COMO O ACESSO AO ABORTO MOLDOU A FORÇA DE TRABALHO
Julgamento de 1973 estabeleceu o direito legal ao aborto nos EUA; lei que dá acesso ao procedimento está em xeque

Quando Barbara Schwartz lembra de quando era jovem e trabalhava como assistente de palco na Broadway, o alvoroço da experiência vem à mente: dançarinos estressados vestindo figurinos nos bastidores. Segundo Barbara, ela foi capaz de se jogar nessa carreira por causa de uma escolha feita em 1976: fez um aborto em uma clínica que encontrou na lista telefônica. Isso aconteceu três anos após a decisão do caso Roe versus Vade estabelecer o direito constitucional ao aborto nos Estados Unidos.
Para Barbara, o mundo parecia cheio de novas oportunidades profissionais para as mulheres. Ela conseguiu um cartão de crédito com seu próprio nome, tornou-se uma das primeiras mulheres a entrar no sindicato local de contrarregras e se juntou àquele bando de gente de espetáculos.
Barbara, de 69 anos, agora está aposentada e usa seu tempo livre para acompanhar mulheres até as portas de uma clínica de aborto na fronteira entre a Virgínia e o Tennessee. Ela decidiu se tornar voluntária porque, em sua opinião, a promessa de seus 20 anos está perdendo força – consequência de leis que reduziram o acesso ao aborto, com um projeto de lei vazado da Suprema Corte revelando que o veredicto do caso Roe provavelmente será anulado. “Esta é a minha maneira de retribuir”.
É assim que Ginny Jeltis, de 67 anos, pensa também. Ela estava no último ano do ensino médio quando foi decidido o caso Roe, e começou a atuar como acompanhante na clínica após se aposentar como professora de história, em 2016.
Para mulheres como Ginny, que entraram na vida adulta no início dos anos 1970, o mundo do trabalho estava mudando rapidamente. A participação das mulheres na força de trabalho passou de cerca de 43%, em 1970, para 57,4% em 2019. Muitos fatores levaram as mulheres a entrar em maior número no mercado nas últimas décadas: novas tecnologias criaram novas funções administrativas, muitas exercidas por mulheres; o estigma associado às mulheres casadas no trabalho diminuiu. Mas sociólogos defendem que o aborto legal foi decisivo.
“Não há dúvida de que o aborto legal possibilita que mulheres de todas as classes e raças tenham algum controle sobre suas vidas econômicas e a capacidade de trabalhar fora de casa”, disse Rosalind Petchesky, professora aposentada cuja pesquisa foi citada em decisão da Suprema Corte de 1992, que reafirmou o veredicto do caso Roe.
APOSENTADORIA
As mulheres que iniciaram a vida profissional logo após o caso Roe estão atingindo a idade de aposentadoria. Algumas delas, como Carolyn McLarty, veterinária aposentada, estão mais empenhadas do que nunca em sua defesa contra o aborto. Outras, como Barbara, olham para trás e sentem que suas carreiras estão em dívida com a decisão de 1973. Por isso, elas usam o tempo livre para serem acompanhantes em clínicas de aborto. Essa experiência demonstra o que o caso Roe significou para mulheres que lutaram pelo acesso ao aborto, e cuja vida profissional foi influenciada pelas oportunidades que o veredicto lhes proporcionou. “Eu simplesmente não posso acreditar que as mulheres jovens não serão capazes de ter acesso ao que tivemos”, disse Debra Knox Deiermann, de 67 anos, acompanhante em uma clínica na área de Sr. Louis.
Uma pesquisa do Centro de Pesquisas Pew de 2021 descobriu que 59% dos americanos disseram acreditar que o aborto deveria ser legal em todos ou na maioria dos casos, e 39% disseram que deveria ser ilegal em todos ou na maioria.
Hoje, a revogação do veredicto do caso Roe significaria que as mulheres nos Estados Unidos enfrentariam um emaranhado de leis estaduais sobre o acesso ao aborto, com 13 estados prontos para proibir a prática imediatamente.
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