PESSOAS ALTAMENTE SENSÍVEIS
Conheça os indivíduos que aliam empatia e superpoder sensorial

Carolina não faz nenhum esforço para perceber como estão as pessoas da sua equipe na empresa. É conhecida por ser alguém capaz de se colocar no lugar do outro. Vê conexões onde ninguém vê, percebe padrões complexos e sente o ambiente. Por outro lado, faz, sim, esforço para lidar com mudanças súbitas, tomar decisões mais rapidamente e suportar o barulho do ar-condicionado.
Estas não são características da personalidade de Carolina. Tanto os aspectos positivos quanto os negativos fazem parte de um traço maior presente em cerca de 20% ou 30% da população: ela é uma Pessoa Altamente Sensível, também conhecida por aqui como PAS, e nasceu assim. São indivíduos mais suscetíveis a estímulos internos, como emoções afloradas, e externos, como barulhos altos, cheiros fortes, muitas luzes ou superfícies ásperas.
O termo foi elaborado ao longo de décadas de pesquisa pela psicóloga americana Eliane N. Aron, autora do livro “Pessoas altamente sensíveis”, que já vendeu mais de um milhão de exemplares no mundo e está sendo relançado no Brasil pela editora Sextante. Carolina descobriu na terapia que era uma PAS e depois passou a pesquisar sobre o tema.
“Foi muito libertador saber desse conceito, foi um momento de muita alegria, senti que encontrei explicações para entender minhas reações ou aprender a lidar com as situações. Hoje consigo perceber quando estou superestimulando meu cérebro, preciso reduzir o estímulo e estabilizar. É incrível entender esse mecanismo dentro de você. E saber que existe mais gente assim”, conta ela, que prefere não ser identificada pelo nome real por questões profissionais.
SUPERPODER SENSORIAL
Aron usa a sigla DOES, em inglês, para explicar os principais aspectos de uma pessoa PAS. Dele “deep processing” ( processamento profundo), indica que toda informação que chega a essa pessoa é processada detalhadamente. Por exemplo: uma decisão envolve centenas de aspectos ou um feedback no trabalho e verbera internamente por dias. A letra O significa “overstimulation” (estimulação em demasia, que afeta os sentidos). Se por um lado a pessoa parece ter um superpoder sensorial (como ouvir melhor uma música, ou sentir cheiros que ninguém percebe), por outro, seu limite aos estímulos é menor.
O E é a empatia, um dos traços mais marcantes dessas pessoas, pelas quais frequentemente são reconhecidas. É como se sentissem mais, pensassem mais e se importassem mais. É aquela amiga que acolhe, mas que se magoa mais facilmente. Por fim, vem o S de sensibilidade, não só relacionada às emoções, mas também aos estímulos.
VISÃO NEGATIVA
Embora uma maior parte dos estudos indique que ser PAS é um traço maioritariamente positivo, segundo Aron, essas pessoas muitas vezes são alvo de uma visão negativa e tachadas como frágeis, fracas ou tímidas (embora 30% delas sejam extrovertidas).
“A maior parte do mundo pensa que há um problema com a gente. Crescemos acreditando que há algo errado, nos sentimos diferentes, o que às vezes é difícil. Por isso é comum entre PAS haver problema da baixa autoestima. Mas quando entendem quem são e porque, deixam de ver a sensibilidade como um problema. As pesquisas mostram que é um traço favorável”, disse Elaine Aron.
A psicóloga Maila Flesch é certificada por Aron como terapeuta para PAS e atende essas pessoas há mais de 15 anos. Ela explica que não tenta “normalizar” seus pacientes. O caminho que segue é fazer com que a pessoa descubra quem, como funciona, se respeite, aprenda o lado positivo e crie ferramentas para viver melhor.
“A maior parte das pessoas nunca ouviu falar disso. Não se trata de um traço da psicologia, é uma sensibilidade no processamento sensorial. Uma PAS é diferente da outra, porque as pessoas não têm a mesma personalidade. Busco trabalhar no empoderamento dessas pessoas, que têm muito a oferecer, mas, para isso, precisam estar bem com elas mesmas.
Essas ferramentas têm sido descobertas em conjunto no seu consultório. Como o executivo que passou a usar a pausa do café entre uma reunião e outra para se recolher dez minutos no carro, em silêncio, reduzindo estímulos. Ou a outra pessoa que leva um tampão de ouvido para algum lugar em que o barulho é, para ela, excessivo.
Aron dá algumas orientações para viver melhor sendo PAS. A primeira é acreditar, se informar e aceitar não ser igual a maioria. A segunda é conhecer outras pessoas altamente sensíveis, em busca de reafirmação. Depois, reformular sua história, entendendo decisões e falhas do passado. Por fim, mudar o estilo de vida, ou adaptá-la.
Para a psicóloga, no mercado de trabalho onde há exigências, como suportar estresse, tomar decisões rápidas e fazer tudo funcionar, acaba passando despercebido o valor de quem traz criatividade, vê coisas que os outros não veem, melhora o moral da equipe e entende os sentimentos dos outros.
“Se a gente quer um mundo com profundidade nas relações, nas decisões, nos ensinamentos, nos produtos, precisamos empoderar pessoas PAS. Fomos tirados de papéis tradicionais como educadores, médicos, artistas, advogados e funcionários públicos em troca de educar um número maior de crianças, atender pacientes e clientes mais rapidamente. Mas isso explica também por que temos, mais reclamações nessas áreas: porque a sensibilidade foi colocada de lado em busca de mais quantidade e menos qualidade.
Aron conta que certa vez estava com a cantora canadense Alanis Morissette, PAS assumida, e ela desabafou: “Pelo amor de Deus, apenas nos deem um tempo”.

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