PRECISAMOS FALAR SOBRE MENSTRUAÇÃO
Menstruar não deveria ser um motivo de vergonha

Na primeira vez em que minha menstruação desceu, eu estava sentada no fundo do ônibus, cantando músicas do Claudinho e Buchecha, em uma viagem escolar para Tiradentes. Entrei naquele banheiro sacolejante fedendo a urina seca e minha calcinha parecia uma cena dirigida pelo Tarantino.
Meu único recurso naquele momento era dobrar metros de um papel pura secar as mãos da pior qualidade – aquele de cor cinza, com textura de língua de gato e colocá-lo entre as pernas. Voltei para o meu assento. Ainda faltavam horas para chegarmos no nosso destino.
Tentei, em vão, me comunicar telepaticamente com minhas amigas – talvez tenha assistido a “Jovens Bruxas” demais. Sabia que, se verbalizasse a qualquer uma delas que havia ficado menstruada pela primeira vez, a reação seria efusiva e meu segredo chegaria até aos ouvidos do motorista.
Agora, a turma se esgoelava com a música “Vampiro Doidão”, cuja letra é um besteirol supostamente transgressor quando se é pré-adolescente.
“Eu sou vampiro doidão, eu sou vampiro doidão/ Só chupo sangue de menstruação”. A euforia dos meninos com aquela estrofe era proporcional ao meu desespero silencioso.
O professor de história estranha o fato de eu estar muito quietinha. Eu preferia ser atropelada por um caminhão de oito eixos a admitir para um homem de meia idade o que estava acontecendo comigo. Invento que estou enjoada.
Chegamos e vamos direto almoçar. Foi quando um colega de classe, que tinha a charmosa mania de soprar a franja do rosto, me puxa em um canto, demonstrando certa timidez. Pensei que o destino havia sorrido para mim – talvez tenha assistido comédias românticas demais. Ele me disse que minha calça estava suja.
Suja, era exatamente como me sentia. Essa semana fui transportada para essa sensação, quando Bolsonaro vetou a PL nº 4.968, de autoria da deputada Marília Arraes, que determina a distribuição de absorventes à meninas e mulheres pobres, mesmo não fazendo parte dos 26% das mulheres brasileiras que não têm dinheiro para comprar absorventes.
A parte mais suja dessa história talvez tenha sido a defesa do veto por ninguém menos do que nossa Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Menstruar não deveria ser motivo de vergonha, nem ferir a dignidade de mulheres em vulnerabilidade.
*** MANUELA CANTUÁRIA – Roteirista e escritora, faz parte da equipe do canal Porta dos Fundos
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