira.
A Philips Walita tem uma linha capaz de se conectar à Alexa, o dispositivo de inteligência artificial da Amazon, e pode ser acionada remotamente. Se você está se perguntando qual a utilidade prática disso, o gerente de marketing da marca, Caleb Bordi, afirma que utiliza o recurso com frequência. “Ao sair de casa, deixo uma marmita congelada dentro da air fryer e, no caminho de volta, abro o aplicativo para ligá-la. Caso pegue um trânsito, é só acionar a função ‘manter aquecido’. Quando chego, a comida está pronta.”
Para quem esperava carros voadores para 2023, ainda não foi dessa vez.
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