CORPOLÍTICA

Na semana passada falei sobre a importância da representatividade na política. Na prática, isso tem a ver com mais intencionalidade na hora de votar em quem representa nossos ideais e ajuda na construção de políticas concretas. Mas representatividade não é 2+ 2, tampouco mero patrulhamento ideológico ou “mimimi”.
O assunto não se restringe ao reforço do discurso que defende mais mulheres na política e ponto. Isso diz respeito, por exemplo, à visão que elas podem acrescentar à política, com suas vivências e olhares na construção de políticas públicas que possibilitem outras pessoas terem mais oportunidades de educação, saúde e emprego. Com projetos de lei e iniciativas que podem contemplar mais mulheres. Afinal, se nós, que somos maioria no país, estivermos bem educadas, empregadas, seguras e com saúde, o Brasil vai bem.
Obra recente que retrata a representatividade na política, o documentário “Corpolítica”, de Pedro Henrique França e Marco Pigossi, conta a trajetória de 4 jovens que iniciavam suas carreiras políticas em 2020: Erika Hilton (mulher trans), Andreá Bak (mulher bissexual), Monica Benício (mulher lésbica) e William de Lucca (homem gay). Eles são de grupos subrepresentados, e há um reforço identitário público para chamar pra perto quem também se identifique com estas narrativas. E mais: há compromisso visível nas pautas em se colocarem numa trajetória política para alavancar oportunidades de melhor educação, emprego, saúde para os grupos que pertencem e para toda a sociedade.
Erika Hilton, eleita deputada federal, já foi expulsa de casa quando se assumiu mulher trans. Hoje, tem na mãe evangélica, uma aderente à postura antitransfóbica, mostrando que é possível o diálogo reconciliatório de um Brasil conservador e cheio de nuances. Também é possível, em certa medida, avançar no discurso que descola identidade de gênero e orientação sexual da demonização.
O filme também conta com entrevistas e trechos de falas de políticos como Fernando Holiday, Clodovil e Thammy Miranda, que considero de suma importância para refletirmos sobre o tema da representatividade. Eles são colocados como políticos que, mesmo se identificando com a comunidade LGBTQIAP+, não pautam estas questões diretamente em seus projetos políticos. E fazem refletir sobre o quanto a associação automática entre pessoas negras, indígenas ou trans em posição de poder a avanços diretos para estas comunidades pode ser equivocada.
Para que estes avanços aconteçam, é preciso que os corpos políticos, para além de visivelmente pertencentes a grupos subrepresentados, tragam pautas que apoiem os avanços coletivos de modo intencional, visível e com cobranças e acompanhamentos nossos. Em um cenário ideal, a responsabilidade de avançar não deve estar ligada somente a grupos minoritários, mas a todos que desejem construir um país sem deixar ninguém pra trás. Que em meio a tantas informações, não percamos o foco. Em suma, vote! Mas vote com cuidado com a embalagem e as caixinhas identitárias.
Analise a caixa, e acima de tudo, o conteúdo. Estejamos atentos, acompanhando e cobrando sempre para aqueles que nos representam, o façam para valer.
*** LUANA GÉNOT
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