AO PÉ DO OUVIDO
Podcasts eróticos produzidos por e para mulheres fazem sucesso nas plataformas de streaming

“A mulher não tem apenas um, mas pelo menos dois pontos Gs: um em cada ouvido”, costuma dizer a escritora chilena Isabel Allende sobre a capacidade feminina de se excitar com o que escuta. Isso explica o crescente sucesso de podcasts eróticos entre o público feminino e o impulso nas métricas de audiência de conteúdos de áudio como alternativa à pornografia tradicional. ” Narrativas e plataformas eróticas estão mudando, porque a pornografia tradicional funciona sob uma ótica machista, que objetificava a mulher.
Hoje, vemos muitas delas na direção de filmes pornográficos e outros formatos, apresentando-os de maneira muito mais sutil, sensual e excitante”, analisa a psicanalista Regina Navarro Lins; “Vivemos num momento de transição, a busca da individualidade caracteriza a nossa época, e vemos que há desejo de abrir as relações como um dos resultados. Além disso, as mulheres estão perdendo a vergonha de falar sobre sexo.
Vergonha essa que nunca alcançou Abhiyana Fernandes, de 46 anos. Pelo contrário. Falar abertamente sobre seus desejos, para a escritora, sempre foi “uma delícia”. Suas experiências sexuais viraram páginas de dois Livros eróticos, que ganharam projeção em áudio com a criação do podcast “Textos putos”, em 2020. Com uma média de 25 mil downloads por mês desde o lançamento, ela agora se prepara para soltar os episódios da terceira temporada, que fez sua estreia nas plataformas de streaming na última quinta-feira com a promessa de levar aos ouvintes histórias ainda mais quentes. “Uso o sexo para chamar atenção dos danos e abusos causados pelo patriarcado, além de desconstruir e desmistificar nossa sexualidade. Muitas mulheres se identificam, porque procuro ser uma pessoa real, não quero que elas me vejam como a que trepa todo dia: muitas coisas dão errado, tenho minhas questões, e deixo isso claro”, comenta. Ela também revela se excitar frequentemente durante as gravações: “É meu termômetro. A vontade que eu tenho é de sair e me masturbar, mas preservo essa energia para o podcast”.
Ouvinte assídua em momentos de masturbação, a tatuadora Júlia Montanarini, de 36 anos, descobriu os conteúdos eróticos em áudio por uma amiga ao desabafar sobre suas angústias diante dos filmes pornôs. “A impressão que me dá é que a mulher está sendo violada naquela situação. Não vejo isso no podcast. Tem poesia, humor, sensibilidade e, ao mesmo tempo, sacanagem. Cativa a nossa atenção e o nosso tesão”, diz.
Foi a promessa de uma “sexualidade mais vibrante” e com propósito que a Pantynova, marca de sex shop on-line, lançou mão, em 2018, de seu próprio podcast erótico, que já acumula mais de 733 mil starts (indicativo de quantas pessoas deram play)e 162 mil ouvintes. “Faltava muito conteúdo educacional na internet naquela época, e queríamos criar um ambiente que fosse confortável para os nossos clientes e para o público geral. Nunca focamos em aspectos físicos, porque isso é limitante, e a ideia é justamente deixar que o ouvinte erotize à sua maneira”, comenta Heloísa Etelvina, uma das fundadoras da empresa.
A narração sensual fica a cargo de Beth, persona criada pela marca e interpretada por Raphaela Luma: “Sempre tive um complexo com a minha voz por eu ser uma mulher trans, mas comecei a receber muito carinho e reconhecimento nas redes sociais pelo meu trabalho. É um verdadeiro prazer apresentar esse projeto”, conta ela.
Casada há 8 anos, a doula Paulina Riquelme, de 40, costumava assistir a filmes pornôs com o marido para esquentar o clima antes da transa. Após descobrir o erotismo em áudio da Pantynova, não quis mais saber de outra coisa. “A minha referência de pornografia era a pior possível, justamente por ser uma visão muito voltada ao prazer masculino.
E confesso que minha mente estava viciada nesse tipo de padrão”, afirma ela, que dispensa a presença do parceiro a cada play. “Sinto que os contos eróticos não me desrespeitam, são voltados para o meu prazer. É um momento que tiro para ficar comigo mesma, usar meus brinquedinhos. “
Já o “Textos putos” embalou o início do relacionamento da psiquiatra Clarice Paulon, de 35 anos, com o atual namorado.
O casal, que hoje mora junto, reunia-se para escutar o podcast a fim de apimentar a relação. “Ainda ouvimos, às vezes, para iniciar o sexo, mas também coloco para tocar independentemente da presença dele, em qualquer hora do dia, até mesmo quando estou cozinhando. Acho interessante a forma como ela pensa e narra a história, não só deixa o clima mais sexy, como também mostra o quão excitante é uma mulher excitada”.
E que fala por si.
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