COPA DO MUNDO E LÂMPADA DE ALADIM

Conforme notei, o campeonato mundial de futebol ocorre nas Arábias – a terra das mil e uma noites, dos camelos e desertos, das burcas, do puritanismo islâmico, dos tapetes voadores e da lâmpada de Aladim. Futebol entre árabes era inimaginável para a minha paroquiana geração. Gente que descobriu o futebol nos anos quarenta e – depois de roubá-lo dos branquelos ingleses (chamados de “pernas de pau”) – tornaram-se mestres na arte do pé-na-bola. Curioso que ninguém tenha observado essa contrariedade da teoria clássica da colonização, já que o futebol a inverte, provando como o colonizado pode ser melhor do que o colonizador.
A Copa de 1950 foi a primeira depois da Segunda Guerra Mundial. Foi a Copa que hospedamos e para ela construímos o maior estádio do mundo: o Maracanã. Uma arena futebolística rival do Coliseu, com a capacidade de abrigar 200 mil espectadores! No caso, alucinados “torcedores” pelo selecionado brasileiro que, naquela edição, não jogava bola, mas a devorava e “comia”, carregando a terrível e maravilhosa responsabilidade de nos livrar da inferioridade de “povo mestiço e inferior”, essa praga que a todo momento atribuímos a nós mesmos.
Mas como o futebol (e os esportes em geral) faz parte da vida e, em certos momentos, com ela competem e até mesmo conseguem superá-la, foi justo nessa Copa de 50 que perdemos no último jogo para o Uruguai, deixando de ficar com a taça Jules Rimet que, depois veio a ser definitivamente nossa e em seguida foi devidamente afanada, tornando-se um troféu – como tantos outros – apaixonadamente conquistado e paradoxalmente perdido.
Coisas brasileiras que remetem à Arábia e ao Aladim, cujo gênio aprisionado na lâmpada maravilhosa contraria expectativas e promove milagres — isso que é o traço essencial das disputas e dos jogos, dos concursos, eleições, aplicações financeiras e do esporte. Essa dimensão das contradições dos costumes que consegue reunir com mais consistência e rara objetividade, desejo e vontade numa combinação, cujo ponto culminante é o que ninguém esperava, o súbito sublime ou mortal das loterias e surpresas (esses espíritos do inesperado) que o gênio da lâmpada mágica simboliza ou encarna. E que tem vontade própria, independente do Aladim que, dono apenas da lâmpada, o liberta por acaso.
Nada, pois, melhor do que esse emparelhamento entre a Copa e a lâmpada de Aladim – esse personagem que tão bem representa o nosso desejo e a nossa esperança de vitória – de sermos, mais uma vez, donos da taça gloriosa da vitória e favoritos dos gênios e deuses.
ROBERTO DAMATTA – É antropólogo, escritor e autor de ‘Carnavais, Malandros e Heróis’
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