MANUAL CONTRA O ABUSO NAS REDES
Americana Nina Jankowicz parte dos ataques virtuais que sofreu para lançar ‘lugar de mulher é on-line e onde mais ela quiser’

Ser uma mulher on-line é um ato, em si, perigoso, acredita a americana Nina Jankowicz. Como muitas mulheres em posição de destaque, a escritora e pesquisadora viveu essa ameaça de forma extrema. Diretora executiva do extinto Conselho de Governança de Desinformação, criado pelo presidente Joe Biden, sofreu uma série de ataques virtuais. Em sua maioria homens, os assediadores criticaram seu corpo, disseram que ela tinha aparência de transexual, fizeram memes insinuando que havia feito sexo para conseguir seu cargo e a importunaram com ofensas diárias.
No livro “Lugar de mulher é on-line e onde mais ela quiser, editado no Brasil pela Vestígio com prefácio da jornalista Patrícia Campos Mello, ela oferece um manual para lidar com abuso nas redes sociais (e fora delas, quando eles extrapolam o ambiente on-line). Embora use como base a sua própria experiência e também a de outras figuras públicas (como a da vice-presidente dos EUA Kamala Harris), a obra é destinada a qualquer mulher que use a internet como meio de expressão pessoal e profissional.
“Muita gente não entende que as consequências vão além do virtual. Não basta apenas bloquear a pessoa que está lhe ameaçando”, diz Jankowicz. “Eu mesma bloqueei milhares de contas, mas no fim você sabe que pessoas malucas têm seu endereço e sempre teme que alguém possa aparecer na sua porta. É algo que vai te afetar no seu dia a dia e você não consegue mais fazer as coisas normalmente, nem mesmo em público. Você teme levar seu cachorro para passear, ou teme que alguém a reconheça quando chamam seu nome no aeroporto”.
IGNORAR OU REAGIR?
Jankowicz entrevistou mulheres que se viram obrigadas a abandonar as redes após ameaças. Muitas acabaram voltando após perceberem que aquele era um espaço em que elas precisavam divulgar seu trabalho. Como o objetivo dos ataques é justamente intimidar e silenciar, fica o dilema: ignorar ou reagir? A autora dá uma série de dicas para fazer sua voz ser ouvida sem tanto perigo (leia abaixo).
Mas não foram só anônimos on-line que perturbaram Jankowicz. Após assumir a sua posição no governo, foi atacada sistematicamente por senadores do Partido Republicano. Ela não tem dúvidas de que o atual ecossistema da internet normalizou esse tipo de comportamento na política.
“Esse tipo de ataque não é inteiramente novo, mas chegou a um nível em que indivíduos como Donald Trump, Jair Bolsonaro e os congressistas que me alvejaram não parecem ter nenhum problema moral em colocar pessoas em perigo”, diz a autora. “Porque não é só xingar, é encorajar ações violentas de outros indivíduos contra você. Os políticos sabem hoje que, quanto mais raivosos eles tornarem seus seguidores, maior a chance desses seguidores lhes continuarem seguindo. A violência os beneficia politicamente.

COMO DAR TROCO NOS HATERS
NÃO ALIMENTE OS TROLLS
Ao denunciar ofensas e provocações a elas na internet, as mulheres costumam receber um conselho: “Apenas ignore. “Ou então ouvem que precisam ser superiores e terem até empatia por seus haters. Segundo Jankowicz, ignorar os trolls pode ser urna alternativa válida, claro. Mas há casos que também é saudável “fazer a sua voz ser ouvida”, aponta ela. Uma coisa, no entanto, é certa: o problema só pode ser tratado, não resolvido.
NEGUE NOTORIEDADE
Há diversas possibilidades de denunciar o mau comportamento de uma conta sem dar muita visibilidade a ela. Se a conta tem muitos seguidores, é melhor fazer uma captura do comentário em questão e compartilhar sem se envolver diretamente com ela. Ridicularizar os seus abusadores depois deixá-los falando sozinhos também costuma ser uma alternativa de autopreservação.
ADOTE O BLOQUEATIVISMO
A maioria dos trolls merece apenas ser silenciados ou bloqueados. Como o objetivo deles é atenção, apenas se beneficiam de seu engajamento. Jankowicz conversou com mulheres que só conseguiram usar suas redes de forma minimamente saudável após bloquear dezenas de milhares de perfis que tentavam interagir com ela.
RECONHEÇA OS FAKES
Analise com atenção as contas que solicitam sua amizade em contas fechadas. Algumas delas podem estar tentando adiciona-la para colher suas informações pessoais. Perfis criados recentemente, sem foto de perfil, e com os quais você não possui amigos em comum têm maiores chances de serem falsos. Use seu instinto: se uma conta parece estranha, não adicione.
CUIDADO COM O QUE COMPARTILHA
A violência virtual pode se tornar real e ferramentas como as dos serviços de localização facilitaram a vida dos assediadores. Por isso, cuidado com os detalhes que compartilha on-line – muitas vezes sem perceber. Uma simples foto das árvores da sua vizinhança pode servir de pista para que abusadores encontrem sua residência na internet.
EVITE O TEMPO REAL
Não é seguro compartilhar fotos ou informações que mostrem sua atual localização de forma pública. Se você está em um parque de diversão, por exemplo, é melhor esperar algumas horas depois de ir embora antes de postar nas suas redes sociais. Uma solução é abusar do recurso falso “amigos próximos” do Instagram, compartilhando suas imagens em tempo real de forma controlada, apenas com seus amigos de verdade.
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