NO RINGUE DOS ANÚNCIOS DIGITAIS
Empresas disputam palavras-chave do Google na justiça

Uma loja de roupas ocupa a calçada com balões, serpentina e cartazes de promoções em letras garrafais, cores berrantes e português duvidoso. Sua concorrente vizinha contra-ataca e escala um locutor fantasiado de Batman para circular pelo quarteirão com uma caixa de som portátil e anunciar liquidações em generosos decibéis. A disputa pela atenção da freguesia sempre foi acirrada no comércio de rua. Já o foco atual das grandes redes varejistas é o meio digital, com o crescimento do comércio eletrônico. Nessa seara, links patrocinados em plataformas como o Google se tornaram estratégias criativas – e muitas vezes decisivas – para atrair o consumidor. A novidade é que a concorrência pela clientela ganhou ares de vale-tudo na internet e foi parar na Justiça.
Os recentes processos entre Magazine Luiza e Via – dona de Casas Bahia e Ponto – com acusações mútuas de concorrência desleal no Google são só um exemplo. Brigas judiciais se tornaram comuns: levantamento da empresa de pesquisa jurídica Juit listou 505 processos contra companhias que compraram o nome de um concorrente com o link patrocinado.
JUÍZES VEEM VIOLAÇÃO DA LEI
O serviço do Google oferece a possibilidade de uma empresa pagar para que seu site seja exibido nas primeiras posições no resultado das buscas por determinado termo. Marcas usam isso para aumentar seus acessos e vender mais produtos. Quando o usuário digita “Magazine Luiza” no Google, por exemplo, o buscador devolve, como primeiro resultado, o link da varejista. O motor de busca permite, no entanto, que concorrentes comprem o nome dessa marca como link patrocinado. Na Justiça, a acusação é que ao escrever “Magalu”, o usuário acabava encontrando um link para Casas Bahia como primeiro resultado. A Via ( processou o Magalu por fatos similares,
Existem 657 decisões judiciais sobreo tema, 71% delas de segunda instância. Na maioria dos casos, o Judiciário entende que a prática viola a Lei de Propriedade Intelectual. Os processos envolvem muito dinheiro. Uma grande varejista gasta em média 2% do seu faturamento com marketing.
As disputas em diversos setores, do turismo às redes, de fast food a floriculturas vem de longe. Em 2014, o Groupon, extinto site de compras coletivas, processou o Hotel Urbano (hoje Hurb) no Tribunal de Justiça do Rio (TJ- RJ) porque a agência digital de viagens adquiriu a palavra “Groupon” na plataforma de links patrocinados do Google. Com isso, o primeiro resultado exibido a quem procurasse o termo era o site da Hurb.
Na primeira instância, o TJ-RJ concedeu tutela antecipada para que o Hurb interrompesse a compra do nome do concorrente. A empresa recorreu e, em 2018, os desembargadores ratificaram a sentença.
O tribunal entendeu que “a utilização do nome de marca concedida a empresa concorrente como palavra-chave (… ) caracteriza concorrência desleal, por permitir a atração indevida de clientela, com a confusão ao consumidor”. O Hurb foi condenado a pagar indenização de R$50 mil.
Procurado, o Hurb disse ter abolido a prática. E, inclusive, processa concorrentes em casos em que sua marca é que foi comprada como palavra-chave. Diz já ter obtido decisões favoráveis. “A empresa está acompanhando e agindo na defesa de seus direitos nos processos atualmente em curso e segue à disposição para fornecer demais informações necessárias”, afirmou em nota.
Mesmo com a mudança de comportamento de algumas empresas, a prática continua. Em 2010, não havia nenhum processo sobre o tema. Em 2021, foram 133 questionamentos judiciais, um recorde.
O MaxMilhas, site de passagens aéreas, passou pelo problema várias vezes e decidiu reagir: processou a agência de viagens digitais eDestinos. Em 2020, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que a agência deixasse de usar o nome “MaxMilhas” como palavra-chave de seus anúncios e pagasse uma indenização por danos morais, de RS20 mil. “Ao identificar prática de uso indevido de palavras-chave que possam confundir o consumidor da MaxMilhas em decisão de escolha, reconhecimento da marca ou mesmo trazer impactos financeiros, são realizados acompanhamentos e notificações em empresas para a imediata solução”, disse a empresa em nota.
Em 2021, uma briga envolvendo o nome do arquiteto Paulo Mendes da Rocha, morto no ano passado. A Futon Company pediu que o TJ-SP impedisse a WestWing de usar seu nome como palavra-chave no Google. No processo, disse ainda que a WestWing associava o termo “cadeira paulistano”, projetada por Mendes da Rocha nos anos 1950 e comercializada apenas pela Futon, como palavra-chave em seu site. O tribunal entendeu em junho de 2021 que se tratava de ”uso parasitário dos nomes” e concedeu uma cautelar determinando que a WestWing cessasse a prática. O processo não teve ainda julgamento sobre o mérito do caso.
Em nota, a WestWing afirma nunca ter usado o termo “Futon Company’ ‘em sua estratégia de adwards no Google, apenas “futon’, o nome de uma categoria de estofados e não de marca própria. A empresa afirma ainda que usou o termo ”cadeira paulistano” em uma matéria sobre design em seu site, já retirada do ar, e nunca em sua estratégia digital. E ressalta que o processo ainda não tem decisão final.
Entre as plataformas de links patrocinados em sites de busca, o Google é o líder, seguido por Bing, da Microsoft, e Yahoo. A compra de palavras-chave funciona como um leilão. Quem adquire primeiro paga mais barato e, como em uma corrida de Uber, o preço sobe se há aumento da demanda pela mesma palavra.
No geral, se uma empresa A compra o nome da concorrente B como palavra-chave para busca, vai pagar mais caro por que não tem esse termo em seus sites. Mas o preço daquela palavra sobe também para a dona da marca. Deoclides Neto, presidente da Juit, que mapeou os processos do tema, diz que uma agência de viagens chegou a desembolsar R$ 80 mil a mais por mês sempre que uma concorrente comprava seu nome no Google Ads.
”Tribunais entendem maciçamente que a prática é um ato feito por empresas que visam a retirar clientela do concorrente. As indenizações têm variado de RS5 mil a R$ 200 mil. Há casos em que se consegue coibir a pratica no mesmo dia em que ocorre”, diz.
Os processos geralmente envolvem as duas empresas, mas podem incluir as plataformas que permitiram esse tipo de estratégia. Nesses casos, as big techs podem ser condenadas de maneira solidária a pagar indenizações. Quem recorre das sentenças perde em 78% dos casos, segundo a Juit.
GOOGLE: NÃO HÁ CONSENSO
O Google afirmou que não restringe o uso de marcas registradas como palavras-chave, “mas limita seu uso no texto do anúncio, o que é permitido apenas ao detentor da marca ”Ao exibir duas marcas lado a lado, como acontece em uma gôndola de supermercado (…), estamos garantindo que o consumidor tenha os elementos necessários para fazer uma escolha informada sobre o produto ou serviço que está buscando. Entendemos que se trata de uma prática comum e legítima de concorrência no mercado”, afirmou a empresa em nota. Para o Google, não há consenso jurídico: “O assunto está em franco debate nos tribunais brasileiros”.
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