O HYPE DO VAPE
Jovens influenciadores fazem propaganda de cigarro eletrônico nas redes sociais, mostrando que a indústria tabagista dá roupa nova a velhos hábitos prejudiciais à saúde

Moças e rapazes jovens, magros e sorridentes na balada, ao iate, em frente ao espelho com seus looks do dia e no restaurante com um drinque à mesa. A cereja do bolo ao feed do Instagram é o novo cigarro eletrônico. No vídeo, então, o vapor que sai da boca em câmera lenta ganha ainda mais likes. Imagens como essas são cada vez mais frequentes em uma turma cooptada pela indústria tabagista para reproduzir velhos hábitos nocivos sob novas roupagens. Se antes o marketing era feito em cima da figura do caubói soltando a fumaça do “Marlborão”, hoje ele se concentra em nanoinfluenciadores (pessoas com até dez mil seguidores) das redes sociais, que expelem vapor pelos cigarros eletrônicos. O crescimento de jovens usando os chamados DEFs (sigla para “dispositivo eletrônico para fumar”) tem preocupado especialistas.
“Hoje, no novo contexto de redes sociais, jovens de certa fama são usados como veículos de propaganda. Foi exatamente o que aconteceu em Hollywood no passado”, diz a médica Tânia Cavalcante, secretária-executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção – Quadro para Controle do Tabaco e seus Protocolos no Brasil (Conicq), vinculado ao Instituto Nacional do Câncer.
A legislação brasileira não proíbe o uso de cigarro eletrônico, mas, desde 2009, é vedada a comercialização e a propaganda desses dispositivos, algo que é feito livremente no Instagram. Moças e rapazes marcam com frequência suas “lojas” preferidas e muitos se dizem até embaixadores de determinadas marcas, que se vendem como alternativas eficazes no combate ao tabagismo”.
De biquíni verde-água. com uma piscina azul ao fundo, a curitibana Julia Zarth que se descreve como “advogada, skydiver e aquariana”, posa com o vaporizador vermelho e a legenda “Curtindo meu nikbar1500 puffs. Meu sabor preferido é o ‘straberry ice’ e vc-s, de qual gostam?”. Vanessa Vaper, influencer da fumaça que investe pesado nos vídeos, faz propaganda de sabores e modelos diferentes do cigarro e ainda alerta sobre a importância de não compartilhar “o vape” em tempos de pandemia.
Procuradas pela reportagem, as duas e outras seis influenciadoras não quiseram dar entrevistas. Algo curioso para quem defende tão abertamente nas redes essa nova forma de tabagismo.
Para Gisele Birman Tonietto, do departamento de Química do CTC/PUC-Rio, o discurso da moçada do vaporizador é uma falácia para induzir toda uma geração que rejeita o cigarro tradicional a acabar viciada do mesmo jeito. ”Há uma adequação a linguagem dos influencers, mas, a rigor, é a velha propaganda enganosa. Eles vendem como uma coisa mais limpa, menos tóxica, mas isso é completamente errado, diz Gisele.
O cozinheiro Mateus Henrique, de 22 anos, de Juiz de Fora, é um usuário do cigarro eletrônico que sente os apelos do aparelho, criado no exterior há cerca de duas décadas, mas com popularidade em ascensão. Fumante há dois anos, ele prefere essa versão moderna porque não tem o cheiro forte do cigarro tradicional e ainda pode ter sabor (há refil que imita o gosto até de creme brulée). “Peguei essa fase bem no comecinho, mas cresceu muito no Instagram”, diz o jovem, que tem tentado convencer a mãe, fumante do cigarro tradicional, a trocar pelo vapor.
Essa é, inclusive, uma das abordagens de muitos países que liberam indiscriminadamente o uso dos eletrônicos: ajudar fumantes a abandonarem o cigarro tradicional, com alcatrão e monóxido de carbono. No Brasil, a conduta foi outra, já que a “redução de danos” para os fumantes poderia levar a um aumento em massa de novos jovens viciados em nicotina.
“Assim como o cigarro tradicional, o eletrônico aumenta risco de infarto e AVC. É trocar seis por meia dúzia. O que não traz danos à saúde é parar de fumar”, diz a cardiologista Jaqueline Scholz, diretora do programa antitabagista do Incor, em São Paulo. Além disso, o vapor passa pela bateria, que contém uma série de metais cujos efeitos no corpo, a longo prazo, são desconhecidos. Ou seja, melhor não entrar nessa onda.

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