TIKTOK E POLÍTICA EMBALAM INTERESSE POR MODA
Pesquisa mostra que assunto é muito importante para 44% dos jovens, que encaram vestuário como autoexpressão

Não é difícil esbarrar por aí naquele papo de que moda e consumo são futilidades, assuntos de patricinha ou conversas fru-fru de menina. Dados recentes, porém, dão conta de que uma parte considerável da juventude brasileira nutre grande interesse pelo assunto e, provavelmente, encara o tema de maneira até politizada, como uma forma poderosa de autoexpressão.
Pesquisa mostra que 44% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos têm muito interesse por moda e consumo. Deles, 39% são homens e 48% são mulheres.
O estudo, que foi realizado entre os dias 20 e 21 de julho, aponta que 46% dos jovens têm pouco interesse pelos temas e que 10% não têm nenhum.
O levantamento tem margem de erro de três pontos percentuais para mais ou para menos, dentro do nível de confiança de 95%. Foram realizadas mil entrevistas com pessoas desta faixa etária, em 12 capitais – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Recife, Porto Alegre, Curitiba, Goiânia, Brasília, Manaus e Belém.
O alto grau de interesse por moda e consumo entre a juventude brasileira estaria atrelado à maneira como esses assuntos ganham destaque nas redes sociais, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
Dario Caldas, sociólogo e diretor do Observatório de Sinais, afirma que o TikTok, por exemplo, influencia várias das tendências juvenis atualmente. Nos últimos meses, a rede foi vitrine de modismos que marcaram o ano, como a estética rosa-choque do chamado Barbie core, as chuteiras que viram croppeds sensuais, os adereços infantis do estilo kid core, além da extravagância brilhosa do retorno fashionista dos anos 2000.
Segundo o sociólogo, o boom das redes sociais, que aconteceu na primeira década do século 21, foi um divisor de águas para o setor têxtil.
“Hoje não dá para falar de moda e consumo sem citar as redes sociais”, afirma ele. “A presença das marcas – com toda essa mística de influenciadores digitais -, o setor em si e o imaginário popular foram modificados.”
Se antes tendências de moda ficavam restritas às passarelas da alta-costura ou às revistas de nicho, agora não é difícil ver estilos despertando na internet, com incontáveis blogueiros de moda, vídeos com análises estéticas e fotos de streetwear.
Em redes como TikTok e Instagram, é comum ver publicações do tipo Get Ready With Me, ou arrume-se comigo, em que internautas, sobretudo jovens, mostram o passo a passo na escolha do look para diversas ocasiões.
De olho nessa movimentação, marcas também apostam em postagens do tipo, numa tentativa de se aproximar da linguagem jovem. Como exemplo, o sociólogo menciona as gigantes chinesas Shein e AliExpress.
Mas marcas populares não são as únicas a ocuparem os guarda-roupas dos novinhos. Grifes também têm espaço.
“O luxo contemporâneo é muito mais acessível do que antigamente. Não necessariamente no sentido de compra, mas de imaginário, com certeza”, afirma Caldas.
Não à toa, grifes como Balenciaga, Gucci e Lacoste costumam aparecer em peso em videoclipes de músicos jovens brasileiros, sobretudo os de funk e trap, gêneros que flertam com a ostentação.
Para os estilistas Pedro Batalha e Hisan Silva, fundadores da marca Dendezeiro, as roupas cada vez mais são entendidas como algo que vai muito além dos tecidos.
“Moda é a linguagem. Roupa é só a forma de falar”, afirma Silva. “É uma forma de expressão que sempre existiu, mas, agora, passa a ser monetizado de outra maneira.”
Ainda segundo ele, o setor têxtil vem passando por sucessivas mudanças atreladas a questões de raça e gênero – fatores que sempre pesaram bastante na balança de controvérsias da história fashion. “A moda não é mais só sobre entretenimento, ou só sobre vestir roupa. É algo político. E a juventude está cada vez mais engajada”, diz Silva.
“Antes, não víamos modelos negros ou indígenas, nas passarelas. Havia só um padrão”, acrescenta o estilista Batalha.
A pesquisa mostra ainda que 48% dos jovens autodeclarados pretos se interessam muito por moda. A parcela dos autodeclarados pardos é de 41%, e a de brancos, 43%.
O estudo revela também que 57% dos jovens que têm renda familiar superior a dez salários mínimos se interessam pouco por moda e consumo, enquanto 44% dos que ganham até dois salários têm muito interesse. A margem de erro para os segmentos de raça e de renda é de sete pontos para mais ou menos. Quanto aos 10% de jovens brasileiros que não nutrem nenhum interesse pelo assunto, a socióloga e fundadora do Rio Ethical Fashion, Yamê Reis, diz que o número pode estar relacionado à má fama do setor têxtil – atrelada a problemas da fast fashion, como acusações de manter trabalhadores em condições análogas à escravidão, além de conflitos travados com a bandeira sustentável.
“Há muitos jovens que contestam a moda porque ela é o propulsor do consumo no mundo capitalista”, diz Reis.
O estudo do mostra ainda que 23% dos jovens brasileiros têm muito interesse por celebridades e entretenimento, 49% têm pouco interesse, e 27% não têm nenhum.

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