USO DE TELAS PODE SER A RAZÃO DO AUMENTO DE CASOS DE MIOPIA
O problema está na forma e frequência, já que em muitos casos os equipamentos são usados por longos períodos e bem perto dos olhos

Em uma pessoa com a visão normal, os raios de luz passam pela córnea, atravessam a retina e se juntam para formar a imagem no fundo do olho. No entanto, naqueles que convivem com a miopia, a imagem é formada antes de a luz atingir a retina. É como se elas tivessem um globo ocular mais “longo”. E isso causa uma dificuldade maior para enxergar com nitidez aquilo que está distante dos olhos.
A condição é cada vez mais recorrente entre os jovens. De 2019 a 2022, foi registrado um aumento de 134% nos casos de miopia entre crianças e adolescentes de até 19 anos em São Paulo, de acordo com dados da Secretaria Municipal da Saúde. Em nível nacional, levantamento do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) confirma essa tendência: sete em cada dez oftalmologistas relatam alta de miopia entre esse público. Segundo especialistas, a pandemia de covid-19 é o principal motivo do crescimento.
LUZ
O uso de telas é outro agravante. Ainda que seja comum acreditar que a luz emitida pelas telas cause a miopia, esse não é o motivo. “Não existe comprovação que a luz emitida por celulares ou computadores cause danos aos olhos”, afirma a oftalmologista.
De acordo com ela, o efeito desse tipo de luz está relacionado ao ritmo circadiano, que é o ciclo de funções biológicas dos seres humanos no período de 24 horas. A exposição às telas em determinados momentos, como antes de dormir, pode atrapalhar a sincronização do organismo ao ciclo e prejudicar o sono. Dessa forma, a relação entre as telas e a miopia não está no uso em si, mas na forma e frequência em que é feito.
Em geral, tablets, computadores e celulares são utilizados por longos períodos e bem próximos aos olhos. E esse é o problema. “Quando olhamos para perto, estimulamos um movimento do olho chamado acomodação”, explica. A função desse movimento é preparar os olhos para enxergar com nitidez aquilo que está próximo. “Porém, se você estimula muito essa acomodação, há maiores possibilidades de miopia.”
SINAIS
Na pandemia, quando a sala de aula e as conversas com os amigos migraram para o ambiente digital, não teve como João Miguel, de 7 anos, fugir das telas. “Ele assistia às aulas pelo celular e computador e, como as telas estavam próximas, não tinha dificuldade para enxergar”, conta sua mãe, Dayane Santos. A confirmação para miopia foi por acaso. “Um dia, brincando na piscina, ele bateu o olho e machucou. Foi só aí que eu o levei ao oftalmologista”, diz Dayane. Na consulta, ela descobriu que o filho estava com 4,5 graus de miopia.
Ainda que não tenha sido o caso de João, existem fatores que podem indicar a presença da miopia entre os pequenos. “Crianças míopes costumam ser mais inquietas e com dificuldade para desenvolver algumas atividades escolares”, indica Leôncio Queiroz, médico oftalmologista do Instituto Penido Burnier, em Campinas. “Elas podem entortar a pescoço na tentativa de enxergar melhor, se aproximam da televisão ou se queixam de dores de cabeça”, completa.
De qualquer forma, com indícios ou não, a recomendação é que toda criança faça visitas periódicas ao oftalmologista. As diretrizes da SBOP indicam que, entre 6 e 12 meses, já podem ser realizados os exames oftalmológicos de rotina e, depois, entre 3 e 5 anos. “Até porque, por não ter referências, a criança não sabe dizer que não está enxergando bem ou que vê embaçado”, pondera Queiroz. Realizando o exame, é possível identificar a presença da condição.
Fatores hereditários também podem ser sinal de alerta, como foi para Aline de Melo, de 40 anos, mãe de Luiz, de 14. “Aos 6 anos, o Luiz começou a reclamar de dor de cabeça. E como eu e todos os avós maternos e paternos dele usamos óculos, achei que era uma boa idade para levá-lo ao oftalmologista”, diz. “Ele se adaptou bem aos óculos, que é a última coisa que ele tira antes de dormir e a primeira coisa que coloca ao acordar. Ele é muito disciplinado.”
TRATAMENTO
Seja aos 7 anos, como João, ou aos 14, como Luiz, o objetivo do tratamento da miopia é estabilizar o grau. Por isso, o primeiro passo é realizar exames com o oftalmologista, que vão identificar o grau da criança. Após 6 meses, se houver a progressão do grau, o tratamento é iniciado. Uma das opções de controle mais utilizadas são as lentes, que têm a função de corrigir a visão e retardar a progressão.
“O sucesso do tratamento não é a redução do grau, mas é ele não aumentar. Em geral, eles reduzem em quase 70% a progressão”, diz. Luiz, no entanto, iniciou com grau menor, mas teve progressão ao longo do tratamento. “Ele começou a usar óculos para corrigir 0,5 grau de miopia. As dores de cabeça pararam e ele passou a enxergar bem”, conta Aline. Mas hoje o jovem já está com 6 graus. “A expectativa é de que, completando 18 anos e estabilizando a miopia, ele possa operar.”
No caso da cirurgia, o objetivo é mudar a curvatura da parte anterior do olho, chamada de córnea, para que as imagens sejam formadas com mais precisão. “Após a cirurgia, as pessoas passam a não precisar mais de óculos, mas ela só é indicada para maiores de 18 anos, com grau estável e que não seja muito alto”, explica a oftalmologista Júlia.
No caso de João, por ser diagnosticado com um grau bastante alto, foi necessário fazer o uso das lentes de contato específicas para miopia. A adaptação foi difícil no começo. “Ele se sentia incomodado quando a gente ia colocar a lente, mas agora já se adaptou, mesmo sendo eu quem coloca, porque ele não sabe colocar sozinho”, afirma Dayane.
Há, ainda, outra linha de tratamento, que é o uso de colírios que agem em diferentes partes do olho. “O mecanismo exato pelo qual o colírio reduz a progressão da miopia não é esclarecido, mas sabemos que algumas ações do medicamento ajudam na estabilização”, explica Júlia. Essas ações incluem a redução da acomodação – aquele movimento do olho ao focar em objetos próximos – e estímulo à liberação de dopamina.
Para Júlia Rossetto, oftalmologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP), dois comportamentos das crianças na pandemia explicam o aumento: mais tempo em frente às telas e menos tempo fora de casa. “A luz solar, em contato com a retina, estimula a produção de hormônios, como a dopamina, que inibe o crescimento ocular”, diz. Dessa forma, além de reduzir as possibilidades de miopia, atividades em ambientes externos também podem diminuir a progressão de grau daqueles que já possuem a condição.

RECOMENDAÇÕES PARA USO DE CELULARES POR IDADE
Confira as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) para o uso de telas entre crianças e adolescentes, para reduzir as probabilidades de problemas de visão e melhorar a qualidade do sono.
MENORES DE 2 ANOS
Não é indicado o uso de telas, mas chamadas de vídeo estão liberadas.
DE 2 A 5 ANOS
O ideal é não ultrapassar 1h diária de uso, e sempre com um adulto por perto.
DE 6 A 10 ANOS
No máximo 2h por dia, também com supervisão.
A PARTIR DOS 10 ANOS
O limite é de 3h por dia, evitando a utilização à noite, que pode atrapalhar o sono e torná-lo mais agitado.
TODAS AS IDADES
Prefira as maiores telas, com maiores distância. Se for usar tablet ou celular, manter a distância de um braço adulto do aparelho ao rosto. Não usar durante as refeições e 2h antes de dormir.
Gratias
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