JOHNSON CRIA PRIMEIRA LINHA PARA OS CABELOS DE CRIANÇAS NEGRAS
Multinacional americana preenche lacuna histórica no país com nova versão do seu tradicional xampu infantil, seguindo movimento de outras marcas

Há mais de 80 anos no Brasil, a Johnson & Johnson virou referência em cosméticos infantis, sobretudo com o xampu para bebês. E logo vem à cabeça aquela publicidade com um bebê branco, de olhos e cabelos claros. Num esforço de atualização para alcançar novos consumidores, a multinacional americana lança agora por aqui seus primeiros produtos voltado para os cabelos crespos de crianças negras. A nova linha “Blackinho Poderoso” é fruto de um trabalho de dois anos em parceria com o Estúdio Nina, uma empresa de pesquisa focada no entendimento do público negro, e com o grupo de afinidade étnico-racial interno da empresa.
“É o resultado de muita escuta e cocriação com consumidores e consultorias especializadas, além de um minucioso processo de pesquisa e desenvolvimento. Ainda existem poucos produtos para cabelos crespos infantis. Também identificamos uma carência de mercado, já que o consumo de cuidado com o cabelo é nove pontos percentuais maior na cesta afro (88,7%) que no total do mercado (80,8%)”, diz Daniella Brissac, vice-presidente de Marketing Brasil e Experiência de Clientes e Consumidores para a América Latina da Johnson & Johnson Consumer Health. Desde um concurso promocional realizado na década de 1960, a expressão “bebê Johnson” virou um adjetivo para definir beleza infantil no Brasil. No entanto, todas as crianças escolhidas para a disputa eram brancas. Acontece que mais da metade da população brasileira é preta ou parda.
‘DESCONSTRUÇÃO’
Depois de algumas interrupções, em 2011 a empresa fez um novo concurso de beleza infantil para a produção de um calendário. Mesmo com concorrentes negros, os escolhidos para estampar os 12 meses seguiram o mesmo padrão anterior. Questionada sobre isso, Daniella reconhece a responsabilidade da marca na construção de estereótipos:
“Não temos dúvidas de que o lançamento de “Blackinho Poderoso” representa avanço muito significativo nessa jornada de desconstrução. Vale ressaltar que pais, mães e cuidadores dessa geração vieram de processos de alisamento e agressões em relação ao cabelo, que é um marcador social importante. Por isso, para tudo o que envolve essa nova linha, o consumidor negro está no centro do processo, desde as pesquisas, desenvolvimento da fórmula, passando pela embalagem, seus personagens e as comunicações e identidades visuais da campanha.
Os concorrentes também estão atentos à demanda. O Boticário colocou à venda recentemente uma linha de perfumaria infantil com produtos licenciados com a marca do filme “Pantera Negra”, em parceria com a Marvel. Entre os itens que trazem a imagem e a estética afrofuturista do herói negro estão creme para pentear e gel, com direito ao pente garfo, acessório que é um símbolo de luta contra o racismo para o movimento negro.
“É muito importante as marcas darem esses passos para que o cenário atual realmente mude, tanto as grandes quanto pequenas empresas. A valorização da diversidade está no centro deste processo e sempre esteve presente em nossas decisões, políticas, estratégias de comunicação e de produtos. Sabemos que esse é um longo caminho e não vamos parar”, afirma Rony Santos, gerente de ESG Diversidade no Grupo Boticário.
A empresa se comprometeu a retirar os termos “normal” e “perfeito” por completo de sua comunicação até 2024, por entender que “são expressões que contribuem para a busca de um padrão inalcançável de beleza”. Em 2020, baniu o termo “clareamento”, discutido por conter um viés racista.
Para Ricardo Silvestre, publicitário e fundador da Black Influence, empresa de gerenciamento e conexão com influenciadores negros, a população negra nunca teve atenção da grande indústria, principalmente a de beleza:
“Era como se de fato nunca tivéssemos existido. Não havia produtos específicos com foco nas pessoas pretas, e menos ainda para crianças pretas. O lançamento de linhas de grandes empresas é uma evolução importante, mas elas chegam atrasadíssimas. Correm atrás do prejuízo porque perderam dinheiro por não se preocupar com esse público específico. Isso não era inteligente do ponto de vista de negócios.
As grandes empresas do setor que começam a se voltar para o segmento afroinfantil encontram um mercado já composto por marcas médias nacionais e produtos artesanais criados especificamente para os cabelos crespos. Um exemplo é o da rede de salões Beleza Natural, que lançou a linha infantil “Turma da Ziquinha” em 2009. Atualmente, a empresa produz 90 mil unidades de xampu, condicionador, creme de pentear e outros produtos próprios para crianças negras. Desde 2015,a Embelezze tem a linha Novex Meus Cachinhos.
MERCADO É O QUE ATRAI
Silvestre diz que ainda há espaço neste mercado. No estudo “Afroconsumo – O protagonismo preto no consumo brasileiro”, produzido pela consultoria Nielsen em 2022, um em cada quatro pretos ou pardos ouvidos diz ser razoavelmente difícil encontrar itens para a comunidade negra. A pesquisa mostra que o ramo da beleza concentra o maior percentual de produtos direcionados, com 62% da preferência dos que responderam.
Para Karine Karam, professora de comportamento do consumidor da ESPM e sócia da Markka Consultoria, o interesse das grandes empresas nesse público aumentou com o movimento de valorização da autoestima negra e da beleza do cabelo natural:
“Ninguém faz por ser bonzinho. É uma questão de mercado e de dinheiro.
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