‘MEU FILHO, NÃO SAIA DO CELULAR’
Pesquisas dizem ser benéfico o tempo de tela, mas não deixe de ler esta reportagem até o fim

Com apenas 5 anos, Lucca Argentino Martins liga o tablet e coloca em seu jogo favorito. Na televisão, entra no YouTube para assistir seu programa preferido, o canal de dois meninos que gravam vídeos sobre um jogo eletrônico. Sim, um game, o já clássico Minecraft. Lucca é um legítimo nativo digital. Nasceu em um mundo de smartphones e tablets.
O tempo que crianças e adolescentes gastam em frente às telas é uma preocupação para pais, educadores, médicos e autoridades de saúde. O receio não é infundado. Afinal, nas primeiras duas décadas de vida, o cérebro ainda está em formação e maturação.
Ainda assim, nos últimos anos, em especial após a pandemia, ganhou espaço a ideia de que o uso da tecnologia durante a infância e adolescência não é de todo ruim. Para o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), as novas tecnologias possibilitam o acesso a uma gama inédita de conhecimentos. Também ajudam no desenvolvimento do raciocínio espacial e em uma maior rapidez de resposta a certos estímulos.
REDE DE AMIGOS
Uma nova pesquisa, liderada por uma equipe do Instituto de Genética Comportamental da Universidade do Colorado, em Boulder, nos Estados Unidos, analisou dados sobre a saúde infantil e o desenvolvimento do cérebro de quase 12.000 crianças com idades entre nove e dez anos.
Os resultados mostraram que mais tempo de tela estava relacionado a maiores redes de amizade. Os pesquisadores testaram a hipótese de que “a natureza social do tempo de tela fortalece os relacionamentos entre oscolegas e permite que eles permaneçam conectados, mesmo quando separados”.
É o que aconteceu com a estudante Naomi Gibin Tamura, 15 anos, aluna do 9º ano da escola Móbile Integral, em São Paulo.
“Na pandemia eu sentia necessidade de falar com as minhas amigas mais próximas. Começamos a fazer ligações de vídeo para contar tudo o que estava acontecendo na nossa vida. Depois começamos a fazer isso para estudar ou enquanto a gente se arrumava para a aula de balé. Às vezes até almoçávamos juntas e acabou se tornando meu momento de integração com o pessoal da minha idade. O que era estranho se tornou um hábito que continua até hoje”, conta a estudante.
“SCREEN HIGH”
Outro estudo, feito pelo Oxford Internet Institute, ligado à Universidade de Oxford, no Reino Unido, baseado em dados de mais de 35.000 crianças e seus cuidadores, sugere que aqueles que passam entre uma a duas horas por dia envolvidas em atividades com televisão ou dispositivos digitais têm melhores níveis de bem-estar social e emocional.
Uma das vantagens sempre lembradas do uso de dispositivos on-line por crianças e adolescentes é a ciência na tecnologia que eles proporcionam. Para a educadora Tatiana Almendra, diretora da Móbile Integral, é verdade que novos saberes entram no espaço escolar por vias digitais.
EXAGEROS
Para aqueles pais que deixam seus filhos ficar horas sem fim em frente à tela e já estavam começando a se sentir menos culpados com essa reportagem, uma ressalva de grande importância. Como diz Nabuco, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), tudo é uma questão de equilíbrio. Tempo em excesso causa, sim, grandes problemas para crianças e adolescentes. A lista inclui uma série de prejuízos para a saúde e o bem-estar, incluindo aumento do risco de miopia; problemas com habilidades de comunicação, resolução de problemas e interações sociais, problemas para dormir e até aumento do risco do desenvolvimento de doenças mentais, como depressão e ansiedade.
O QUANTO É MUITO?
É por isso tudo que muitos pais e mães vivem se perguntando o que é considerado uso excessivo. Em sua recomendação mais recente, a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda evitar a exposição de crianças menores de 2 anos às telas, nem mesmo a de televisores. Depois dessa idade, a TV pode ser liberada, mas no máximo durante uma hora por dia. Smartphone próprio, ou tablet, tão somente depois dos 8 anos, e sempre com vigilância.
Entre seis e dez anos, o tempo de uso diário pode ser prolongado para até duas hora e, entre 11 e 18 anos, a recomendação é limitar o tempo de telas e jogos de videogames a até três horas por dia – o que é tarefa quase impossível em muitos lares.
“O que a gente costuma dizer é que as atividades on-line não devem se sobrepor ao que eles devem fazer na vida off-line porque isso faz com que esses jovens percam experiências extras que envolvem relacionamento e apresentação de situações são imprevisíveis que são importantes para a resiliência psicológica”, diz Nabuco.
Na Móbile Integral, por exemplo, apesar da incorporação de dispositivos digitais no ensino, o uso de smartphones é controlado nas dependências da escola.
O depoimento de Tatiana Almendra, a diretora, é ilustrativo por expor a experiência de quem está na linha de frente dessa questão.
A escola entende que toda criança e adolescente precisa de controle e limite. Por anos, os estudantes do sexto ano puderam usar celular na escola durante o recreio.
“O problema foi que nós fomos reconhecendo que isso era prejudicial para eles. Eles deixavam de interagir pessoalmente e interagiam apenas via celular ou por meio de jogos digitais. Nós analisamos isso conjuntamente e eles mesmos reconheceram este movimento. A solução encontrada foi postergar a possibilidade do uso do celular nestes espaços de socialização e interação para quem chegasse ao oitavo e nono ano.
“Esse é o papel do adulto. Reconhecer quando a tela está impedindo essas crianças de explorar outras experiências que também são fundamentais no seu desenvolvimento”, completa a educadora.

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