ANTIPATIA É QUASE AMOR
Nada contra os simpáticos, mas quero destacar os tímidos e os inadequados

Fui secar a louça e estava escrito “good vibes” no pano de prato. Nisso, recebi spam com “Os 100 Segredos das Pessoas Felizes” e, na mesma tarde, tomei fechada de um carro cujo adesivo perguntava: “Já sorriu hoje?”.
Peraí, gente. O ano mal virou. É como se apontassem um emoji de gratiluz para nossa cabeça. “Mãos ao alto! Faz o coraçãozinho. Você está cercado!”
Não é de hoje que vivemos a era dos sorrisos implacavelmente brancos, de brodagem de guerrilha nas redes e de figuraças exuberantes que são o centro das atenções e das lives, Uma genteboíce compulsória que tem como lema “urru”, “TMJ”, ou tamo junto.
Nada contra o simpático, essa criatura fofa e supostamente aberta ao outro, que viveu numa performance pública e constantemente gracinha. No entanto, peço licença para destacar outra classe que reúne os tímidos, os inadequados e os que suam nas mãos – os que, por falta de empatia coletiva, são rotulados de “antipáticos”.
Do filósofo Schopenhauer ao smurf Ranzinza, há toda uma gama desses seres polêmicos e pouco empolgados que existem à margem da simpatia-ostentação, ainda assim capazes de exercer fascínio. Do contrário não amaríamos tanto – na vida e nos filmes – professores durões que ensinam uma lição, mordomos frios que leem poesia escondidos e até alienígenas cruéis que, na hora H, desistem de exterminar nosso planeta.
Um dos casos mais contundentes da crônica antipática brasileira é o da bolete Zulu, dona de uma luz própria que emanava não de lantejoulas de seu collant, mas do fato de jamais sorrir enquanto bailava no palco do ‘Clube do Bolinha’.
De cara, sempre amarrada, virou fenômeno. Mais de 30 anos depois, porém, um programa sensacionalista revelou ao Brasil que Zulu ria sim, mas por dentro. Tinha paralisia facial.
Cada pessoa tem seu jeito, seu tempo, seus motivos. Ao aceitar isso, passei a me dedicar às amizades mais difíceis. Tipos monocórdicos e desanimados já me salvaram de perrengues e ofereceram ombrinhos confortáveis, enquanto populares eram e carnavalizantes nem tchuns. Isso sem falar nos elogios deles – que, de tão raros, são preciosos. Dá vontade de emoldura-los na parede ao lado da plaquinha de “cuidado, cão bravo”.
Em 2022, que a gente saiba valorizar os não facinhos. Vamos convidá-los para mais festas – e, se não aparecerem, tudo bem. Às vezes dá preguiça. TMJ. Sem o urru. Ou com um
Pouquinho de urru. Faz parte.
*** BIA BRAUNE
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