VITAMINAS PERSONALIZADAS: RISCO À SAÚDE E À PRIVACIDADE
Especialistas criticam modelo que inclui prescrição por ‘quiz’ na internet e algoritmo para definir produto indicado

A oferta personalizada de vitaminas pela internet ganhou espaço no mercado brasileiro de suplementos. Em moldes similares ao que já existia no exterior – principalmente nos Estados Unidos – , empresas oferecem recomendação de suplementação a partir de um quizque busca avaliar objetivos e características físicas e comportamentais, como idade, rotina alimentar e condições de saúde.
Esse tipo de empreendimento, porém, levanta questionamentos entre especialistas. O principal é que a mesma empresa responsáveis por diagnosticar a necessidade de suplementação é a que faz a comercialização do produto, como destaca o Conselho Regional de Nutrição da 4ª Região.
‘’A construção de uma narrativa de que todos têm necessidade de suplementação de vitaminas não é adequada, apesar de explorada nas estratégias publicitárias. Alguns estudos já demonstram preocupação com o crescimento da suplementação”, diz o conselheiro Fernando Lamarca.
Uma das plataformas brasileiras para venda de produtos personalizados, a SetYou, afirma já ter vendido cem mil fórmulas, além de levantar RS3.5 milhões com investidores. A Habits também atraiu capital de investidores. O segmento de vitaminas como um todo cresceu 21% em 2021, comparado ao ano anterior, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos para Fins Especiais (Abiad).
No site de uma das empresas, por exemplo, é possível obter o diagnóstico com base em objetivos gerais, como emagrecimento, memória, energia, libido, exercício físico, sono, entre outros. É possível indicar mais de um objetivo.
O passo seguinte é apontar outros problemas para os quais as vitaminas poderiam surtir efeito. A lista sugerida vai desde pressão alta a dores nas articulações. O interessado indica os elementos que fazem parte de sua rotina, como café, exposição ao sol, exercícios físicos ou compulsão por comida. Com base nos problemas e necessidades apontados, o site envia a prescrição e dá ao consumidor a opção de escolher receber as vitaminas em cápsulas ou pós solúvel.
PROTEÇÃO DE DADOS
Ao concluir o quis e receber a indicação de vitaminas, o consumidor pode optar por prosseguir com a compra ou não. O Vitamine-se indica vitaminas separadas, com o custo a partir de R$ 50 para uma delas. Mas o valor pode ser bem maior se optar por uma gama de sugestões. SetYou e Habits indicam fórmula com diversas vitaminas a um custo médio entre RS 120 e R$180. A manipulação é feita por farmácia.
Em alguns sites, além da venda da vitamina, há a possibilidade de assinatura de pacotes que incluem aconselhamento com nutricionista.
De acordo com as empresas, os algoritmos aplicados nas perguntas e recomendações são baseados em artigos científicos e consultorias de profissionais da saúde.
“Muito nos preocupa uma prescrição realizada por meio de quis, uma vez que o respondente pode “manipular” as respostas visando a prescrição em si”, diz Elton Bicalho, conselheiro do Conselho Regional de Nutrição da 4ª Região.
O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio (Cremerj) afirma que a prescrição de medicamento, inclusive complexos vitamínicos – é ato médico, que, em alguns casos, exigirá exames. A automedicação, destaca, éum risco à saúde.
Especialistas em direito digital identificam também risco à privacidade. O quis que, na maioria dos casos parece inocente, pode expor dados sensíveis, principalmente de saúde.
“Não encontrei em nenhuma plataforma a transparência necessária sobre a finalidade do uso dos dados, a política de proteção e tratamento das informações. Não há pedido claro, especifico de consentimento do consumidor quando são requisitados dados sensíveis relacionados à saúde”, alerta a advogada Maria Luciana Pereira de Souza, especialista em Direito Digital.
Juliana Oms, pesquisadora do programa de Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (ldec), diz que os sites devem informar parâmetros para a formação do algoritmo responsável técnico pelas informações.
Docente do Curso Nacional de Nutrologia da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), Sandra Lucia Fernandes explica que a suplementação de vitaminas é mandatória só na gestação, lactação e para paciente bariátrico:
“Pessoas saudáveis podem e devem atingir necessidades diárias com boa alimentação.
A nutróloga aponta ainda riscos da hipervitaminose. Por exemplo, excesso de vitamina A pode causar quadro neurológico grave.
O QUE DIZEM AS EMPRESAS
Em nota, a SetYou afirmou que profissionais de saúde utilizam o site com pacientes, devido ao rigor do algoritmo. A Habits diz que as preocupações das entidades são válidas, mas destacou que não se restringe a vender vitamina, e oferece plano com a acompanhamento nutricional.
A Vitamine-se ressaltou que seus suplementos são regularizados pela Anvisa e que tem nutricionistas a serviço para tirar dúvidas, direcionando quando é preciso acompanhamento pro6ssíooal.
Procurada para esclarecer a regulação da atividade, a Anvisa afirmou que por se tratar “de modelo de negócio inovador, não é possível concluir, no momento, o enquadramento dos produtos (suplemento ou medicamento) e a forma de regularização da empresa somente pela avaliação do site”. A agência disse que busca informações com as empresas.

ENTENDA COMO FUNCIONA E O QUE OBSERVAR
TODO MUNDO DEVE TOMAR VITAMINA?
Segundo a nutróloga Sandra Lúcia Fernandes, da Abran, não há respaldo na literatura médica para uso de vitaminas indiscriminadamente em pessoa saudável. Apenas durante a gestação, na fase de lactação e pessoas que passaram por cirurgia bariátrica. Nos demais casos é preciso análise e até exames.
QUAL O RISCO DE USO INDISCRIMINADO DE VITAMINAS?
Fernando Lamarca, conselheiro do Conselho Nacional de Nutrição da 4ª Região, diz que os riscos estão relacionados a dose consumida diariamente, o período de consumo e o tipo de vitamina. O consumo excessivo de betacaroteno foi associado a aumento do risco de câncer de pulmão. Altas dosagens de vitamina D podem contribuir para o desenvolvimento de pedra nos rins.
O QUE SE DEVE SABER ANTES DE RESPONDER O ‘QUIZ’?
O site deve informar claramente a finalidade para a qual serão usados os dados, como serão armazenados, por quanto tempo e ainda se as informações serão compartilhadas.
QUAL O PAPEL DO ALGORITMO?
Informe-se a respeito dos parâmetros de análise usados pela inteligência artificial para prescrever o produto. Procure saber se há profissionais de saúde responsáveis.
E SE TIVER PROBLEMAS?
As empresas dizem oferecer acompanhamento de profissionais, como farmacêuticos e nutricionistas durante o tratamento e para aconselhamento do consumidor, algumas dizem ser possível refazer o produto e garantem dar assistência em caso de efeitos colaterais. Em caso de dúvida de prática irregular ou de problema pode-se procurar o Procon e a Agência Nacional de Proteção de Dados, se identificar risco às informações pessoais.
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