FRAUDE ATRÁS DE FRAUDE
Em meio à explosão de golpes, até salário some da conta das vítimas

Acostumada a receber seu salário – cerca de R$ 25 mil – logo nos primeiros dias do mês, a servidora federal X. estranhou quando, no dia 6 de junho, o dinheiro ainda não tinha entrado na conta. Ao fazer contato com o empregador, recebeu a informação de que o valor já havia sido depositado. Ela resolveu, então, falar com o gerente do seu banco, Itaú, e veio a surpresa: o salário tinha ido para uma conta aberta em seu nome no PagSeguro para a qual fora pedida a portabilidade. O novo golpe já vem fazendo vítimas Rio afora e ajuda a ilustrar a explosão de casos de estelionato, que já superaram os de roubo e caminham a passos largos para ultrapassar também os de furto como tipo de crime mais comum no estado.
Em maio, de acordo com os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), um a cada seis registros de ocorrência no estado dizia respeito a estelionatos. No acumulado do ano, já são 51.153 golpes denunciados à polícia, muitos deles envolvendo múltiplas vítimas. O número representa um aumento de 115% em relação ao mesmo período do ano passado. É como se uma nova fraude fosse relatada a cada quatro minutos, em média.
PORTABILIDADE CRIMINOSA
Localizamos três casos como o da servidora nas delegacias do estado. Na fraude, que foi batizada como golpe da portabilidade do salário, criminosos utilizam documentos falsos, com dados da vítima, e abrem uma conta em outro banco – em geral, os digitais – para a qual será pedida a portabilidade. Essa solicitação pode ser feita pelo aplicativo dos bancos, sem que seja necessário ir até uma agência.
X. ressalta que não foi consultada pelo Itaú sobreo pedido de portabilidade e tampouco deu anuência para que isso ocorresse. Ela acrescenta que o mais assustador é que, depois que foi feito o procedimento, sequer consta a entrada do salário em sua conta e a saída para a do PagSeguro. O dinheiro foi direto para a nova conta, sem que tenha deixado rastros.
“Fiquei muito chocada coma vulnerabilidade. Questionei como ninguém do banco tinha me informado da portabilidade, se eu não precisava dar anuência. Não sabiam me dizer, falavam apenas que a portabilidade tinha sido feita. Simples assim. Apertam um botão e está feito. É assustador. Recebo várias ligações do banco, o tempo todo, para falar de possibilidades de investimentos, mas, para fazer uma portabilidade de todo o meu salário, ninguém me liga?”, questiona.
A servidora vai entrar na Justiça contra o Itaú e também contra o PagSeguro. X. explica que conseguiu o dinheiro de volta em 72 horas, mas após contatos pessoais que a ajudaram no processo. Agora, seu receio é que os golpistas façam uma nova portabilidade e consigam desviar seu salário novamente. A Polícia Civil solicitou ao PagSeguro os documentos usado na abertura da conta em nome de X., além de ter pedido à Justiça a quebra do sigilo bancário e o bloqueio da conta aberta no nome da servidora.
“É impressionante essa facilidade de abrir uma conta nova apenas com identidade e CPF. E até agora não sei ao certo quais dados meus eles (criminosos) têm, se possuem documentos meus ou se criaram falsos. Mas estou apreensiva, pois não sei como será no próximo mês”, afirma a mulher. Desde 2018, fazer a portabilidade salarial se tornou mais fácil. Até então, só era permitido fazer o pedido à instituição contratada pelo empregador para depósito do salário. Com a nova regra do Banco Central, passou a ser possível pedir ao banco no qual a pessoa possui a conta-salário ou à instituição financeira na qual pretende passar a receber, abrindo uma nova conta. Todo o processo pode ser feito por aplicativo.
Os golpistas encontram facilidade porque conseguem fazer a solicitação abrindo essa nova conta com dados vazados ou furtados. Os servidores acabam sendo alvos mais escolhidos porque muitas vezes seus dados são públicos. Há casos assim também no Pará, no Paraná e em Mato Grosso.
BANCOS DEVEM CHECAR
Gerente Executivo de Soluções de Prevenção à Fraude do Serasa Experian, Rafael Garcia alerta que a regra permitindo que o pedido de portabilidade seja feito na nova conta, que pode ter sido aberta com dados fraudados, tem contribuído para que os golpes ocorram. Ele acrescenta que a obrigação de realizar o procedimento com segurança é dos bancos:
“Nesses casos, aquele que permitiu a abertura da conta de forma fraudulenta e o que permitiu que a portabilidade fosse feita sem consentimento (do verdadeiro titular da conta) devem ser responsabilizados. Os bancos de origem (do empregador) também não têm feito qualquer checagem nesse sentido.
Assim como a servidora X., o idoso Z. também tomou um susto ao não encontrar o seu salário na conta. Em janeiro deste ano, após ter sido vítima do golpe, o servidor público foi até o Banco do Brasil, onde recebia os vencimentos, e foi informado de que havia sido solicitada uma portabilidade para um banco digital, o Nação BRB FLA. A vítima registrou o caso na 5ª DP (Mem de Sá), que segue investigando o caso. À polícia, Z. informou que estava desesperado, pois ficou sem dinheiro para custear suas despesas mensais.
Já uma engenheira, moradora da Zona Sul do Rio, relatou à polícia que foi vítima de uma quadrilha que agiu de forma um pouco diferente. Os criminosos abriram duas contas bancárias em seu nome em diferentes bancos e solicitaram a portabilidade do salário à empresa onde ela trabalha. O golpe não deu certo porque a área de Recursos Humanos da companhia fez contato com a engenheira para confirmar o pedido. O caso também segue em investigação também pela 5ª DP.
A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) afirmou que seus associados mantêm equipes de combate à fraude documental. Questionado sobreo caso de X., o Itaú não esclareceu por que a portabilidade foi feita sem o consentimento da correntista e alegou que assim que recebe um pedido de portabilidade de outra instituição notifica o cliente para que possa se manifestar. O PagSeguro não respondeu, e o BRB argumentou que utiliza ferramentas de controle na abertura de contas. Já o Banco do Brasil informou que dispõe de procedimentos de segurança para prevenir casos de fraude e que o caso do idoso está sob análise.
COMO AGEM OS ESTELIONATÁRIOS
Documentos falsos com fotos dos golpistas são apresentados ao banco

Com dados da vítima, os criminosos abrem uma conta nova em seu nome, em geral em bancos digitais.

Em alguns casos, os criminosos falsificam documentos com os dados da vítima, mas usam uma foto de algum integrante do esquema. A abertura de contas em bancos digitais pode ser feita de forma virtual.

Os criminosos pedem, no banco no qual abriram a nova conta, portabilidade do salário da vítima cujos dados foram usados. O pedido pode ser feito pelo aplicativo da instituição financeira.

A solicitação da portabilidade é feita pelo banco que recebeu o pedido para aquele no qual a vítima possui conta-salário.

Com a portabilidade concluída, no mês seguinte o salário da vítima sequer cairá em sua conta, indo direto para a nova, criada pelos golpistas.
SOBRE A PORTABILIDADE

É possível pedir a portabilidade ao banco no qual o cliente recebe o salário ou na instituição financeira na qual a nova conta foi aberta. A solicitação pode ser feita por aplicativo.
DICAS PARA EVITAR O GOLPE

Esteja atento às tentativas de criminosos de furtar seus dados pessoais, com links enviados para e-mail ou celular pedindo o preenchimento de dados para participar de pesquisas ou falsas promoções de estabelecimentos, por exemplo.

É preciso ter atenção aos sites de compras, nos quais é comum fornecer muitos dados pessoais. Certifique-se de que o mesmo é confiável.

A medida mais importante, em relação ao golpe da portabilidade, é monitorar seu CPF e as contas abertas relacionadas a ele. É possível fazer essa checagem no Registrato, do Banco Central. Para ter acesso ao sistema, é preciso ter uma conta no sistema do governo federal (gov.br). Também é possível fazer o acesso com o login do próprio Registrato, no entanto, a criação de novas contas está suspensa.
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