O ENEM E OS NEM-NEM
Porta de entrada para universidade sofre com redução do número de inscritos

Com um esvaziamento no número de inscritos há cinco anos, o Enem enfrenta o desafio de voltar a atrair o interesse dos estudantes. Se em 2016 o exame registrou a inscrição de 8,6 milhões de jovens e adultos, em 2021, chegou a 3,1 milhões, o menor desde 2005, que teve pouco mais de 3 milhões de inscritos. O cenário não mudou no exame deste ano, com 3,4 milhões de inscritos.
Para Gregório Grisa, especialista na área da educação, a crise econômica de 2015 e a pandemia ajudam a explicar a queda. No entanto, segundo Grisa, outros fatores políticos e socioeconômicos também têm contribuído para um interesse tão baixo no exame, que é a principal porta de entrada para o ensino superior.
O pesquisador enumera problemas como a baixa expectativa da juventude em relação à universidade, a entrada mais cedo no mercado informal de trabalho de jovens em situação mais vulnerável e programas de financiamento defasados. Para Grisa, o Fies precisa de uma reformulação e o Prouni conta com um alcance modesto.
“É um fenômeno multicausal. O perfil do nosso sistema de ensino superior, majoritariamente privado, é pouco atrativo para um volume muito grande da juventude de classe média baixa e mais pobre. Ter uma chance remota de entrar nas instituições públicas faz com que os estudantes repensem essa possibilidade”, afirma.
Grisa diz que o fenômeno “nem-nem” (jovens que não estudam nem trabalham) mostra o desinteresse.
“O Brasil tem uma proporção de nem-nem elevada. O ensino superior não é uma prioridade vital de parte dessa juventude. Não temos um ecossistema de políticas de juventude robusto, com o acompanhamento da continuidade dos estudos, da conclusão do ensino médio e da ida ao ensino superior”, detalha.
DESLEGITIMAÇÃO
O professor lembra que houve nos últimos anos um forte movimento de deslegitimação das universidades públicas, encabeçado, sobretudo, pelo presidente Jair Bolsonaro e apoiadores:
“Bolsonaro sempre tratou a universidade como uma inimiga. Questionou muito tudo o que envolve a universidade pública, a ciência, o conhecimento. Retaliou essas instituições em alguns momentos.
Coordenadora do Laboratório sobre Acesso e Permanência na Educação Superior da UFF, Hustana Vargas diz que nos últimos três anos o decréscimo foi preocupante também entre pretos, pardos e indígenas. Ela diz que houve vários equívocos do Ministério da Educação na gestão Bolsonaro:
“Desde 2019, problemas em série ocorreram: divulgação incorreta de notas, mudanças sucessivas na gestão do Inep, baixíssimo índice de isenção nas instituições, suspeitas de controle ideológico nas provas, fora o abandono a que a maioria dos candidatos foi submetida na pandemia, pela ausência de uma coordenação central da educação nesse período.
ALTERNATIVAS AO SISU
Segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), todas as universidades federais têm hoje entrada pelo Enem. Mas algumas, como a UnB, a Universidade Federal do Pará e a Universidade Federal do Piauí, decidiram fazer a seleção desses estudantes através de sistemas próprios, fora do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), do MEC, utilizado pela maioria das instituições.
Decisão parecida foi tomada pela USP. A reitoria explicou que a mudança, aprovada por todo o seu conselho, tem como objetivo possibilitar que o estudante aprovado via Enem possa fazer sua matrícula com quem ingressa pelo vestibular da Fuvest, não dependendo do sistema e do calendário do Sisu.
“Vamos continuar utilizando o Enem, mas inserindo a nota em novo modelo que permitirá maior agilidade e abrangência no processo de chamada e de matrícula dos novos estudantes”, explicou o reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior, em nota.
Hustana explica que por causa do descompasso no calendário causado pela demora na divulgação de resultados do Sisu, algumas instituições já começaram a atribuir as notas do Enem a sistemas próprios, alternativos ao do MEC.
“Não existe Sisu sem Enem, mas existe o Enem sem Sisu”, resume a professora da UFF.

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