ENTRE A CARREIRA E A FAMÍLIA, ELAS ESCOLHEM AS DUAS
Mulheres que resolveram empreender para voltar ao mercado de trabalho após se tornarem mães investem em consultorias e startups que ajudam outras empresas a transformar a visão da maternidade no mundo corporativo
Por muito tempo, boa parte das mulheres seguiu o mesmo script: investem e avançam na profissão; aí vêm os filhos – outro projeto que abraçam com afinco – e a carreira para. Ou o mercado se fecha. E percebem que falta empatia em relação a elas, profissionais que viram mães. No entanto, recentemente esse tipo de roteiro começa a ganhar novos desfechos com o protagonismo de mulheres que, depois da transformação da maternidade, resolveram transformar o mundo corporativo. Com elas, florescem consultorias e aceleradoras de startups nas quais atuam mães que, entre carreira e família, escolhem as duas.
A maioria desses negócios surgiu nos últimos seis anos ou menos e se expandem com o apelo crescente de um mercado mais inclusivo e com equidade de gênero. Com a pandemia, houve um salto. Quando, para quem teve essa opção, o trabalho foi para casa, crianças reviraram a rotina, apareceram nas videoconferências e a maternidade saiu do armário.
“A pandemia escancarou as dores e os desafios que transpareciam só nas olheiras das mães, e não deu para disfarçar mais. Os homens também viveram isso com as crianças em casa. O desempenho de equipes foi afetado. Por outro lado, motivou as pessoas a falarem muito mais do tema”, diz Daniela Scalco, CEO e fundadora da consultoria ParentsIn.
Daniela entrou duas vezes para as estatísticas mais comuns sobre mulheres e trabalho. Saiu do mercado depois de ter filhos – o que acontece após 24 meses com quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ao retornar, decidiu empreender – 75% das empreendedoras decidiram ter negócio próprio depois de virarem mães, mostra levantamento do Instituto Rede Mulher Empreendedora.
NEGÓCIO É A SAÍDA
A ParentsIn é o “terceiro filho” de Daniela, mãe de dois meninos, de 8 e 6 anos. A consultoria nasceu em 2019 justamente com a meta de trazer mil mulheres de volta ao mercado em três anos. A consultoria faz a ponte entre empresas e profissionais que buscam viver carreira e filhos juntos. A demanda, diz, tem crescido dos dois lados. E as contratadas viram porta-vozes da causa na nova posição.
“Uma coisa que me chamava a atenção era que muitas mães que começam a empreender faziam isso não porque queriam, mas porque não conseguiam retornar ao mercado. Não era possível que não existisse um caminho de volta – relembra Daniela.
As redes sociais também têm amplificado esse movimento. Entre postagens no LinkedIn sobre exaustão e como a pandemia fez retroceder a patamares de 30 anos atrás a participação das mulheres em um mercado de trabalho já desigual, a campanha #meufilhonocurrículo viralizou mês passado com essa hashtag. A sacada foi da consultoria Filhos no Currículo, que convidou mães e pais a contarem as habilidades adquiridas com o nascimento dos filhos como potências profissionais.
“Foram mais de 40 mil interações no início da campanha. Conseguimos entrar em fóruns e discussões onde isso não estava em pauta e trazer o tema para reflexão em um momento de planejamento para 2022, quando empresas estão repensando políticas, benefícios e metas de equidade”, diz Michelle Temi, CEO e cofundadora da Filhos no Currículo.
Seu enredo também é comum a muitas mulheres: depois dos dois filhos, que hoje têm 6 e 4 anos, Michelle repensou vida e trabalho. Deixou o emprego em uma multinacional para se dedicar ao papel de mãe . Movida pelas reflexões da maternidade, debruçou-se sobre o impacto da chegada dos filhos na carreira de mulheres. Conheceu a sócia e também mãe Camila Antunes, e aí os scripts sem misturaram. A Filhos no Currículo nasceu em 2018 e ajuda empresas a construir um ambiente pró-família e acolher a mães e pais.
“O exercício diário da parentalidade é um convite a nos revisitarmos e a fazer um trabalho de desenvolvimento pessoal. Quando as empresas criam um ambiente que acolhe essa transformação, têm pessoas mais felizes trabalhando”, afirma Michelle.
MOVIMENTO SEM VOLTA
A ausência desse espaço, por outro lado, leva mães a buscar outras alternativas. Uma pesquisa da Filhos no Currículo com a Talenses Group com 742 mães que trabalham mostrou que 60.7% fizeram um curso de capacitação e 44,8% participaram de um processo seletivo durante a pandemia.
Quando começou com a B2Mamyi, aceleradora de startups para mães, em 2015, o terreno era pouco explorado, lembra a CEO Dani Junco.
“Quando fui no primeiro evento sobre inovação, disseram que ser mãe e ter uma startup era impossível. Saímos de 80 mulheres em 2015 para 50 mil na nossa rede. Hoje as empresas aportam capital para falar sobre inclusão. O olhar do feminino está entrando na cultura corporativa”, destaca Dani.
As consultorias a empresas representam metade do faturamento atual da B2Mamy, diz a empresária:
“Entrou uma agenda ESG forte e as empresas estão sendo cobradas por isso, inclusive financeiramente. É um movimento sem volta”.