MULHERES VENDEM SEXO PARA PAGAR AS CONTAS
Com aumento cada vez maior do custo de vida no reino Unido, muitas assumem riscos maiores e cobram menos

Tiffany alisou seus cabelos, se olhando no espelho do banheiro, e tirou a aliança de casamento do dedo, sentindo um frio tenso na barriga.
A antiga funcionária pública entrou no carro dirigido por seu marido, que a deixou perto de um hotel confortável em Cardiff. Ela entrou no bar do hotel, tentando identificar o homem com quem vinha trocando mensagens, em meio ao zumbido das conversas e à música de piano. Quando ela o avistou, ele também parecia nervoso.
Tiffany deixou o hotel algumas horas mais tarde, se sentindo aliviada. “Sinto orgulho por poder ajeitar nossa situação e manter um teto sobre nossas cabeças”, diz. “Estou fazendo isso por minha família, minha casa e meu marido.”
Tiffany é parte de uma onda de mulheres que, impulsionadas em parte pelo panorama econômico sombrio do Reino Unido, decidiram neste ano começar no, ou retornar ao, trabalho sexual, uma constatação extraída de entrevistas do Financial Times com 23 profissionais do sexo e com 14 organizações assistenciais e de defesa das mulheres em cidades como Manchester, Sheffield, Liverpool, Leicester, Wolverhampton e Londres.
Há muitas razões para que as pessoas comecem a vender sexo, e elas variam do desejo de garantir a independência financeira à exploração por quadrilhas de criminosos. Mas há também uma explicação mais direta: com a inflação chegando aos 11% anuais, o Reino Unido parece estar entrando em uma recessão prolongada, o que cimenta uma crise de custo de vida que está levando as famílias a se prepararem para severas dificuldades.
Em um momento em que mais mulheres parecem estar vendendo sexo, a situação econômica do país também está reduzindo a demanda, o que cria um ambiente mais perigoso para aquelas que trabalham no setor, já que elas precisam correr mais riscos para conseguir pagar as contas. É algo que afeta tanto as mulheres que trabalham em domicílio ou em hotéis, muitas vezes atendendo a clientes mais ricos, quanto aquela que recorrem à prostituição de rua.
O aumento no número de mulheres que recorrem ao trabalho sexual vem tornando mais urgente o debate político sobre a maneira pela qual esse tipo de atividade é policiado no Reino Unido.
Ativistas dizem que é mais importante do que nunca rever as leis que regem o setor, embora haja uma divisão entre aqueles que querem descriminalizar completamente da atividade e aqueles que querem proibir o sexo pago. Todos argumentam que o trabalho sexual é uma parte da sociedade que não pode ser silenciosamente ignorada: o Serviço Nacional de Estatísticas (ONS) do Reino Unido estima que ele tenha contribuído com £ 4,7 bilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2021, e 1 em cada 10 homens no Reino Unido diz já ter pago por sexo.
Tiffany começou a fazer trabalhos sexuais ocasionais seis anos atrás, para pagar uma fatura de cartão de crédito. Quando ela foi demitida do serviço público, mais tarde, sobreviveu com os ganhos de seu marido até que os lockdowns da pandemia resultaram no fechamento da oficina dele.
Uma grave deterioração na saúde mental de seu marido, neste ano, significa que ele não tem mais condições de trabalhar. Tiffany, que está na casa dos 30 anos, precisa cuidar do marido em tempo integral.
O aumento nas contas de energia e no custo dos alimentos, combinado a pagamentos de dívidas, é mais alto que os benefícios combinados que o casal recebe, ela diz. E, com as taxas de juros em alta, Tiffany está ansiosa para concluir o mais rápido possível o pagamento da hipoteca do casal.
Em setembro, Tiffany sentiu que o trabalho sexual era a única maneira de obter renda suficiente para cobrir seus gastos e ao mesmo tempo manter a flexibilidade necessária para cumprir suas responsabilidades como cuidadora.
Ela ganha cerca de £ 1.000 por semana, uma renda que ela diz declarar à Receita britânica, o que significa que os pagamentos de assistência ao casal devem parar em breve. O trabalho sexual não é “o trabalho dos sonhos de ninguém”, ela afirma, acrescentando: “Estou feliz por poder fazer isso para nos apoiar financeiramente, mas depois vou parar”.
Das 23 profissionais do sexo entrevistadas, 5 dizem que voltaram ao setor em 2022, depois de anos afastadas dele, e que o aumento do custo de vida determinou ou pelo menos influenciou sua decisão. É amplamente aceito que a maioria dos trabalhadores do sexo são mulheres, embora o trabalho sexual masculino tenha aumentado nos últimos anos, com o crescimento da venda casual de serviços em plataformas como o Grindr e o Instagram.
Uma análise pelo Financial Times dos perfis de todos os 21 mil acompanhantes registrados no site Adultwork.com no Reino Unido sugere que neste ano o número de adesões foi três vezes mais alto que o de 2019. Não está claro se isso reflete uma transição dos trabalhadores do sexo existentes para a publicidade online ou um aumento em seu número geral, que em 2015 foi estimado em cerca de 73 mil.
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