PACTO SOCIAL

Se em 2021 a vacina foi eleita a palavra do ano, em 2022 um dos tópicos mais frequentes das primeiras semanas tem sido o “pacto social” que ela representa, ou pelo menos deveria representar.
Vejo uma correlação direta deste pacto sobre o qual estamos falando na atualidade com o contrato social presente na obra do filósofo francês Rousseau, um dos precursores do iluminismo que nos faz refletir, entre outras coisas, sobre o quanto vontades individuais, embora precisem ser respeitadas, precisam ceder frente ao coletivo.
E essa discussão que estamos tendo exatamente agora entre as pessoas que se vacinam. Há quem se vacine por entender que este é um ato de responsabilidade. E que, ao fazê-lo, por mais que não goste das empresas fabricantes, não confie plenamente na eficácia, tenha medo de agulha ou qualquer outra razão, saiba que esse ato colabora não só para a sobrevivência individual, mas para a redução de mortalidade provocada pelo coronavírus coletivamente. Vide os números que mostram a eficácia cientifica. Estamos num momento em que o que é óbvio (ou o que parece ser) precisa ser dito e redito.
Por outro lado, ao ver colegas, parentes, desconhecidos ou ainda nomes consagrados se colocando como negacionistas antivax, nota-se que o pacto social não é tão óbvio assim.
O sérvio Novak Djokovic, tenista número 1 do mundo, é um dos exemplos mais marcantes. Por mais que isso possa prejudicar a carreira, recusa a se vacinar. Bem como o surfista Kelly Slater ou ainda Letítia Wright, atriz com grande destaque no filme “Pantera Negra” que afirma preferir deixar a Marvel do que tomar vacina. Uma pena.
Diante desse movimento antivax, persistente, alguns governos resolveram tomar medidas mais drásticas. A Itália tornou a vacinação obrigatória para pessoas com mais de 50 anos. Quando o pacto social por si só falha ao garantir um consenso coletivo, outras medidas acabam sendo tomadas.
Vacina sim porque vacina deveria ser vista não apenas pelo prisma de uma decisão individual, mas como parte de um acordo coletivo, para o bem comum. Algumas pessoas têm dificuldade de enxergar que a vida não é só sobre elas ou sobre suas próprias vontades.
Vejo muita similaridade quando levamos o pacto social para outras esferas. Como, por exemplo, em assuntos como o racismo estrutural. Numa mesa de bar, a gente fala que o racismo e o machismo são partes da estrutura social, reproduzida por todos. E aí alguém se manifesta dizendo: “Mas eu não sou racista. eu até tenho uma amiga negra”.
Se racismo tivesse vacina para combatê-lo, provavelmente estes mesmos diriam: Não preciso de vacina antirracista”.
Sinto que mesmo olhando uma outra questão, há semelhança nestes discursos com os dos antivax. Afinal, em ambos os casos muitos se esquecem que a vida não gira em torno deles. Se o rompimento do pacto social pelos antivax coloca em perigo a saúde coletiva, aqueles que negam a corresponsabilidade em causas estruturais também atrasam em muitas medidas a resolução de doenças sociais.
Se há um problema coletivo, há um problema que precisamos levar para esfera individual, ainda que muitos queiram se isentar disso. Devemos abrir mão da individualidade e assumir um problema coletivo do qual somos corresponsáveis. Espero que seja um legado da pandemia.
Para além da Covid, quem sabe essa forma de olhar o pacto social nos ajude a combater outros graves problemas e doenças sociais para as quais ainda não há vacinas.
*** LUANA GÉNOT
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