OUTRAS DORES DO PARTO
Vídeos com influencer põe em evidência violência obstétrica

Um vídeo do nascimento de Domênica, filha da influenciadora digital Shantal Verdelho, levou o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) e os Hospitais São Luiz e Einstein a anunciar ontem que Investigam a postura do obstetra Renato Kalil. As imagens, que começaram a circular depois de Shantal ter enviado o vídeo a amigos, mostram Kalil xingando a paciente e insistindo com rudeza para que ela fizesse mais força no parto. Depois da disseminação, a influenciadora disse que “tem vídeo dele me rasgando com a mão”.
“Faz força, porra” é uma das frases ditas pelo ginecologista e obstetra no parto da influenciadora, que durou cerca de 48 horas.
Um áudio vazado tem outros palavrões atribuídos a Kalil, que também aparece criticando a forma como Shantal faz força. A influencer responde, na gravação: “Eu estou fazendo. Eu sou a maior interessada nisso”.
“Ele me xinga o trabalho de parlo inteiro. “Filha da mãe, ela não faz força direito. Viadinha. Que ódio. Não se mexe, porra'”. Depois que revi tudo, foi horrível”, comenta a influencer, que tem mais de 1,5 milhão de seguidores, no áudio.
Na mesma gravação, Shantal conta que Kalil não teria gostado de sua recusa em realizar a episiotomia, procedimento cirúrgico no períneo para facilitar a passagem do bebê. E acrescenta que Kalil falou de sua vagina para terceiros, perante o marido.
“Tem o vídeo dele rasgando com a mão, a bebê não estava nem com a cabeça lá, não tinha a menor necessidade, era só para eu ficar toda arrebentada e ele falar “viu como precisava”, relata a influenciadora.
“Ele chamou meu marido e falou: “olha aqui, toda arrebentada. Vou ter que dar um monte de pontos na perereca dela”.
Em nota, Kalil disse que tem 36 anos de experiência e defendeu seu trabalho no nascimento de Domênica.
“O parto da sra. Shantal aconteceu sem qualquer intercorrência e foi elogiado por ela em suas redes sociais durante trinta dias após o parto”, afirma o comunicado, que diz que o vídeo é “editado, com conteúdo retirado de contexto”.
“A integra do vídeo mostra que não há nenhuma irregularidade ou postura inapropriada durante o procedimento. Ataques à sua reputação serão objeto de providências jurídicas, com a análise do vídeo na íntegra”, diz a nota em nome do obstetra.
As investigações sobre Kalil são sigilosas, diz o Cremesp. O Hospital São Luíz, onde ocorreu o parto, informou que “reitera seu compromisso em coibir qualquer comportamento inadequado a prática médica”. O Einstein declarou que iniciou uma avaliação interna sobre a conduta do ginecologista. As duas instituições informaram que não receberam reclamações oficiais.
A especialista Mariana Ferreira, da Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras, diz que viu várias condutas impróprias no vídeo: agressão verbal, puxo dirigido (pedir para a mulher fazer força) e expor a intimidade da paciente.
“O parto acontece naturalmente, independente do médico, não é correto pedir para a mulher fazer força além do possível. O machismo e violência com a qual o médico se refere à influenciadora é abominável na medicina e em qualquer outra área”, critica.
Para a médica, nos partos em que há a necessidade de intervenção no canal do períneo, o correto é dar pontos necessários para conter sangramentos e a musculatura da área, sendo repudiado o famoso “ponto do marido”:
“Os partos em que há dilaceração devem ser reparados para evitar eventuais complicações e lesões musculares, mas nunca pensando no sentido de que a vagina precisa ficar mais apertada para satisfação sexual do companheiro.
Um estudo com 4,2 mil gestantes em Pelotas (RS), em 2015, mostrou que 18,3% sofreram ao menos um tipo de violência ao longo do trabalho de parto. A análise foi feita por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas e do Centro Latino-Americano de Perinatologia, ligado à Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
Outra análise de pesquisadores da Fiocruz, da Uerj e da Universidade Federal do Maranhã aponta que a falta de uma terminologia específica – nem sempre o termo violência obstétrica é ousada – somada à falta de definição do que constitui a irregularidade impedem políticas que previnam que mais mulheres sejam submetidas a agressões e situações vexatórias no parto.
“Essas mulheres procuram menos o serviço de saúde após o nascimento do bebê e sofrem impacto na amamentação”, diz Tatiana Henriques, professora do departamento de Epidemiologia da Uerj.
Por não ser caracterizada como crime, a advogada Rachel Serodio, especialista em direitos da mulher explica que a violência obstétrica pode ser denunciada a partir de outras prescrições do Código Penal, como lesão corporal ou difamação:
“Todo tipo de agressão sofrido pela pessoa gestante durante o parto pode se enquadrar em algum crime.
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