UMA PAUSA NO ÁLCOOL
Conheça o crescente movimento ‘sober curious’, formado por pessoas que deixaram de beber (ou diminuíram drasticamente) para enxergar a vida por um novo prisma

Há mais ou menos uma década, depois de algumas ressacas físicas e morais, a jornalista britânica Ruby Warrington começou a refletir sobre o consumo de bebidas alcoólicas. Será que estava valendo a pena? Decidiu ficar então sem drinques e, em 2018, lançou o livro “Sober curious”, ainda sem edição brasileira, para contar sobre a experiência. Ruby explica que ser um sóbrio curioso “significa se questionar sobre a sua relação com o álcool, chegando a um ponto em que você até pode beber uma taça ou outra de vinho, mas consciente do papel que isso tem na sua vida. A minha missão com esse movimento é estimular as pessoas ao menos avaliarem suas relações com a bebida para conseguirem ouvir essa voz interna”, conta.
Na pandemia, o movimento deu um boom. Durante o isolamento, muitos tiveram tempo de questionar e experimentar novos hábitos. “Há séculos, a bebida tem ligação direta com a socialização e o lazer. Mas, nas últimas décadas, isso se agravou. Períodos estratégicos de abstinência nos ajudam a entender até que ponto controlamos a bebida ou ela nos controla”, diz o psiquiatra Alexandre Saadeh, da Universidade de São Paulo. “Pessoas que bebem menos têm maior disposição para o exercício físico, para o trabalho. Mesmo quando não é abusivo, o uso frequente de álcool provoca uma ressaquinha, algo sutil, que tem a ver com uma depressão pós-ingestão da bebida. Sem ela, há um rearranjo de neurotransmissores importantes e tudo melhora.”
Escritora e criadora do portal Bonita de Pele, Jana Rosa foi uma dessas que parou com os drinques. O que era para ser apenas um mês, tomou proporções maiores: há dois anos ela não bebe. “Decidi isso quando acordei no chão do banheiro sem saber o que tinha acontecido na noite anterior. Era o auge da pandemia, eu estava em completo isolamento e desequilíbrio emocional. Quando me olhei no espelho, vi uma pessoa muito decadente”, recorda Jana.
Agora, que decidiu trocar o gim pela água, Jana garante que conheceu uma versão sua que nem sabia que existia. “Gostei muito mais dessa”, diz ela, frisando que a vida social continua animadíssima. “Nunca me diverti tanto como nos últimos tempos. As pessoas sóbrias realmente aproveitam.”
A mixologista Néli Pereira faz um esquema de a cada três meses bebendo, para um. Isso acontece desde 2015, período em que estava vivendo de open bar em open bar. “Precisei me impor pausas para perceber o efeito do álcool. Dizer que quem manda aqui sou eu”, conta. “Busquei ter uma relação menos tóxica e mais racional com a bebida.”
No período de pausa, Néli se debruça em sucos de tomate, espresso tonic, misturas com gengibre, tamarindo, cominho… Sua maior dificuldade em manter a linha é a falta de boas opções não alcoólicas fora dos balcões de casas de coquetelaria. “Sempre criei drinques sem álcool para os meus bares, mas em geral as opções são suco, refrigerante ou água. Ainda estamos no começo do universo dos mocktails”, diz.
Néli espera ansiosa a chegada dos destilados sem álcool por aqui. “São interessantes, divertidos, com sabor. Como os da destilaria inglesa Seedlip, que a Diageo vai trazer”, adianta.
Mas já dá para se divertir com algumas opções por aqui.
Existem drinques como o Virgin Tonic, da Begi, e as garrafinhas da Kiro, um switchel feito com gengibre e vinagre de maçã. Nascida em 2017 como uma bebida não alcoólica para adultos, a Kiro veio para oferecer opções intensas e zero álcool. “Os relatórios internacionais indicam que o consumo de bebidas alcoólicas teriam uma queda de consumo em grandes centros. Os hábitos estavam mudando, surgiam movimentos como o Dry January eo Sober October, e essa se tornou uma das grandes tendências do mercado de bebidas”, conta Roberto Meirelles, sócio da Kiro. “Em conversas com donos de bares e restaurantes de São Paulo, pude comprovar que os pedidos por alternativas estavam crescendo, porém as opções não alcoólicas eram sem graça ou comportamentalmente distantes dos momentos de confraternizações”, conta ele, que colocou o switchel em bares brasileiros e tem previsão de aumento de vendas em 200% este ano.
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