SUAVE VENENO
Aumento do uso de cigarros eletrônicos preocupa médicos

A popularidade dos cigarros eletrônicos aumenta a cada dia. É comum observar um crescente número de usuários destes dispositivos até mesmo no Brasil, onde sua comercialização é proibida desde 2009, mas o uso não. De modo que o consumidor pode trazê-lo do exterior e consumi-lo aqui, por exemplo. Os cigarros eletrônicos surgiram há cerca de duas décadas, como uma alternativa mais saudável e glamourosa do que o cigarro tradicional, que fez o caminho inverso e veioperdendo usuários ao longo dos anos. Mas essa alegação é alvo de controvérsia. Médicos e a própria Organização Mundial da Saúde alertam para os danos associados à exposição à presença de ingredientes tóxicos, à exposição à nicotina e ao uso por crianças e adolescentes.
Em meados de outubro, no entanto, o debate esquentou. A FDA, agência reguladora dos EUA, autorizou pela primeira vez, a venda de três novos produtos, todos da marca Vuse, ligada à British American Tabacco, maior empresa de tabaco do mundo. A agência sinalizou acreditar que a ajuda oferecida para que fumantes deixem os cigarros tradicionais é mais significativa que os riscos de viciar uma nova geração. “A FDA determinou que o potencial benefício para fumantes que trocaram completamente ou reduziram de forma significativa, o uso do cigarro superaria o risco para a juventude”, escreveu a FDA em comunicado. Na mesma data, a agência negou dez outros pedidos da empresa para autorização de produtos com sabor, que são considerados mais atraentes para adolescentes e jovens.
Alguns dias depois, foi a vez do Ministério da Saúde do Reino Unido dar um passo em direção ao aumento do acesso aos cigarros eletrônicos. Em comunicado, a pasta afirmou que a autoridade reguladora nacional abriu caminho para que esses produtos sejam oficialmente prescritos por médicos para ajudar pessoas que querem para de fumar cigarro tradicional.
VAPOR TÓXICO
As recentes decisões partem do pressuposto de que embora seja ideal que as pessoas não fumem nem vaporizem produtos com nicotina, os cigarros eletrônicos são menos prejudiciais do que os cigarros tradicionais. De acordo com o Serviço Nacional de Saúde britânico, os cigarros eletrônicos são mais seguros porque não produzem alcatrão ou monóxido de carbono, que podem causar doenças pulmonares e câncer. Mas eles não são totalmente isentos de riscos.
“Existem estudos que mostram que essa estratégia do Reino Unido levou ao aumento da mortalidade cardiovascular. Emboca não tenha monóxido de carbono, o cigarro eletrônico tem multas substâncias químicas, como partículas ultrafinas que estão relacionadas à mortalidade cardiovascular”, explica o pneumologista Paulo Corrêa, coordenador da Comissão Científica de Tabagismo da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Fisiologia (SBPT).
Trabalhos mostram ainda que existem ao menos 20 substâncias tóxicas no vapor dos cigarros eletrônicos. A maioria é formada pela degradação química dos componentes presentes no líquido durante o processo de vaporização. Destas, pelo menos sete podem provocar problemas graves no organismo. Para fator de comparação, o cigarro convencional contém 4.700 compostos tóxicos.
“Os estudos falam em comparação de quantidade de substâncias tóxicas, presumindo que pelo fato de ter menos substâncias tóxicas, tem menos risco, mas não quer dizer que os compostos que estão lá sejam isentos de risco”, diz Jaqueline Scholz, diretora do Programa de Tratamento do Tabagismo do Incor.
‘TROCA DO VÍCIO’
Além disso, não há evidências de que o dispositivo ajude os que lutam para abandonar o tabagismo. Para Scholz, o cigarro eletrônico não é uma opção para parar de fumar.
“Para quem faz cessação, parar de fumar é parar de usar nicotina e não parar de usar cigarro. Esse seria um bom tratamento se o usuário conseguisse ficar livre de tudo, mas não é o que acontece. Há apenas a troca do vício”, afirma.
Os cigarros eletrônicos, também chamados de vape, são dispositivos que usam uma bateria para aquecer e vaporizar um líquido com nicotina e outras substâncias. Em geral, os ingredientes principais são propilenoglicol, glicerol e essências aromatizantes. O teor de nicotina varia de acordo com o fabricante – o mais baixo equivale a seis cigarros comuns; o mais alto a 18. As versões aromatizadas, com sabores doces e mentolados, são os preferidos dos adolescentes e jovens e, por isso mesmo, ainda não foram aprovadas pela FDA, por exemplo.
Estudos já associaram o cigarro eletrônico a problemas de saúde como a bronquiolite obliterante, um problema grave dos pulmões, atalho para a inflamação e a obstrução dos bronquíolos, as estruturas responsáveis pelas trocas gasosas com o sangue. Em 2019, 2.500 casos de doenças pulmonares e 55 mortes nos EUA foram associados à vaporização de cigarros eletrônicos contendo THC de cannabis e acetato de vitamina E, substância presente em muitas essências. Também há preocupação com os efeitos de longo prazo dos cigarros eletrônicos, que ainda são desconhecidos e com seu potencial viciante entre adolescentes.

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