ALIMENTOS PROCESSADOS VICIAM COMO O CIGARRO?
Produtos manipulados para gerar absorção rápida podem ativar compulsão, mas ação é controversa

Há cinco anos, um grupo de cientistas que pesquisa nutrição estudou o que os americanos comem e chegou a uma conclusão surpreendente; mais da metade das calorias que o americano médio consome vem de alimentos ultra processados, que eles definiram como “formulações industriais”, com grandes quantidades de açúcar, sal, óleos, gorduras e outros aditivos.
Esses alimentos continuam a dominar a dieta americana, apesar de estarem ligados a obesidade, doenças cardíacas, diabetes tipo 2 e outros problemas de saúde. Eles são baratos e convenientes, e projetados para serem saborosos. São comercializados em altas quantidades pela indústria alimentícia. Mas um número crescente de cientistas diz que outra razão pela qual o alto consumo é que, para muitas pessoas, os produtos não são apenas tentadores, mas de fato viciantes.
Recentemente, o American Journal of Clinical Nutrition explorou a ciência por trás do vício em alimentos e se os denominados ultra processados podem estar contribuindo para excessos e obesidade. Houve um debate entre dois dos maiores especialistas no assunto, Ashley Gearhardt, professora associada do departamento de psicologia da Universidade de Michigan, e o médico Johannes Hebebrand, chefedo departamento de psiquiatria infantil e adolescente, psicossomática e psicoterapia da Universidade de Duisburg Essen, na Alemanha.
A psicóloga de ciência clínica ajudou a desenvolver a pesquisa chamada de “Vale Food Addiction Scale”(Escala de Dependência Alimentar), usada para determinar se uma pessoa mostra sinais de comportamento viciante em relação à comida. Em um estudo envolvendo mais de 500 pessoas, ela e seus colegas descobriram que certos alimentos eram especialmente propensos a provocar comportamentos alimentares compulsivos, como desejos intensos, perda de controle e incapacidade de reduzir o consumo apesar das consequências prejudiciais.
No topo da lista estavam pizza, chocolate, batata frita, biscoitos, sorvete e cheeseburguer. Gearhardt descobriu em sua pesquisa que essas comidas altamente processadas têm muito em comum com substâncias que causam dependência.
MENTE ACESA
Assim como os cigarros ecocaína, seus ingredientes são derivados de plantas e alimentos naturais que são despojados de componentes que retardam sua absorção, como fibras, água e proteínas. Em seguida, seus elementos mais prazerosos são refinados e processados para gerarem absorção rápida pela corrente sanguínea, aumentando sua capacidade de “iluminar” regiões cerebrais que regulam recompensa, emoção e motivação.
A psicóloga diz que sal, espessantes, sabores artificiais e outros aditivos em alimentos ultra processados fortalecem sua atração, melhorando propriedades como textura e sensação na boca, semelhante à forma como os cigarros contêm uma série de itens projetados para aumentar seu potencial viciante.
Um denominador comum entre os alimentos ultra processado, mais irresistíveis é que eles contêm grandes quantidades de gordura e carboidratos refinados, uma combinação potente raramente vista em alimentos naturais que os humanos comem, como frutas, legumes, carne, nozes, mel, feijão e sementes, explicou Gearhardt.
“As pessoa não experimentam uma resposta comportamental viciante a alimentos naturais que são bons para nossa saúde, como morangos”, explicou.
Em um estudo, ela descobriu que quando pessoas cortam alimentos altamente processados experimentam sintomas comparáveis à abstinência observada em usuários de drogas, como irritabilidade, fadiga, sentimentos de tristeza e forte desejo. Outros pesquisadores descobriram em estudos de imagens cerebrais que as pessoas que consomem frequentemente comidas não saudáveis como fast food, podem desenvolver uma tolerância a eles ao longo do tempo, levando-os a exigir quantidades maiores para obter o mesmo prazer.
No entanto, Hebebrand contesta a ideia de que comida vicia. Enquanto batatas fritas e pizza podem parecer irresistíveis para alguns, ele argumenta que eles não causam um estado mental alterado, nunca registrada de substâncias viciantes. O médico diz que fumar um cigarro, beber vinho ou injetar heroína no corpo, por exemplo, provoca uma sensação imediata no cérebro, algo que alimentos não causam.
Na dependência química, as pessoas criam uma relação com uma substância química especifica que atua no cérebro, como a nicotina do cigarro ou o etanol da bebida. Mas em alimentos altamente processados não há um composto que possa ser apontado como viciante, explica o psiquiatra. Evidências sugerem que pessoas obesas que comem demais tendem a ingerir uma grande variedade de alimentos com diferentes sabores, texturas e composições.
SOB CONTROLE
Para as pessoas que lutam para limitar a ingestão de ultra processados, Gearhardt recomenda manter um controle do que se come para identificar os alimentos que causam mais desejos intensos e compulsão. Mantenha esses alimentos fora de casa, enquanto abastece a geladeira e despensa com alternativas mais saudáveis.
Mantenha o controle dos gatilhos que levam a desejos e excessos. Eles podem estar ligados a emoções como estresse, tédio e solidão. Faça um plano para gerenciar esses chamados, escolhendo um caminho diferente para casa, por exemplo, ou usando atividades não alimentares para aliviar o estresse e o tédio. E evite pular refeições, porque fome demais pode gerar desejos que levam a decisões impensadas.
“Alimentar regularmente seu corpo com itens nutritivos e minimamente processados de que você gosta é importante para ajudá-lo a navegar em um ambiente alimentar desafiador”, aconselhou a psicóloga.
Nice
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