QUANDO A PISCINA É MORTAL
Em casa ou em clubes, há riscos para as crianças

Os empresários Ivan Franzen e Liane Pegorini, pais de Laíse Pegorini Franzen, de 10 anos, ainda tentam assimilar o que aconteceu na terça-feira, quando perderam a “princesinha da família”, como ela era chamada pelo casal e os dois irmãos. Presa pelos cabelos após ter sido sugada pelo ralo da banheira de hidromassagem de casa, em Faxinal do Guedes (SC), a menina se afogou e morreu a caminho do hospital.
O caso na cidade de pouco mais de 10 mil habitantes chamou a atenção para a necessidade de maior divulgação de alerta dos riscos que equipamentos de lazer podem trazer às crianças – mesmo as que sabem nadar. As histórias e os números mostram que incidentes como o que matou Laíse são muito mais comuns do que se imagina.
SABER NADAR NÃO BASTA
Um levantamento da Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (Sobrasa) com dados do SIJS, publicado este ano, mostra que 1.460 crianças morreram por afogamento em todo o país em 2019. Destas, 59% em piscinas ou equipamentos similares na própria casa. O estudo aponta ainda que o afogamento é a segunda causa de morte mais frequente entre as crianças de 1 a 4 anos atrás apenas de pneumonia; a terceira causa entre crianças de 5 a 14 anos; e a quarta entre jovens de 15 a 24 anos.
Laíse era escoteira e sabia nadar. Nas fotos publicadas pelos pais, a menina sempre aparece se divertindo em piscinas, cachoeirasou no mar, ao lado dos irmãos. Mas apenas experiência, alertam os especialistas, não seria o suficiente para evitar um incidente técnico. A pesquisa publicada pela Sobrasa informa que a sucção da bomba em piscinas é a maior causa de morte de crianças de 4 a 12 anos que, mesmo sabendo nadar, se afogam no Brasil.
“A cada três dias uma criança de 1 a 9 anos morre em casa afogada, e isso é muito grave. São afogamentos não só em piscina, mas também em tampa de cisterna aberta, caixa d’água aberta, banheiras. A razão principal de os pais colocarem as crianças na natação é a segurança aquática. A partir disso, acaba havendo um relaxamento natural. Mas é preciso estar atento a todos os riscos. Mesmo com a criança sabendo nadar, é preciso continuar com a prevenção a acidentes e que haja divulgação sobre estes procedimentos”, alerta David Szpilman, diretor do Sobrasa e médico do Corpo de Bombeiros do Rio, que durante anos trabalhou atendendo vítimas de afogamento na corporação e também no Hospital Miguel Couto, onde chefiou o CTI.
Tanto em banheiras de hidromassagem como em piscinas, a orientação é de que esses equipamentos tenham mais de um ralo para bombear a água, o que impede o vácuo que pode acabar prendendo uma pessoa. Além disso, há ralos antissucção, para impedir que o cabelo seja puxado. A tampa é exigida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) em piscinaspúblicas. Mas muitas dessas informações, assim como orientações sobre não deixar as crianças sozinhas, cercar piscinas e manter as bombas desligadas durante o uso, não chegam ao conhecimento dos pais, segundo especialistas.
Antônio Santos, de 62 anos, sentiu a mesma dor dos pais de Laíse em 2011. Professor de educação física e de natação há mais de 30 anos, Antônio não estava presente quando sua filha Luiza, também de 10 anos, teve o cabelo puxado pelo ralo de uma piscina de condomínio em uma festa de aniversário de uma amiga. Depois da morte da menina, ele passou a dedicar a vida a espalhar o máximo de informações de prevenção a seus amigos e aos pais dos alunos. Hoje, está à frente do projeto Piscina + Segura, um braço da Sobrasa.
“A natação é uma maneira de se prevenir, mas não é uma garantia. A minha filha sabia nadar, mas havia ali um risco que potencializou a chance de afogamento”, contou Antônio. “Quando perceberam que estava se afogando, ela já devia estar debaixo d’água há muito tempo, e as pessoas não sabiam fazer um suporte básico de primeiros socorros o que também foi fatal. O ralo era único e muito pequeno, o que ainda aumentou o poder de sucção”.
Antônio conta que o trabalho do projeto, em escolinhas de natação, de surfe e em escolas municipais, teve o foco da abordagem mudado: de dar orientações de resgate passou a ser mais concentrado na prevenção dos acidentes e no conhecimento dos riscos. Hoje, os participantes se tornaram referência, dão palestras e têm voluntários pela América do Sul e Europa.
“Depois que aconteceu essa tragédia, eu não vi outro caminho na minha vida a não ser continuar a estudar a fundo isso. Ou me entregava à tristeza ou ia fazer algo útil para mim e para a sociedade. Comecei a estudar e ver o que era feito no mundo em termos de prevenção. Eu, por exemplo, tinha uma piscina em casa, que sempre foi cercada, mas não sabia que o ralo poderia causar um acidente”, afirma.
Flavia Souza Belo também tinha 10 anos quando, num dia de verão em janeiro de 1998, teve os cabelos puxados pelo ralo da piscina do condomínio em que vivia com a mãe em Moema (SP). Quando os colegas perceberam o que estava acontecendo, custaram a retirá-la por causa da força da sucção. Ela foi socorrida já desacordada e nunca mais despertou. Hoje com 33 anos, segue em estado de coma, com quadro irreversível.
A mãe, Odete Souza, aos 72 anos, dedica a vida a cuidar da filha e a lutar por maior segurança nas piscinas, sobretudo as de clubes e condomínios. Num blog criado em 2007, “Flávia, Vivendo em Coma”, Odete compartilha informações e notícias pelo mundo envolvendo acidentes aquáticos.
“Há a necessidade de uma campanha grande de conscientização acerca desse tipo de perigo. Tanto nos clubes, condomínios, mas também nas residências. Esses pais, coitados, jamais poderiam imaginar que isso poderia ter acontecido com a filha deles, justamente porque hoje falta conhecimento sobre esse tipo de acidente. Se os casos das nossas meninas servirem para evitar que outras crianças passem por isso, eu acredito que a luta já estará valendo”, diz Odete.
MAIOR DIVULGAÇÃO
Assim como Antônio, ela também nunca havia ouvido falar dos perigos de acidentes provocados pela sucção no fundo de piscinas ou banheiras.
“Até aquele momento, eu nunca tinha ouvido falar sobre esse tipo de acidente. Quando foi descoberta a causa, quando entendi o que havia acontecido com a minha filha, comecei a estudar e percebi que esse tipo de acidente é muito mais comum do que se pensa, no Brasil e no mundo. A partir daí, eu tenho me dedicado a fazer alerta sobre essas armadilhas submersas. Vários acidentes poderiam ser evitados se houvesse maior divulgação”, concluiu.

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