TUBERCULOSE PODE SER TRANSMITIDA PELA RESPIRAÇÃO
Nova descoberta muda uma percepção antiga na medicina de que a tosse, seu sintoma mais característico seria a principal forma de contágio da doença, relatam cientistas sul-africanos

Depois de séculos de preceitos médicos estabelecidos sobre a tuberculose, uma equipe de pesquisadores da África do Sul descobriu que a respiração pode contribuir mais para a disseminação da doença do que a tosse, seu sintoma mais característico.
Até 90% das bactérias responsáveis pela tuberculose liberadas por uma pessoa infectada podem ser transportadas em pequenas gotículas chamadas aerossóis, que são expelidas quando a pessoa expira profundamente, estimam os pesquisadores. As descobertas foram apresentadas nesta semana na Conferência Mundial da União sobre Saúde Pulmonar.
O relatório ecoa uma importante descoberta durante a pandemia de Covid-19: o Sars-CoV-2 (novo coronavírus) também se espalha em aerossóis carregados pelo ar, especialmente em lugares fechados – um modo de transmissão que foi amplamente subestimado no início da pandemia.
A tuberculose é causada por uma bactéria chamada Mycobacterium tuberculosis, que normalmente ataca o pulmão. É a doença infecciosa mais letal do mundo depois da Covid-19, provocando mais de 1,5 milhão de óbitos no último ano – o primeiro aumento em uma década, de acordo com relatório publicado na última semana pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Enquanto a pandemia de Covid interrompia o acesso aos serviços de saúde e cadeias de abastecimento ao redor do mundo, 5,8 milhões de pessoas foram diagnosticadas com tuberculose em 2020. Mas a OMS estima que, na verdade, cerca de 10 milhões de pessoas tenham sido infectadas. Muitos podem inconscientemente estar transmitindo a doença para outras.
“Nosso modelo sugere que, na verdade, a geração de aerossol e a geração de tuberculose podem acontecer independentemente dos sintomas”, explica Ryan Dinkele, o estudante de pós graduação da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, que apresentou os resultados.
O ESTUDO
A descoberta ajuda a explicar por que lugares fechados e apertados, como presídios, frequentemente funcionam como criadores de tuberculose, assim como de Covid-19. E a pesquisa sugere que alguns métodos usados para restringir a transmissão do coronavírus – como máscaras, janelas e portas abertas, além de permanecer o máximo possível ao ar livre – também são importantes para reduzir a tuberculose.
“Aqueles de nós que têm tuberculose olhamos para a Covid e dizemos: “Nossa, é apenas como uma versão acelerada da tuberculose”, disse o epidemiologista da Universidade de Boston, que não estava envolvido na pesquisa, Robert Horsburgh.
Os pesquisadores anteriormente acreditavam que a maior parte da transmissão da tuberculose acontecia quando uma pessoa infectada tossia, espalhando gotículas carregando a bactéria pelo ar. Até acreditava-se que algumas bactérias eram liberadas quando uma pessoa respirava, mas muito menos do que pela tosse.
COMO É A TRANSMISSÃO
A nova descoberta não muda esse entendimento. Uma única tosse pode expelir mais bactérias que uma única respiração. Mas, se uma pessoa infectada respira 22 mil vezes por dia e tosse cerca de 500 vezes, então a tosse significa apenas 7% do total de bactérias emitidas pelo paciente infectado, explica Dinkele.
Em um ônibus lotado, na escola ou no trabalho, onde pessoas ficam sentadas em espaços confinados por horas, “simplesmente respirar contribuirá com mais aerossóis infeciosos do que a tosse”, diz Dinkele.
Na respiração , a inalação abre pequenos sacos de ar nos pulmões e, em seguida, a exalação carrega as bactérias dos pulmões por meio de aerossóis. Devido ao seu tamanho menor, os aerossóis liberados pela respiração podem permanecer flutuando no ar por mais tempo e viajar mais longe do que aas gotículas emitidas pela tosse. Assim como com a Covid-19, alguns pacientes com tuberculose espalham a doença para muitas pessoas – e podem liberar muitas bactérias – enquanto outros infectam poucas pessoas ao seu redor.
Mas, mesmo que 90% das bactérias expelidas por uma pessoa infectada fossem transportadas em aerossóis, essa via de transmissão não seria necessariamente responsável por 90% dos novos casos, advertiu a médica, que estuda a doença na Universidade Brown, Silvia S. Chiang.
Ainda assim, dizem especialistas, as descobertas de fato sugerem que os médicos não devem esperar que pacientes com tuberculose cheguem às clínicas com tosse forte e perda de peso, os sintomas considerados reveladores.
“Nós precisamos apenas rastrear toda a população, assim como você faria se estivesse procurando por muita Covid-19”, disse Horsburgh.
TECNOLOGIA NOVA
A descoberta aconteceu em grande parte por causa da tecnologia desenvolvida pelo professor emérito de medicina da Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, Robin Wood.
O aparelho pode coletar aerossóis de pessoas infectadas e identificar bactérias dentro deles. O diagnóstico e o tratamento da tuberculose mudaram muito pouco nas últimas décadas:
“Era hora de começar a usar tecnologia moderna e de ponta para abordar uma doença antiga”, disse Wood. Com alguns ajustes, o sistema também pode ser usado para estudar outras doenças, incluindo a Covid, acrescentou.
A tuberculose existe há milênios e sua causa é conhecida há quase 150 anos:
“E, ainda assim estamos descobrindo coisas novas sobre uma parte tão fundamental de sua biologia. Nos torna mais humildes perceber que precisamos ser tão cuidadosos quando se trata de uma abordagem dogmática em um campo”, disse Dinkele.
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