PRECISÃO AUMENTADA
Ferramenta que mescla virtual e real é aliada na mesa de cirurgia

Conhecida ferramenta dos videogames, a realidade aumentada ganha cada vez mais espaço nos centros avançados de medicina. Usado para o diagnóstico e tratamento de doenças, esse recurso tecnológico de ponta também tem sido aplicado para dar mais precisão a cirurgias complexas. Agora, é a vez do Brasil começar a explorar o potencial desse novo tipo de aliado.
Basicamente, o que a realidade aumentada (RA) faz é aprimorar o ambiente do mundo real por meio de um software. Um exemplo popular é o Pokémon Go, o aplicativo de smartphone que virou febre há alguns anos. Quem não se lembra das pessoas andando em parques, na vizinhança, na escola e até mesmo no escritório “caçando” personagens que aparecem na tela como se estivessem bem na sua frente?
O que a torna especial e útil para a medicina é o fato de a tecnologia ser capaz de mesclar imagens virtuais com o mundo real, incluindo objetos e pessoas. Isso significa que um cirurgião pode ir para a sala de cirurgia e, em vez de olhar para baixo e ver apenas a perna inchada do paciente, ele consegue enxergar a localização exata da fratura antes de fazer uma única incisão.
Uma das mais recentes novidades no país é capitaneada pelo Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo. O centro desenvolveu um software que orienta os médicos antes de procedimentos cirúrgicos delicados. A ferramenta consiste em inserir a imagem gerada pela tomografia de um paciente no mundo virtual e transformá-la em um holograma 3D que pode ser navegado e manuseado pelo médico.
PASSEIO VIRTUAL
Para visualizar a imagem gerada virtualmente, o profissional precisa usar óculos especiais, que lembram a aparência daqueles utilizados no cinema 3D. Na prática, é como se ele “entrasse” no exame e visse o problema com o qual irá lidar no centro cirúrgico, como um nódulo ou um vaso, de forma hiper-realista. Essa informação visual impacta nas decisões que serão tomadas na cirurgia, já que permite ao médico ver a área que será operada de forma ampliada.
O recurso pode ser usado em várias áreas da medicina.
“Se o paciente, por exemplo, tem um câncer aderido ao fígado, com a ajuda dessa ferramenta, o cirurgião consegue “manusear” o tumor e observá-la de todos os ângulos ante, de abrir o paciente. Isso ajuda a ver onde o tumor está aderido, assim como as estruturas em volta. Isso ajuda a tornar o procedimento mais seguro, mais preciso e mais rápido”, diz o cirurgião cardiovascular Rafael Otto Schneidewind, um dos idealizadores da ferramenta.
A ideia é que o procedimento passe em breve a ser usado durante a operação.
“Queremos colocar a realidade aumentada dentro do centro cirúrgico. Por exemplo, quando um paciente com trauma chegar na emergência, o cirurgião ortopédico não precisará perder tempo. Em vez de ir à tomografia ver a imagem no computador, ele já coloca os óculos, liga a imagem, vê onde está fraturado, rasgado e opera”, explica Schneidewind.
Quando estão com o software desligado, os óculos têm a lente transparente, como uma versão normal, o que permite a realização da operação sem distrações. A expectativa é que o recurso de RA já possa estar em uso no dia a dia do hospital no segundo semestre de 2022.
“Os óculos não interferem em nada na cirurgia, mas no jeito em que o cirurgião visualiza a imagem. É possível fazer uma analogia com a aviação. No começo da Lufthansa (empresa aérea alemã), eles voavam de Colônia a Frankfurt olhando o trilho do trem. Hoje o piloto aperta um botão e o avião pousa em Frankfurt. O computador (que mostra a imagem da tomografia) e a realidade aumentada podem fazer a mesma função, só que de maneira totalmente diferente. Com essas ferramentas, a informação chega com melhor qualidade ao cirurgião, deixa a cirurgia mais segura e mais rápida”, explica.

CIRURGIA PIONEIRA
Esse tipo de ferramenta já está disponível nos Estados Unidos. Em junho de 2020, neurocirurgiões da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, anunciaram a primeira cirurgia de realidade aumentada. Um médico usou a tecnologia para ajudar a colocar seis parafusos na coluna vertebral de um paciente com dores severas. Ela foi ainda utilizada em um segundo procedimento, para remover um tumor na coluna de outra pessoa. Tecnologias semelhantes foram testadas em uma parceria da Imperial College London com a Microsoft, na Universidade do Alabama com a Universidade Emory e o Google e na Universidade Stanford.
Há casos em que a realidade virtual se torna importante para o diagnóstico. Schneidewind conta o caso de uma paciente que chegou ao hospital com sangue em volta do coração, o que é chamado de tamponamento cardíaco. Foi feita uma tomografia, mas o exame, não mostrou nada estranho. Durante a cirurgia feita para drenar o líquido, os médicos também não encontraram a fonte do problema.
Quando eles decidiram utilizar a realidade aumentada, descobriram que havia um objeto de cerca de 10 centímetros, que parecia uma faca, no pulmão da paciente. Ao questioná-la, a equipe descobriu que era, na verdade, um pedaço de vidro que estava alojado no local há mais de 20 anos, quando ela sofreu um acidente. Com o tempo, o objeto se movimentou e furou a veia cava.
“Se não tivesse a realidade aumenta e a virtual, não seria possível identificar o objeto sem ter que abrir a paciente. Nesse caso, o recurso também ajudou a sabermos com precisão onde ele estava localizado e qual era o melhor lugar para a incisão. A cirurgia demorou 40 minutos, mas deveria ter levado muito mais tempo e ter sido multo mais complicada. Mais rápido significa menos dor, menos inflamação e por aí vai”, afirma Schneidewind.
A realidade aumentada tem sido usada há vários anos para treinar estudantes de medicina em cirurgias como a remoção de coágulos sanguíneos. Ou então no treinamento de profissionais e estudantes, chegando a substituir, em alguns casos, o método de dissecção de cadáveres nas aulas de anatomia das faculdades. Na cirurgia robótica, ela é fundamental. O cirurgião, que controla o braço de um robô em um console, depende da câmera posicionada dentro do corpo para fornecer uma ideia da área que está sendo operada.
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