CADA GOTA CONTA
Humanização e suporte às mães elevam aleitamento de prematuros

Todo dia, por mais de dois meses, a servidora pública Stephanie Molina Diener, de 32 anos, fez 1udo sempre igual. Saia de manhã para o Hospital e Maternidade Santa Joana, na região Centro-Sul de São Paulo ia até a UTI Neonatal, recebia o boletim médico da filha recém-nascida e seguia para o lactário da unidade.
Era ali que tirava o leite que depois seria oferecido por sonda para a prematura Manuella, que veio ao mundo em agosto, após 29 semanas e um dia de gestação, pesando apenas 725 gramas.
“Vida de UTI é de altos e baixos. É duro. Ao longo do dia, ia mais duas vezes. E quando chegava em Casa também tirava leite, congelava e levava para o hospital”, conta Stephanie. “Sempre soube da importância do leite materno, e mesmo com ela prematura não passava pela minha cabeça que ela não teria isso.
Entre 10% e 15% dos bebês nascidos vivos no pais são prematuros – nascem antes das 37 semanas de gestação. Essa condição impõe uma série de desafios, inclusive na amamentação. Em incubadoras, cercados de aparelhos, muitos bebês sequer desenvolveram ainda o reflexo de sucção e deglutição. A lista de dificuldades se soma a falta de apoio e estrutura para as mães que querem amamentar. Nos últimos anos, porém, o investimento em ações de humanização e cuidados com os bebês e as famílias nos hospitais têm levado a altas taxas de aleitamento em UTIs neonatais do pais.
“Desde o dia em que Manuella nasceu, me orientaram sobre o lactário, um espaço organizado, esterilizado, com bombas para extração de leite. Deram um curso, recebi instruções”, lembra Stephanie. “Eu tirava o leite e davam a ela pela sondinha. Fomos ml por ml. Depois, quando ela ganhou peso, passou a mamar no peito. A equipe me ajudou”. Hoje, Manuella está em casa e com quase 3kg.
Os prematuros começam com doses muito pequenas de leite, às vezes 1 ml. Mas são cruciais para manter a microbiota intestinal dos bebês. Os componentes presentes no leite materno ajudam no desenvolvimento cerebral, pulmonar e dos demais órgãos, ainda muito imaturos, e por isso os médicos defendem que os recém-nascidos recebam o leite materno o quanto antes. A viabilidade varia caso a caso.
“Há uma gama muito grande de situações e não dá para generalizar. Mas, desde que o bebê esteja saudável, a boa prática mundial hoje é oferecer o leite o mais precocemente possível, em pequenos volumes”, explica a pediatra e neonatologista Clery Bernardi Gallacci, do Hospital e Maternidade Santa Joana. “Mesmo o bebê em suporte de ventilação mecânica, dentro de uma UTI, se estiver estável, pode receber o leite através de uma sondinha passada pela narina até o estômago”.
A tecnologia desses materiais, ressalta, também avançou:
“Hoje eles são menos agressivos e mais flexíveis”. No Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, de janeiro ao começo de novembro quase 300 bebês nasceram antes de completar 38 semanas de gestação. Junto a técnicas avançadas da Medicina para os prematuros, a aposta no suporte às mães para que conseguissem tirar o leite mesmo sem o estimulo direto do bebê permitiu que elas mantivessem a produção e que o hospital chegasse a uma taxa de amamentação de 98% no momento de alta”
“Nem sempre é um aleitamento exclusivo (há complementação com fórmula infantil), mas a maioria dos bebês sai mamando na mãe, mesmo tendo passado por terapia intensiva com ventiladores, tantas medicações, procedimentos invasivos. E saem mamando porque há estímulo, buscamos que essas mães estejam presentes, amamentando seus bebês”, conta Desirée Volkmer, chefe do Serviço de Neonatologia do Hospital Moinhos de Vento.
REDE DE APOIO
A máxima “cada gota conta” é uma constante nas UTIs neonatais. A designer de projetos Julia Pozzi, de 26 anos, viveu 141 dias de internação com Alice, nascida há cinco meses, com 685 gramas e 25 semanas. Até os três meses, ela tomou leite materno por uma sonda. Julia tirava todos os dias no Hospital Estadual Azevedo Lima, em Niterói, no Rio.
“Ficava no hospital de manhã até a noite para dar a ela todos os horários possíveis de leite. As fonos me ajudavam”, lembra Julia. “Fiz o máximo que podia, e com certeza meu leite ajudou a salvar a vida dela, principalmente em momentos mais críticos, que ela estava frágil e não podia tomar fórmula. Não é fácil alimentar bebê de UTI. Não dá para pegar toda hora, tem a ansiedade, a vivência das dores de outras famílias.”
A pressão extra sobre as mães, em um contexto já delicado, só reforça a necessidade de uma rede de apoio que envolva toda a família”, diz a psicóloga perinatal AIlana Pezzi, do Centro de Medicina Integrativa do Hospital e Maternidade Pro Matre, em São Paulo:
“Existe o provérbio de que é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança. Com a amamentação não é diferente. Mesmo que a mãe seja protagonista dessa cena, ter uma rede de apoio é fundamental para que ela se sinta segura para vivenciar os desafios da maternidade. Amamentação é partilha.”
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