JOVENS ‘DESENTERRAM’ A CYBERSHOT E SENTEM GOSTO DA ERA ORKUT
Câmeras digitais voltam a circular, impulsionadas pelas redes sociais e pela curiosidade da Geração Z a respeito das limitações da tecnologia de imagem

A volta do emo, das calças de cintura baixa e de Paris Hilton atestam que a cultura e a estética dos anos 2000 passam por um momento de redescoberta pela Geração Z (os nascidos no “novo milênio”). Agora, mais um item do período em que o Orkut era rei começa a fazer sucesso entre essas pessoas: a Cybershot.
É pelo nome da câmera digital que a Sony comercializou nos anos 2000 que os jovens atualmente se referem a qualquer dispositivo do tipo – mesmo que sejam de outras marcas, como Canon e Kodak.
Segundo dados do Google Trends, ferramenta que mede o interesse por assuntos pesquisados no buscador, a procura pelo assunto começou a ganhar força em outubro do ano passado, quando o termo “powershot”, correspondente a um modelo da marca Canon, teve um pico. Em novembro, houve um novo pico, desta vez para a busca por “câmera digital”. Neste mês de janeiro, foi a vez do termo “cybershot” disparar em interesse.
“Fui em festas em que as pessoas estavam utilizando essas máquinas e achei muito legal. Achei interessante a forma como as fotos ficam, com um ar vintage. Mas a aparência é de anos 2010 e não anos 1990”, conta Lucas Manoel, de 24 anos. Com a sua primeira Cybershot, ele sente que tem uma máquina do tempo para um passado que quase não viveu.
NOVIDADE
Para quem está experimentando pela primeira vez, a novidade ganha ares de descoberta arqueológica. “A câmera digital traz uma sensação de usar algo antigo que ainda funciona e não é parte de um celular. Tem um charme próprio e é mais interessante do que fazer algo que já estamos acostumados”, diz Luiza Dill Silveira, de 21 anos.
O regresso das câmeras digitais tem um objetivo diferente de quando surgiram, na metade dos anos 90. Na época, o aparelho revolucionou a fotografia amadora, dominada por câmeras com rolos de filme. Com a máquina digital, foi possível tirar fotos, visualizar, apagar os cliques indesejados e seguir fotografando.
Agora, parece existir a busca por um tipo de estética nas imagens. Apps para smartphones Huji Cam, Dazz Cam e VSCO tentam simular os efeitos e limitações desses equipamentos, mas não são suficientes. “A gente percebe (nas redes sociais) quem utilizou filtro e quem tirou com a câmera”, diz Manoel.
No fim, a busca não é por aquilo que a Cybershot oferece, mas por aquilo que não oferece. Eduardo Pellanda, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), explica que um dos aspectos que mais contribui para a estética vintage das fotos não são as lentes, mas, sim, a simplicidade do software.
“O software dos smartphones tem conseguido juntar processadores cada vez mais rápidos com a inteligência de entender a imagem. É possível tirar muitas fotos quase simultâneas com exposições diferentes e juntar essas imagens em várias composições. Hoje, a mágica está muito mais software no hardware”, diz Pellanda.
‘TREND’
É impossível também desvincular o uso das câmeras das redes sociais. A tendência não apenas surgiu em plataformas como Twitter e TikTok, mas também se alimenta delas. A hashtag “digitalcamera”, na plataforma de vídeos curtos, já atraiu mais de 211 milhões de visualizações. Já a versão “cameradigital” ultrapassou os 3,9 milhões de views.
Artur Bier, de 17 anos, conta que os cliques feitos por ele fazem sucesso nas redes – a “Cybershot” foi comprada no final do ano passado. “Meus amigos gostaram bastante quando apareci com ela, inclusive conheço mais três que possuem modelos semelhantes”, diz.
Já Manoel percebeu que as imagens feitas com a câmera geraram interação no TikTok. Um dos vídeos, que mostra o modelo de máquina que ganhou da tia no ano passado, já ultrapassou 20,5 mil curtidas e 131 mil visualizações. “Meu vídeo no Tiktok virou um comércio de máquina digital. A galera nos comentários ficou perguntando: ‘Alguém vende?’, ‘Como que eu uso?’”, diz.

EMPOLGAÇÃO COM CÂMERAS DIGITAIS IMPULSIONA AS VENDAS
Enquanto as redes começam a ser inundadas com fotografias “vintage”, canais de vendas de câmeras digitais usadas come- moram o aumento na procura por esses dispositivos. Uma dessas lojas, a Annalogica, tem um perfil no Instagram especializado em máquinas antigas – desde Polaroids às famosas Cybershot – e diz que as vendas cresceram cerca de 80% desde o ano passado.
“Antes a procura era zero, as pessoas tinham até um certo preconceito com a câmera digital. Achavam cafona”, explica Giovanna. “Depois do meio do ano passado, a venda aumentou muito. Quem gosta do efeito e da granulação da analógica não troca, mas as pessoas procuram as digitais por serem mais ‘fáceis’, não precisarem nem de filme e nem de revelação, com a vantagem de um efeito retrô similar.”
A lojinha fundada em 2020, gerida por Anna Avino e Giovanna Avino, fica em Praia Grande (SP), mas é na rede social que faz a maior parte dos negócios – o nome, inclusive, surgiu dos apelidos das duas esposas (Anna e Gica). Agora, as câmeras digitais amadoras já representam metade das vendas mensais da dupla.
A OLX e o Mercado Livre são dois dos canais preferidos por quem procura um aparelho do tipo. Nos sites, anúncios de câmeras vão de R$ 50 a R$ 400, em diversos estados de conservação. A Shopee afirma que registrou aumento de 165% nas buscas por câmeras digitais no período de outubro de 2022 a janeiro de 2023.
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