GOLPE NA ANSIEDADE
Equilíbrios mental e emocional estão entre os benefícios das artes marciais

Manter o equilíbrio emocional atualmente não é das tarefas mais fáceis, sobretudo no período pelo qual a humanidade passa, com pandemia e todas as consequências trazidas por ela. Um bom caminho para encontrar a saúde mental – que não está apenas relacionada à ausência de transtornos, mas também envolve o equilíbrio e a forma com que o indivíduo lida com sentimentos – pode ser no tatame, em lutas ou artes marciais.
Bianca Tomie, 32 anos, pratica kung fu há 11. Ela procurou a atividade no período de vestibular. As aulas, à época, a ajudaram a aplacar as crises de ansiedade. “O kung fu trabalha muito com disciplina. É preciso estar presente naquele lugar, fazendo exercício físico. E isso te ajuda a focar no momento, no agora, e a perder a aflição pelo que virá. Na luta não tem como mentir ou disfarçar a pessoa que você é. Isso te faz encarar seus problemas”, diz.
A arte marcial chinesa ajudou Bianca a regular o sono quando o filho nasceu e a ter confiança para dirigir. E mais: a incentivou na transição da carreira. Ela abandonou a engenharia civil e passou a trabalhar com desenvolvimento de software. Há 2 anos, começou a dar aulas de kung fu na academia em que treina. “Eu era muito tímida. Não imaginava que seria capaz de falar na frente de outras pessoas. O kung fu me ajudou a ver uma coisa difícil como um pequeno percurso, etapas simples que precisam ser vencidas.”
O shifu – o mestre ou líder no kung fu – de Bianca é Adriano Ropero, proprietário da academia Shi Zhan, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Ele, que ensina a luta desde 2001, explica que kung fu, em chinês, significa “pessoa excelente”. O centro é a pessoa, e não a luta em si. “O aprendizado físico é o mais simples que tem. Agora, o espiritual é se conectar com a humanidade e com sua comunidade. Isso é desenvolvimento pessoal”, diz Ropero, que também é árbitro internacional.
Segundo ele, um dos principais objetivos de qualquer arte marcial é a supressão do ego, ou não dar lugar às emoções, positivas ou negativas, na execução de uma técnica. Quando a emoção toma conta, diz, o resultado é o nocaute, o que pode ser transposto para a vida. Ele explica que a arte marcial é a violência levada ao ápice. Isso não significa que o praticante comum vai lutar como nos combates de MMA ou nos filmes de Jackie Chan. Porém, o combate é essencial para alcançar objetivos.
TRANSTORNOS
O professor de Neurofisiologia da Unifesp, Ricardo Maria Arida diz que na literatura médica e esportiva há estudos que demonstram que a prática de esportes em geral, e também das artes marciais, traz benefícios. Além de contribuir para a melhora da cognição, auxilia na autoestima. Para quem sofre de depressão e ansiedade, por exemplo, a prática regular esportiva é benéfica, pois promove a regularização de neurotransmissores como adrenalina e dopamina.
E:m 2019, Arida publicou na revista científica Brazilian Journal of Medical and Biological Research, ao lado de outros profissionais – entre eles, o ortopedista Breno Schor, médico do Comitê Olímpico Brasileiro -, um estudo que acompanhou por dois anos 56 atletas da seleção brasileira de judô, homens e mulheres, com índices olímpicos ou mundiais. Essa investigação codificou uma proteína no sangue chamada BDNF (um fator neurotrófico), relacionada à plasticidade cerebral, que são alterações estruturais e funcionais frente a estímulos internos ou externos. Cerca de 70 % dessa proteína presente no sangue advém do sistema nervoso.
No estudo, os judocas foram orientados a correr na esteira, um exercício repetitivo, para que o sangue deles fosse avaliado após a atividade. Em outro dia, os atletas simularam uma luta, um esporte coletivo, e o sangue foi igualmente avaliado. Nas duas situações (e os testes foram feitos na mesma frequência cardíaca), o BDNF aumenta. Porém, esse aumento foi maior após a luta – não houve diferença significativa entre os sexos.
“A sugestão do estudo é que atividades que requerem técnicas, estratégias, atenção e força, como as artes marciais, ativam mais as áreas cerebrais e, por consequência, o aumento desse fator”, explica Arida. Os pesquisadores observaram que, quando um indivíduo pratica uma atividade física, há o aumento da expressão dessa proteína no cérebro – e ela está relacionada com fatores como a sobrevida e a proliferação e manutenção das células do sistema nervoso. Isso traz, segundo ele, um bem-estar para o praticante. “Não só a arte marcial, mas também outros esportes coletivos. Eles desenvolvem esses aspectos de estratégias. Isso é demonstrado em exames de imagem.
Esse estímulo perdura no corpo de 30 a 40 minutos, no mínimo, em função da liberação de endorfina e serotonina (os chamados hormônios do prazer), no caso de atividades que variem de 30 minutos a 2 horas, de acordo com cada indivíduo.
Arida ainda comenta o que, em uma expressão popular, é descrito como uma sensação de ”mente esvaziada” durante uma luta. Segundo ele, isso vem da concentração que a arte marcial exige. Um movimento errado pode fazer com que você leve um golpe do adversário ou perca a disputa. “Você pode correr e pensar na vida? Pode. Você pode lutar e ficar pensando na vida? Talvez não”, diz.
NA BASE
O professor de jiu-jítsu Luciano Nucci, o mestre Casquinha, dá aulas da modalidade desde 1996. Responsável pela unidade Mooca da Alliance, equipe 12 vezes campeã mundial, com filiais em diferentes países, ele conhece a importância que a arte marcial nascida no Japão há mais de 3.600 anos – no Brasil, a família Gracie criou um método que ficou conhecido como jiu-jítsu brasileiro – tem não só para a saúde física, mas também para a mente.
De acordo com Casquinha, o tatame ajuda no autoconhecimento. “Você aprende a conhecer seus monstros e suas limitações e a buscar ferramentas para solucioná-los. luta traz a evolução do seu eu.”
Na metodologia que ele aplica, os iniciantes fazem 60 aulas apenas para aprender os movimentos. Só então são expostos a confrontos com outros alunos – uma forma de exercitar a paciência e domar a ansiedade.
Ele explica que o aluno repete os movimentos até que ganhe consciência e excelência. Porém, no instante da luta, quando há movimentos casados, ele terá de agir como um jogador de xadrez. E, por isso, a concentração passa a ser uma aliada fundamental para responder ao oponente de forma satisfatória.
”O que você vive no tatame vive fora também. Se o cara chega todo desanimado para o treino, faixa mal arrumada, é porque ele é desorganizado. Se chega arrasado, certamente faz o mesmo no trabalho.”
Durante a pandemia, Casquinha decidiu investir na base e aperfeiçoar o método de ensino do jiu-jítsu para as crianças. O instrutor diz ter notado que elas estavam ficando cada vez mais inseguras, não só com as exigências e o excesso de informações do mundo moderno, mas também com as incertezas e perdas trazidas pela pandemia. Pequenas crises de pânico e ansiedade são queixas frequentemente relatadas pelos pais, segundo o instrutor.
Para montar a metodologia, Casquinha e a educadora física Cláudia Mendonça de Barros utilizaram os princípios da psicomotricidade – ciência que busca conectar aspectos emocionais, cognitivos e motores em diferentes faixas etárias.
“Há os jogos de luta, que ensinam a modalidade, e as brincadeiras. A linguagem das crianças menores é o brincar. Na parte motora, implantamos habilidade do equilíbrio, importante no jiu-jítsu. Elas vivenciam com o corpo uma situação na qual vão antecipar a ação do oponente por meio de um jogo de queimada, por exemplo”, explica Cláudia, proprietária da Movimento Mirim, empresa dedicada a cursos de atualização para professores de educação física e empresas.
Segundo ela, assim como os adultos, as crianças que se movimentam pelo menos três vezes por semana, em uma atividade física estruturada, têm ganho de habilidades como a memória. “Quando você oferece uma atividade física, você favorece a espontaneidade dela. Isso forma crianças mais centradas”, diz. ”A criança que tem um bom equilíbrio motor tem também um bom equilíbrio emocional.”

COMO O ESPORTE PODE AJUDAR NA SAÚDE MENTAL
***** O sedentarismo favorece o aparecimento de transtornos mentais. É importante se mexer.
***** Escolha um esporte que lhe dê prazer. Dessa forma, é mais fácil ele se tornar um hábito de vida.
***** Atletas quando se machucam e precisam ficar parados por longos períodos podem entrar em uma fase depressiva pela falta da atividade física. Isso mostra o quanto ela é importante quando vira rotina.
***** Uma atividade em grupo, como a arte marcial, promove a interação social. Para quem passa por um momento difícil, é uma boa opção ao esporte solitário.
***** Quem sofre de ansiedade e depressão pode ter dificuldade em começar a praticar uma arte marcial pela falta de motivação – e também por dificuldades cognitivas. Porém, ao iniciar a prática esportiva, logo os benefícios são sentidos.
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