O QUE DETERMINA SE UMA CRIANÇA SERÁ DESTRA OU CANHOTA?
O fato de um lado do corpo dominar o outro na realização de atividades depende da predisposição genética e do meio

Nos primeiros três ou quatro meses de vida, os bebês usam as duas mãos indistintamente para segurar tudo ao redor. É um cérebro imaturo, com funcionamento primário e global. Aos 18 meses, começam a definir a lateralidade que será consolidada nos próximos anos. À medida que o cérebro do recém-nascido evolui, sua predisposição genética e seu ambiente natural vão moldando o domínio de uma parte do corpo, as extremidades superiores e inferiores, na realização de atividades de maneira funcional
Em relação à preferência manual, de 85% a 90% dos humanos apresentam lateralização destra. Deste percentual, 96% das pessoas que usam a mão direita têm domínio do lado esquerdo do cérebro para a linguagem. No caso dos canhotos, esse percentual seria de 70%.
A neuropsicóloga infantil Berta Zamora Crespo lembra que o cérebro nos primeiros anos de vida, é simétrico, “n]ao possui especialização de funções e, portanto, não têm uma dominância cerebral”. Quando crescemos, as necessidades aumentam.
“Por isso, precisamos que nosso cérebro amadureça e se especialize”.
Para adquirir essa especialidade, o cérebro inicia um processo de maturação. “Até os primeiros dois anos, realiza movimentos bilaterais simétricos, que visam descobrir o seu próprio corpo e os seus componentes”, diz ela, que explica ainda que entre as idades de 2 e 5 anos “há uma fase de alternância em que as crianças usam as mãos e os pés, muitas vezes indistintamente, com o objetivo de explorar o ambiente testando-se na realização das atividades”.
Depois, ela continua, “entre os 5 e 6 anos de idade, surge uma nova fase, denominada automação, em que dominam um lado do corpo que mais tarde se consolidará por experiências motoras e sensoriais e maturação cerebral”.
LATERALIDADE CRUZADA
A aquisição da lateralização afeta outras funções. Crespo explica que esse domínio “nos ajuda a otimizar nossos recursos cerebrais. Facilita o processo de aprendizagem cognitiva e o desenvolvimento psicomotor, ajudando-o a ser funcional e ideal”.
Quando a lateralidade não é definida em um dos dois hemisfério que determinam a terminologia destro ou canhoto, mas o lado esquerdo é utilizado para realizar algumas atividades e o direito para outras, ocorre a lateralidade cruzada.
“Isso pode afetar a organização e o desenvolvimento de funções superiores, principalmente a percepção espaço -temporal”, acrescenta a especialista.
Sobre o desenvolvimento da lateralidade cruzada Isabel Maria Medina Amate, psicóloga da saúde infantil, afirma que “é um distúrbio neurofisiológico relacionado às dificuldades de coordenação dos dois hemisférios, que leva a problemas de coordenação, lentidão na leitura escrita ou no cálculo mental”.
Nesses casos, uma das maiores “desvantagens” de quem a sofre são as dificuldades de rendimento escolar ou profissional. Muitos deles, comenta a psicóloga da saúde infantil, são descritos como “preguiçosos” ou “desajeitados”, com problemas de “atenção e concentração”. Circunstância que, ela prossegue, “impacta diretamente o seu meio social e familiar, em que é como o surgimento de problemas de comunicação e integração com os outros que podem levar a transtornos de ansiedade ou depressão se não houver um diagnóstico precoce”, afirma Medina Amate.
Uma vez descoberto o transtorno, “as escolas devem ser treinadas pua intervir e cumprir um protocolo de ação que atenda às necessidades de cada sujeito com lateralidade cruzada. As famílias também devem ter recursos especializados nesse tipo de transtorno., onde as pessoas possam descobrir, investigar, aprender e ter um espaço em que se sintam compreendidas e amparadas”, acrescenta a especialista.
As ações que seriam necessárias para casos dessetipo de lateralidade, conclui Isabel Maria Medina Amate, seriam através de um trabalho multidisciplinar (professor-família-psicólogo).
“Em relação ao campo educacional, eles estariam diretamente relacionados à suas próprias necessidades, com foco em processos como escrita, leitura, cálculo mental ou orientação espaço-temporal. Seria necessário envolver a família em todas as ações, atuando como eixo principal para auxiliar o sujeito a administrar todas aquelas consequências advindas desse tipo de transtorno, como baixa autoestima, estresse, ansiedade ou insegurança”.
Sobre a área das funções linguísticas e de que forma se relacionam com a lateralidade, Mabel Urrutia Martinez, da Universidade de Concepción, no Chile, explica que ”a lateralização da linguagem é contra-lateral no cérebro, ou seja, o lado esquerdo do cérebro, onde a linguagem se desenvolve predominantemente, está relacionado ao domínio do lado direito do corpo e vice-versa”.
Urrutia Martinez defende que se fale mais da especificação hemisférica do que do domínio da lateralização porque, como destaca, “na área das neurociências, sabe-se que os dois hemisférios estão ligados pelo corpo caloso, conjunto de fibras e nervosas que permitirá a integração e codificação das informações, unificando-as e dando-lhes sentido”.
A existência de uma assimetria lateral, afirma a especialista, “pode estar relacionada a problemas de leitura como dislexia, desempenho e capacidade de desenvolver a linguagem e a escrita devido à falta de coordenação olho- mão, bem como a operações simbólicas, como as matemáticas. Por outro lado, pode afetar a motricidade grossa, mostrando inabilidade motora ou dificuldade em ordenar as etapas de um procedimento”.
PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA
Na forma como a dominância se desenvolve na pessoa ao longo da infância, a predisposição genética tem destaque, questão que, embora as pesquisas ainda não tenham sido conclusivas. “é inegável que existe”, afirma Crespa.
Segundo ela, “a lateralização, como o resto dos processos do sistema nervoso central e do cérebro, segue uma sequência ordenada e temporal de maturação, que pode ser alterada ou modificada por fatores genéticos e ambientais, dando origem a distúrbios do neurodesenvolvimento. Assim, a genética precisa do meio ambiente, e vice-versa, para o desenvolvimento de um cérebro saudável para a especialização do cérebro e o surgimento dos processos neurocognitivos”.
Às vezes, o ambiente em que a criança cresce tenta modificar sua lateralidade latente, como é o caso daqueles que sofram da dominação manual. Isso é totalmente contraproducente para o desenvolvimento dela.
Mabel Urrutia afirma que é “importante que o bebê mostre sua preferência lateral e faça exercícios que potencializem essa tendência, mas nunca são aceitáveis práticas antigas em que a lateralidade esquerda tenta ser corrigida, como amarrar a mão, porque a criança tem grande probabilidade se tornar ambidestra. Da mesma forma, exercícios de estimulação cognitiva não são recomendados para potencializar a especialização de ambos os hemisférios”.
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