UMA ADAPTAÇÃO NECESSÁRIA
Empresas aderem ao remote first para contratar colaboradores de outros estados e até países, a fim de driblar a escassez de profissionais

Em tradução livre, remote first é “remoto primeiro”, ou seja, é a priorização do trabalho remoto nas empresas. Não é, como algumas pessoas podem confundir, o trabalho exclusivamente a distância: isso se chama Remote Only; e é outro tema. Remore first se refere, a empresas que priorizam o trabalho remoto, mas também têm colaboradores trabalhando presencialmente, e que podem ter um ou mais escritórios.
O remote first não é novo, mas ganhou muito mais terreno durante a pandemia, afinal várias empresas, ao serem obrigadas a aderir ao modelo home office, descobriram não só que é um formato viável, mas também que é mais vantajoso. Mas o remote first com certeza não é “pau para toda obra” e precisa ser aplicado da maneira certa para ser aproveitado. “O que é necessário para um remote first de sucesso não é muito diferente do que é necessário para um home office de sucesso: primeiramente; é preciso orientar os colaboradores sobre como manter um ambiente de trabalho em casa: Não é obrigação do colaborador saber tudo, e sim da empresa treinar como fazer a parte do ‘office’, o escritório, do ‘home office’. É preciso também que a empresa e os gestores entendam que o trabalho remoto ainda é trabalho, ou seja, toda a liturgia, a hierarquia, o comportamento, as regras, a forma de tratar os colaboradores continuam igual (supondo que estivesse funcionando, é claro)”, explica o presidente-fundador da NOUS Estratégia e Gerenciamentos Aplicados, consultor empresarial, professor de MBA em Marketing e Executive Leader; Coaching, Master Mentoring, Trainer & Coach Kahler Brasil e Leadership Abilities and Building High Performance Teams – Rockford College – Illinois, USA, Henri Cardin.
Em uma pesquisa da Acenture, 54% dos entrevistados se mostraram preocupados com a possibilidade de os colaboradores que trabalham presencialmente receberem tratamento preferencial. A mesma pesquisa aponta que 31% têm medo de os gestores não perceberem nem valorizarem as contribuições e as entregas dos colaboradores que trabalham remotamente. ”É papel dos gestores serem justos e imparciais com suas respectivas equipes, para viabilizar o remote first. Para isso, é imprescindível que os gestores sejam treinados para agir como líderes, para não serem centralizadores, controladores e especialmente não se prenderem e valorizarem demais somente o modelo presencial, um modelo que, para alguns setores, se tornará obsoleto em poucos anos”, avalia Cardin.
PONTOS IMPORTANTES
Para o fundador e CEO da Novatics, principal estúdio de produtos digitais do Brasil, Flávio Alves, essa forma de trabalho apresenta quatro desafios específicos que merecem atenção da gestão de equipes: eventual dificuldade de adaptação dos profissionais; aumento na necessidade de alinhamento de expectativas, exigência de melhores instrumentos para visibilidade do trabalho desenvolvido e eventuais perdas nas conexões entre pessoas e cultura.
Ao adotar esse formato desde a fundação da Novatics, há sete anos, a empresa já amadureceu significativamente no que diz respeito às estratégias de enfrentamento dessas dores. “Temos um conjunto de ações práticas e cerimônias que nos ajudam não só a superar os desafios impostos pelo trabalho a distância, mas também a realizar nosso trabalho com excelência em um clima organizacional que preza a motivação e o engajamento do time”, afirma.
Para lidar com a necessidade de alinhamento de expectativas, são realizadas conversas diárias e semanais nas quais acontecem o “check-in” com os times, para acompanhamento dos projetos e das tarefas em andamento. Assim, os colaboradores têm espaço e abertura para conversar sobre eventuais dificuldades que estejam enfrentando – ou compartilhar ações bem-sucedidas que tenham realizado e que podem inspirar outros colegas. Isso é fundamental para apresentar o status das atividades e o nível de confiança das entregas.
Os alinhamentos diários são parte do método ágil de desenvolvimento, adotado pela Novatics na elaboração de seus projetos. Além das conversas rápidas com o time,- a metodologia também considera o Kanban, um sistema visual que busca gerenciar o trabalho conforme ele se move pelo processo. “Somos uma empresa que realiza projetos criativos. Se eu descrever um aplicativo para um grupo de colegas, cada um vai imaginar a aplicação dos elementos de uma forma e será inviável chegarmos a um consenso de forma eficiente. Por isso, nossa comunicação precisa gerar o mais visual possível, para que todos possam enxergar o que os colegas estão propondo”, diz o CEO.
O uso do Kanban e de ferramentas de gerenciamento de projetos como Slack, Miro, Notion e Labor (prata da casa que serve para acompanhamento e mensuração de tempo desperdiçado para a realização de tarefas e projetos) favorece o treinamento de profissionais que eventualmente não sejam familiarizados com o esquema de trabalho remoto, ao mesmo tempo que possibilita maior transparência sobre o andamento do trabalho que é realizado.
TENDÊNCIA
Segundo o Tech Jobs Report, levantamento realizado pela Gama Academy, escola que forma profissionais para o mercado digital, 54% das empresas/ startups entrevistadas este ano vão manter seus colaboradores em home office nos próximos meses.
O remote first tornou esse processo mais fácil e ágil e hoje é possível recrutar colaboradores com qualificações técnicas em qualquer lugar do mundo.
O setor de tecnologia, por exemplo, foi um dos que mais cresceram e, por isso, o número de pessoas da área está cada vez mais escasso, De acordo com um estudo da MacKinsey, empresa de consultoria empresarial americana, cerca de três anos atrás, o número de vagas no setor era de 100 mil e este número pode chegar a 200 mil. A cada ano esse déficit tem aumentado em cerca de 30 mil a 40 mil vagas. Dessa forma, estima-se que, em 2024, serão cerca de 300 mil vagas em aberto. “Nós adotamos o modelo remoto assim que a pandemia iniciou, pela questão sanitária, em um primeiro momento. Essa nova realidade alterou o modo de vida das pessoas, pois estudos, compras e até mesmo consultas médicas passaram a ser realizados de forma on-line, e isso nos influenciou a nos adaptarmos rapidamente ao modelo remote first de contratação, porque percebemos que deu aos clientes a agilidade e a segurança para vencer desafios na velocidade que o mercado exige. Foi surpreendente como os clientes reagiram bem ao perceber os bons resultados de seus negócios”, explica o CEQ da Agility, empresa de inteligência em tecnologia, Fábio Soto.
Para avaliar a continuidade do remote first, Soto explica que foi mantido o olhar para os indicadores de produtividade e performance, e sobretudo para a capacidade de prestar serviços sem deixar de ter muita atenção às demandas do mercado e ao noticiário de saúde coletiva. “De tempos em tempos, fazíamos uma análise do nosso posicionamento e se deveríamos voltar presencialmente. Nessas análises entendemos que os resultados apresentados propiciaram o modelo remote first como sendo o oficial da Agility desde o fim do mês de agosto de 2021”.
A ateliware, empresa especializada no desenvolvimento de software customizado com sede em Curitiba-PR, por exemplo, definiu a aplicação do remote first já no início da pandemia e, mais que isso, viu nesta necessidade do trabalho remoto a oportunidade de expandir seus horizontes em busca de profissionais como engenheiros de software e designers UI / UX em todo o Brasil.
Atualmente a empresa conta com 75 colaboradores, sendo que, destes, mais de 20 residem em outros estados brasileiros, como Paraíba, São Paulo, Riode Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pará, Pernambuco e Goiás. “A ateliware está crescendo tanto no Brasil quanto internacionalmente e é mais que natural nos depararmos com a necessidade de ampliarmos também a nossa equipe. Assim, não há como negar que a estratégia remote first nos auxiliou muito nesse quesito e fez com que encontrássemos ótimos profissionais fora de Curitiba”, explica o CEO da ateliware, Manoel Souza.
CASO A CASO
O presidente da WSI Master Brasil, cofundador da WSI Consultoria e membro do Global WSI lnternet Consultancy Advisory Board, Caio Cunha afirma que o gestor terá que avaliar os cargos em que é necessário acompanhamento presencial, como treinamento e rotina diária, por exemplo. “Nesses casos é melhor que você esteja próximo de todos para não precisar repetir e perder a eficiência, mas acredito que na maior parte das funções é possível adaptar. Por exemplo, uma gerência superior, o gerente pode interagir criando vídeos, se comunicando através de gravações, ou fazendo conferências como no zoom. Então, você consegue se adaptar e viver nesse mundo, mas sabendo que o presencial é importante. Por isso que o tema é remote first, remoto primeiro, mas não apenas remoto”.
Para a gerente de sucesso do colaborador na 4blue, Andressa Araújo, a solução é contornar pela qualidade da comunicação e a qualidade da relação de confiança com os colaboradores. “Falamos muito sobre isso aqui na 4blue. Para nós, a relação de confiança é muito importante. Citamos sempre que estamos contratando adultos e que devem ser tratados como adultos. Por isso, se um colaborador diz que está realizando determinada tarefa, precisamos confiar na palavra dele. Quero reafirmar que isso só é possível justamente porque fazemos um processo seletivo bem amplo, bem aprofundado, com um volume grande de candidatos, mas com várias etapas”, considera.
O fato de a empresa fazer um processo seletivo mais refinado, na sua opinião, permite que eles acertem melhor, permite que tenham ainda pessoas com uma identificação, maior com a cultura e que bastam então confiar nas pessoas. “Temos alguns desafios em termos de RH, precisamos identificar onde intervir, de fazer um RH proativo, de saber como as pessoas estão, de saber como cuidar delas, pois essa é a forma como contornamos as dificuldades, utilizando relações de confiança”, pondera.
A 4blue entrou para o ranking GPTW I Melhores Empresas para Trabalhar, edição nacional 2021. como uma das melhores pequenas empresas para trabalhar. Hoje conta com 85 colaboradores de 49 cidades de Angola, Brasil, Canadá e Portugal, sendo o Brasil com o maior número.

VANTAGENS DO MODELO REMOTE FIRST
• Economia com a estrutura física.
• Ampliação das possibilidades de recrutamento e seleção e retenção de talentos.
• Para os colaboradores: menos tempo e dinheiro gasto com deslocamento até o local de trabalho.
• Maior autonomia e, em geral, maior qualidade de vida para os funcionários.
• Agilidade nas reuniões em relação aos deslocamentos dos próprios executivos da empresa.

“Pode ser bem controverso, mas eu diria que são tão poucos que são irrelevantes. Não significa que o remate first é perfeito, é claro. Muito pelo contrário: ele pode ser um desastre absoluto. Então, por que eu digo que os contras quase não importam? É simples: os contras, os problemas e até mesmo o tal desastre são apenas consequências de um modelo remote first mal implementado. E para isso existem soluções, algumas das quais já falamos aqui. Quando é aplicado corretamente, os prós do remote first são tantos que nem mesmo vale a pena discutir os contras”, finaliza Henri Cardim da Nous.

QUAIS OS PONTOS NEGATIVOS AO IMPLANTAR O REMOTE FIRST NA SUA EMPRESA?
“Pode ser bem controverso, mas eu diria que são tão poucos que são irrelevantes. Não significa que o remote first é perfeito, é claro. Muito pelo contrário: ele pode ser um desastre absoluto. Então, por que eu digo que os contras quase não importam? É simples: os contras, os problemas e até mesmo o tal desastre são apenas consequências de um modelo remote first mal implementado. E para isso existem soluções, algumas das quais já falamos aqui. Quando é aplicado corretamente, os prós do remote first são tantos que nem mesmo vale a pena discutir os contras”, finaliza Henri Cardim da Nous.
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