CHEGA AO FIM O REINADO SOLITÁRIO DO IMC
Ganha força entre médicos método que mede cintura e altura para prever doenças

Um dos índices mais consolidados na prática médica mundial está perdendo a força nos consultórios. Criado no início do século XIX por um estatístico belga, o tradicional cálculo denominado Índice de Massa Corporal (IMC) imperou ao longo desses anos todos. É o cálculo que define se a pessoa está acima do peso. Basicamente, o médico pega o peso (em quilogramas) e divide pela altura ao quadrado (em metros). O resultado é encaixado em quatro categorias: baixo peso (IMC menor que 18,5), peso normal (18,5 a 24,9), sobrepeso (25,0 a 29,9) ou obeso (30 ou mais). Quanto mais alto, maior o risco de doenças cardiovasculares.
Uma decisão inédita tomada recentemente pelo órgão de vigilância da saúde do Reino Unido, o Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados, abalou a antiga confiança no método. A prestigiosa instituição definiu que o IMC tinha sérios defeitos e instituiu um segundo tipo de conta. Batizado de “cintura-estatura”, o novo cálculo é mais simples: a medida do tamanho da cintura tem de ser menor que a metade da altura. Se a circunferência estiver acima disso, há aumento do risco de diabetes tipo 2, hipertensão, infarto, derrame, gordura no fígado, entre outras.
NA BRIGA DE FORA
O novo método cobre uma lacuna importante do IMC, que não diz, por exemplo, que porcentagem do peso de uma pessoa é proveniente da gordura, músculos ou ossos. Isso explica porque atletas podem ter IMC alto, apesar de terem pouca gordura corporal. Mas o principal defeito é no que se refere ao local em que a gordura se acumula. A proporção “cintura-estatura” vai direto ao ponto ao detectar acúmulo da gordura na barriga, a chamada gordura visceral, o tipo mais perigoso para a saúde.
No Brasil, a nova conta não é oficialmente indicada, mas os médicos começam a utilizá-la.
“O IMC é uma medida fácil e bem conhecida, só que tem limitações porque não é capaz de analisar a composição corporal. Uma pessoa com muito músculo vai pesar mais e ter um IMC alto, mas pode estar muito mais saudável e em boa forma que uma pessoa com IMC e peso menor, mas com bastante gordura acumulada. Então é preciso usar as duas medidas. Elas são complementares”, diz a cardiologista Lilia Nigro Maia, diretora da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) e professora da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp).
HISTÓRICO
A recomendação para medir a circunferência da cintura não é exatamente nova. Diversas diretrizes de saúde, incluindo as do Ministério da Saúde e a da Associação Americana do Coração (AHA), alertam para a importância de medir a circunferência da cintura em qualquer avaliação de saúde. A ênfase é na relação cintura-quadril (medida que avalia o tamanho da cintura em comparação com o quadril) e a circunferência da cintura sozinha. Mas há limitações.
“A relação cintura-quadril é muito boa, mas está mais sujeita a erros de medida”, explica a endocrinologista Cintia Cercato, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO). Já o tamanho da circunferência pode falhar ao não considerar o tamanho da pessoa e precisa ser adaptado a cada país e grupo étnico, para ser mais precisa.
AMPLIAÇÃO DO RADAR
Para especialistas ouvidos, a grande vantagem da nova medida é a simplicidade.
“Diversos estudos já validaram que ter a medida da cintura maior que a metade da altura aumenta o risco de comorbidades e doenças cardiovasculares. A grande vantagem dessa medida é que ela está menos sujeita a erros. Sua principal importância é para pessoas que já têm excesso de gordura abdominal, mas que apenas pelo IMC não vão ser consideradas de alto risco”, ressalta a médica Cercato.
Em 2014, uma pesquisa da Bayes Business School, no Reino Unido, mostrou que a razão cintura-estatura é melhor preditor de risco de mortalidade do que o IMC. O estudo descobriu que os homens podem perder até 20 anos de vida por não manter sua cintura na medida ideal. O número é de aproximadamente 10 anos para as mulheres.
PARA QUASE TODO MUNDO
Essa medição pode ser usada para ambos os sexos e todos os grupos étnicos, bem como para adultos altamente musculosos. As diretrizes do Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados inglês também recomendam que os médicos devam considerar o uso da relação cintura-estatura em crianças e jovens com mais de cinco anos para avaliar e prever riscos à saúde.
“É muito válido porque a pessoa pode fazer isso sozinha e procurar ajuda quando ele estiver alto”, diz a diretora da Socesp.
Já o médico Antônio Carlos do Nascimento, doutor em endocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), teme que essa recomendação apavore muitas pessoas que podem não estar em risco.
“Utilizara relação cintura-estatura para toda a população é tão falho quanto o que já vínhamos observando com outros parâmetros. Mas essa pode ser uma boa opção para avaliar o risco de subgrupos étnicos como negros e asiáticos”, afirma o endocrinologista.
Pesquisas mostram que pessoas com antecedentes familiares asiáticos, do Oriente Médio, negros, africanos ou afro-caribenhos são mais propensas a esse tipo de acúmulo de gordura ao redor da cintura, chamado de “adiposidade central”. Aconselha-se que essas pessoas usem limites de IMC mais baixos para obesidade para ajudar a prever seus riscos específicos à saúde.
Em sua diretriz, o Instituto Nacional de Excelência em Saúde eCuidados, do Reino Unido, ressalta que a relação cintura-estatura não é precisa para pessoas com IMC acima de 35, mulheres grávidas ou crianças com menos de dois anos. Maia também alerta que a medida não funciona para pessoas com mais de 60 anos que podem ter perdido altura com o envelhecimento.
A gordura visceral é diferente da subcutânea. Enquanto a subcutânea se acumula abaixo da pele, em locais como quadris, seios, coxas e nádegas, a gordura visceral se concentra entre os órgãos internos.
“A gordura em volta do abdômen é danosa. Quanto mais gordura visceral nós temos, mais elementos inflamatórios, que interferem na ação da insulina e no revestimento vascular”, diz o endocrinologista Antônio Carlos do Nascimento.
Esse tipo de gordura pode afetar qualquer pessoa, nus é mais comum em homens. Em mulheres, pode ocorrer com mais facilidade após a menopausa. Também pode ser mais comum em determinadas famílias, devido a uma predisposição genética.
A BOA NOTÍCIA
A gordura mais problemática é mais fácil de perder do que a subcutânea. A endocrinologista Maria Edna de Melo, presidente do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), explica que, na falta de carboidrato, a gordura visceral é a primeira a ser mobilizada como fonte de energia para o corpo.
Para prevenir o acúmulo de gordura visceral, não basta só exercício.
“Como a gente não escolhe onde a gordura vai se acumular, o ideal é não acumular gordura”, afirma Melo.
As medidas recomendadas incluem uma dieta equilibrada, com baixo consumo de alimentos ultra processados, pouca gordura e rica em frutas, verduras, legumes. Restringir o consumo de bebida alcoólica é outro ponto importante.
Para quem já acumulou a gordura, o tratamento é (adivinhe!): perder peso. Segundo a endocrinologista Maria Edna de Melo, a cirurgia metabólica pode ser uma opção para algumas pessoas com IMC acima de 30. Mas, em geral, há bons resultados apenas com alterações no estilo de vida e medicações.
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