DANE-SE A COR?

Dias atrás fui marcada em uma postagem que mostrava a foto de um influenciador branco cercado de pessoas brancas dizendo: “Dane-se (aqui usada substituindo o palavrão) a cor da pele. Não seja estupid@! Não contratamos pessoas baseado nisso e sim em performance e resultados (…)”.
A pergunta que fica é: se para ele pouco importa a cor da pele, porque a foto é composta somente por pessoas brancas? Este retrato ainda é o de muitas empresas. Mesmo daquelas que colocaram quadradinho preto no feed e disseram mostrar solidariedade à morte de George Floyd e se comprometeram a se engajar na pauta, mas ainda não deram grandes passos, um ano após o episódio. Hipocrisia? Inércia? Ou mudanças graduais em curso que só veremos a longo prazo? Talvez os três?
Transitando pelo mundo corporativo e fora dele, vejo que esse tipo de discurso “dane-se a cor” ainda encontra muita ressonância. Mas já entendemos que, na prática, significa que as oportunidades no Brasil são destinadas principalmente às pessoas brancas. “Dane-se a cor” significa que apenas brancos são contratados, especialmente para cargos de liderança.
E por trás dessa fala há outras tantas como: “negros e indígenas não têm o perfil da vaga; queremos pessoas de ‘boa aparência’ (ou seja brancas)”; “não tem profissionais negros ou indígenas no mercado”. Ou ainda: “não podemos baixar a régua para contratar profissionais negros ou indígenas”, pressupondo que não performam o suficiente. Essa é a base do racismo estrutural nosso de cada dia.
Somos continuidade de uma História que acorrentou, desumanizou e matou milhões de pessoas negras e indígenas, e as impediu, assim como seus descendentes, de largarem do mesmo ponto de partida na corrida por oportunidades.
Por que muita gente ainda nega ou negligencia o filme da História que só se repete no presente? O filme se repete porque rejeitamos olhar para ele de modo intencional, querendo provocar efetivamente uma mudança. Mudança que tem vindo com oportunidades também graças às cotas e outras ações afirmativas, em que muitos conseguem romper ciclos de exclusão com acesso a universidades e empregos.
Ao romper com o discurso do “dane-se a cor” e ver a cor da pele daqueles que são excluídos das oportunidades são criadas ações direcionadas para esses grupos visando incluí-los de alguma forma na sociedade.
Para quem diz “dane-se a cor”, ações como essas não passam de um mero “mimimi”. Chamar de “mimimi” questões estruturais como a do racismo acrescenta séculos de atraso à nossa possibilidade de encerrar esse assunto.
”Dane-se a cor” seria lindo se fosse verdade, na prática. Mas é o tão sonhado mundo ideal, que devemos perseguir como um objetivo. Afinal, a cor da pele jamais deveria ser um critério de seleção, mas sabemos que a realidade ainda é assim. Dizem “dane-se a cor, mas sabemos direitinho a cor das pessoas que, quando andam ao seu lado na calçada, fazem você mudar de direção ou, no trânsito, subir o vidro do carro, certo? Sabemos a cor das pessoas que chegam, que saem na foto e dos cargos operacionais. Sabemos a cor do subemprego e do desemprego. Sabemos bem que sete a cada dez vítimas de homicídios são negras. Sabemos que as estatísticas têm cor. Sem igualdade de oportunidades, não há paz nem prosperidade plena.
Quem sabe quando pararmos de dizer “dane-se” e negligenciarmos os problemas, conseguiremos seguir em frente?
*** LUANA GÉNOT
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