EM TRÊS FRENTES
Igualdade de gênero é desafio na ciência, na política e no salário

Apesar dos avanços, as mulheres brasileiras ainda estão longe de chegar aonde gostariam. A igualdade de gênero, destacada como prioridade pelo presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva (PT), enfrenta desafios em três frentes importantes: na produção científica, na representatividade política e na busca de igualdade salarial.
As mulheres, embora sejam responsáveis por quase metade das pesquisas no país, aparecem bem menos na liderança acadêmica, em publicações e bolsas concedidas. A presença em cargos públicos está longe da paridade desejada. E os salários perdem para os dos homens, que foram 27,6% maiores no último trimestre deste ano, de acordo com o IBGE.
Na ciência, há uma expectativa de que a criação de um Ministério da Mulher, prometido para o governo Lula, possa acolher demandas antigas. Uma das principais, de acordo com a antropóloga Miriam Grossi, diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, são mecanismos para aumentar o acesso de cientistas a bolsas de excelência. Grossi diz que as pesquisadoras, apesar da produção científica expressiva, são muitas vezes prejudicadas, pois as instituições levam em consideração os últimos cinco anos para a pontuação do candidato. No caso das mulheres, período muitas vezes interrompido por uma gravidez.
“Houve grande avanço na última década. As bolsas de iniciação científica contemplam muitas jovens. Mas menos de 30% das bolsas de excelência do CNPq, de nível 1A, vão para as mulheres. Quando avançamos na pirâmide do conhecimento, sofremos mais exclusão. A literatura mostra que isso acontece, em grande parte, devido a interrupções na carreira pela maternidade, por exemplo”, explica Miriam, acrescentando que algumas universidades e institutos de pesquisa já consideram em seus editais que a pontuação desconsidere a produção de dois anos subsequentes à maternidade e contemplem os dois anos anteriores. —É uma demanda muito antiga, mas não é uma política pública.
Segundo o CNPq, em 2021, eram 10.406 homens com bolsas em todas as categorias, contra 5.642 mulheres. De acordo com a Capes, as mulheres são maioria na pós-graduação (54%, ou 195 mil de 364 mil), mas não chegam a ter importância proporcional na pesquisa científica.
“Embora sejam maioria numérica, pesquisadoras ainda lutam por mais respeito e oportunidades. Mesmo as que conseguem vencer todos os desafios para alcançar cátedras ainda têm de superar toda uma sorte de práticas discriminatórias, intimidatórias e desrespeitosas”, reconhece a presidente da Capes, Cláudia Queda de Toledo.
EDUCAÇÃO É CENTRAL
Há vácuos de produção científica feminina em grandes universidades, que podem variar em cursos mais associados a homens. Estudo da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP com uma amostra de mais de 3 mil professores aponta que 61,7% da produção científica na universidade paulista é de homens. Os homens também têm índices maiores de publicações, de citações por ano, de produtividade e de impacto científico.
Na Unesp, a professora Lídia Passos afirma que nos últimos cinco anos tem havido uma grande transformação. Ainda assim, as professoras, que representam 52% de toda a universidade, classificam como “árdua” a tarefa de se fazerem ouvidas.
“Os espaços públicos não têm distinção de salário. Mas no convívio interno, há uma luta para que nós sejamos tão vistas, ouvidas e valorizadas quanto os homens, simplesmente porque há o imaginário de que eles são feitos para esses papéis. Quando na verdade só têm mais oportunidades”, observa Passos.
Primeira mulher presidente da Associação Brasileira de Ciências, Helena Nader afirma que uma nova estrutura de país só será possível através da educação.
“A cultura conservadora foi intensificada no governo Bolsonaro, da mulher dona de casa e cuidadora dos filhos. A história do menino veste azul, a menina veste rosa. Todo mundo fala da Finlândia, da Islândia, da Dinamarca, mas nestes países meninos e meninas brincam de boneca e de casinha, de fazer comidinha e de serem engenheiros. Ou a gente muda a maneira como educamos nossos filhos ou não vamos avançar”, alerta a biomédica.
MINORIA NA POLÍTICA
A política está também entre os espaços onde a mulher ainda não tem tanta voz, especialmente se for negra. Embora sejam a maioria da população brasileira e acumulem mais anos de estudo que os candidatos homens, as mulheres foram 14% do total de candidatos a prefeito há dois anos, segundo um estudo divulgado este ano pela Oxfam Brasil e o Instituto Alziras. Nas câmaras de vereadores, elas equivaleram a 35% das candidaturas, por influência da política de cotas que determina que as legendas preencham ao menos 30% de suas listas com mulheres.
Nas eleições deste ano, o número de eleitas para a Câmara dos Deputados cresceu 18%. Apesar do aumento de 77 para 91, o maior número da História, elas ainda representam 17,7% do Congresso, segundo levantamento feito pelo +Representatividade, em parceria com o Instituto Update. Um levantamento do Mulheres Negras Decidem (MND) mostrou que candidaturas negras são ainda menores: entre as deputadas, pouco mais de 2% são pretas ou pardas. E apenas 1% do Senado é feminino e negro.
“As mulheres negras tiveram mais de 5 mil candidaturas, um número expressivo, apesar de o resultado nas urnas não ter se concretizado. Cada participação é uma semente, que deve ser regada com investimento na saúde, educação e empregabilidade feminina, para que elas tenham mais recursos para chegar a postos públicos”, defende Gabrielle Abreu, coordenadora do MND.
HOMENS GANHAM MAIS
Nas empresas, o cenário também é desfavorável. Em julho, agosto e setembro, em pesquisa do IBGE com 173 mil pessoas, constatou-se que homens ganharam em média R$ 2.835, e mulheres, R$ 2.221. Entre os desempregados, as mulheres são maioria (54,6%). Nos mesmos períodos de anos anteriores, a variação dos salários a favor dos homens ficou em torno de 27% a 28% superior aos ganhos de mulheres.
A equidade salarial é garantida por lei. Mas na prática, há defasagem. A desigualdade se intensifica na faixa de 25 a 49 anos entre mulheres que tenham crianças em casa com até 3 anos de idade. O nível de ocupação fica em 54,6%, contra 67,2% das que não têm filhos nessa faixa etária. No caso dos homens, a situação se inverte: com filhos na mesma idade, eles levam vantagem, e a ocupação alcança 89,2%, contra 82,4% dos que não têm filhos na mesma faixa etária.
Para a antropóloga Mirian Goldenberg, medidas precisam ser adotadas não só para igualar salários, mas para valorizar as mulheres em todo o espectro social, sobretudo em profissões tidas como femininas e que tendem a ser depreciadas.
“Igualar o salário é fundamental, mas o mais importante é fazer com que profissões que não são tradicionalmente masculinas, como enfermagem e professora, tenham vencimentos mais dignos. As profissões do cuidado são femininas e são as que têm os menores salários e menos prestígio. É preciso uma revolução para a mulher”, diz Goldenberg.
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