SELFIES DE RISCO
Cliques estão por trás de metade dos acidentes em locais perigosos

Animado com uma nova oportunidade profissional recém-conquistada, o especialista em gestão de unidade de informação Igor de Oliveira Rodrigues Dias, de 33 anos, resolveu comemorar com uma amiga em um dos seus lugares preferidos no Rio: a Praia da Joatinga. Na hora de ir embora, já no fim da trilha que liga o mar ao mirante, decidiu fazer uma última selfie, aproveitando a vista paradisíaca que conhecia tão bem. A foto não chegou a ser feita. Bastou um instante de distração. Igor perdeu o equilíbrio, caiu do penhasco de uma altura de mais de 20 metros e morreu na hora. O caso, ocorrido no dia 10 de novembro, uma quinta-feira, entrou para a estatística do Corpo de Bombeiros, que registrou, entre janeiro e novembro deste ano, 16 mortes em 180 acidentes relacionados a tentativas de fazer fotografias em costões rochosos, encostas, mirantes e cachoeiras do estado.
HOMENS: MAIORES VÍTIMAS
O número de ocorrências ligadas a selfies representa mais da metade (53,7%) do total de 335 registros feitos pelos bombeiros, até 18 de novembro. O levantamento aponta ainda que 80% das vítimas são homens. Os pontos com maior incidência de casos são a Pedra da Gávea (24), a Pedra do Telégrafo (22) e a Pedra da Tartaruga (10), mas há registros frequentes também na Pedra do Leme, no costão da Urca – que engloba toda a pista Cláudio Coutinho e o contorno do Pão de Açúcar, onde são comuns fotos em situação de pesca, salto das pedras e escaladas – e na Cachoeira do Horto, além da Joatinga. As 16 mortes, segundo os bombeiros, foram registradas na área da Pedra do Roncador e da Pedra do Telégrafo, no costão da Avenida Niemeyer, em Saquarema e em Rio das Ostras. A corporação informou ainda ter optado por não divulgar os locais exatos das ocorrências por questão de segurança.
“A imagem mais bonita que uma mãe pode ter de um filho é acordar de manhã e ver o sorriso dele ao vivo, pertinho. A foto mais incrível, mais curtida do mundo, não vale nada perto disso. Pensem sempre na dor de quem fica, o sofrimento é enorme. Pensem duas, três vezes antes de se arriscar por causa de uma selfie”, aconselha a contadora Luiza Mara de Oliveira Rodrigues, de 60 anos, mãe de Igor Rodrigues, que era filho único.
Em janeiro de 2019, Marcelo Francisco Maciel, de 37 anos, e Jaqueline Amorim de Souza, de 38, desceram o costão que dá acesso à Praia do Secreto, que fica entre a Praia da Macumba e a Prainha, na Zona Oeste do Rio, com o objetivo de fazer uma foto especial. O mar estava agitado, e o casal foi levado por uma onda. O corpo de Marcelo foi encontrado à noite. Simone só foi achada um dia depois. Na época, a filha deles publicou em uma rede social: “Mãezinha, vou sentir falta das suas palhaçadas e dos seus sorrisos, não vou ter mais um colo de mãe pra chorar quando estiver triste. Pai, sei que por um tempo estivemos separados, mas nada interfere no amor de pai e filha, vou sentir saudades de você pegando na minha mão para atravessar a rua. Quero que vocês saibam que eu vou fazer vocês sentirem muito orgulho de mim.”
“As verdadeiras memórias estão dentro da nossa cabeça e não em fotos. Procure sempre locais seguros, o importante é estar atento para não se colocar em risco nunca, não vale a pena”, observa o major Fábio Contreiras, porta-voz do Corpo de Bombeiros.
CAMPANHA DE ALERTA
A recorrência de acidentes relacionados às tentativas de fazer o autorretrato mais impactante fez com que o Corpo de Bombeiros do Rio iniciasse uma campanha de conscientização a respeito. A ação acontece tanto por meio de publicações nas redes sociais da corporação, quanto pela abordagem direta das pessoas nos principais pontos de risco. Como mote “Não arrisque a sua vida por likes”, as publicações mostram vídeos impactantes de pessoas que colocaram a vida em risco por causa de um clique.
No texto, o alerta: “Evite fotos na beira de cachoeiras, em costões em dia de ressaca, em penhascos e em qualquer lugar onde haja risco de acidentes.(…) Sua vida vale mais que uma selfie”. Os bombeiros estão intensificando a abordagem ao ponto de publicar comentários nas redes sociais de pessoas que exibem fotos em locais perigosos. A campanha chama a atenção ainda para o potencial aumento do perigo após o consumo de bebidas alcoólicas.
“Podemos afirmar, sim, que sempre que existe o consumo de bebida alcoólica no mar ou em locais de pedras e costões o risco de acidentes aumenta bastante. Nós sempre sugerimos que não consuma. A bebida reduz o equilíbrio e o reflexo, as pessoas ficam mais vulneráveis. Além disso, também pedimos que não frequentem esses lugares em dia de chuva, quando as pedras estão mais escorregadias, evitem ainda os períodos de mar em ressaca e também durante à noite, quando a visibilidade é bastante reduzida”, reforça o major Contreiras.
O perigo das selfies em locais de aventura é um fenômeno mundial. De acordo com estudo da espanhola Fundação iO – que desenvolve projetos na área de saúde global, especialmente sobre doenças infecciosas e medicina do viajante -, publicado no Journal of Travel Medicine, da Universidade de Oxford, da Inglaterra, o Brasil é o quinto país no ranking de ocorrências do gênero, atrás apenas de Índia, Estados Unidos, Rússia e Paquistão.
O estudo, que compilou e analisou acidentes ocorridos entre 2008 e 2021, mostra que, a cada 13 dias, uma pessoa morre no mundo atrás do clique perfeito. Um outro estudo, do indiano Journal of Family Medicine and Primary Care, apontou que acidentes durante selfies mataram, em todo o planeta, cinco vezes mais que ataques de tubarão, de 2011 a 2017.
‘A DOR É INSUPORTÁVEL’
Para o antropólogo Roberto Da Matta, a busca por reconhecimento e fuga do anonimato está na raiz do comportamento de risco assumido por pessoas que procuram ganhar exposição nas redes.
“A gente vive em uma sociedade que aumenta a sensação de anonimato, a impessoalidade. A exposição na internet é uma chance de quebrar esse estado de coisas. Daí que a necessidade de aparecer para o outro, de ganhar curtidas, de ser notado, passa a ser muito grande. Todo mundo quer ser famoso de alguma forma, quer se destacar da multidão de anônimos e, assim, nem sempre mede os riscos na hora de buscar aquela exposição que eles acreditam que vai possibilitar um destaque mesmo que efêmero”, diz Roberto Da Matta.
Para quem fica, o que resta é lembrar dos bons momentos vividos e buscar conforto nas memórias construídas fora das redes sociais.
“O Igor sempre foi muito livre, sempre gostou de viajar, fazia amigos com uma facilidade impressionante. Tenho recebido muito carinho das pessoas que gostavam dele. Jamais imaginei que uma coisa dessas pudesse acontecer.”
A dor é enorme, insuportável. O que me conforta um pouco é saber que ele viveu intensamente e partiu num lugar lindo, que ele gostava muito”, afirma Luiza Rodrigues.
Você precisa fazer login para comentar.