SAÚDE MENTAL É MAIS DEBATIDA NAS EMPRESAS
Companhias como Itaú Cultural e L’Oréal têm acompanhamento contínuo para prevenir depressão e suicídio

A proposta de conversar sobre saúde mental nas empresas ainda pode encontrar resistência e se tomar mais temerosa quando envolve o tema suicídio. Para transpor o medo de falar sobre os próprios desafios, a psicoeducação vem sendo adotada por empresas. Não se trata de mergulhar em livros de psicologia, mas de uma prática de ensino do psiquismo para reconhecer em si e no outro indicadores de saúde mental.
“A gente entra com psicoeducação e consegue dar e receber feedback a fim de tornar o profissional mais saudável mentalmente dentro da empresa”, diz a psicóloga e consultora em gestão de pessoas Kátia Saraiva. Há 20 anos, ela realiza esse trabalho nas corporações, embora perceba que, em termos de divulgação, é algo recente. Mais do que oferecer psicoterapia online, a psicoeducação demanda periodicidade e se concretiza pela atuação de um profissional da saúde mental, psicólogo ou psiquiatra. Atendimentos individuais completam o serviço.
“Por meio da psicoeducação, tento mostrar a importância da identificação da pessoa com o que ela faz para que tenha saúde emocional, porque o sofrimento psíquico no trabalho é uma realidade. Por que eu preciso saber do meu psiquismo? Para entender o que acontece comigo, desenvolver empatia”, explica. A campanha Setembro Amarelo, organizada desde 2014, reforça a pauta ao conscientizar sobre a prevenção do suicídio, uma vez que transtornos mentais, principalmente a depressão, estão associados ao ato. Segundo a OMS, as taxas de suicídio diminuíram 36% em todo o mundo entre 2000 e 2019, mas aumentaram 17% na região das Américas no mesmo período. Como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, a promoção de saúde mental e bem-estar terá de ser cada vez mais responsabilidade das empresas também. Atenta a essas questões, a gerente do núcleo de RH do Itaú Cultural, Erica Buganza tem promovido mudanças a partir do que já é oferecido pelo banco. No ano passado, deram início a uma rodada de palestras mensais com psiquiatras por meio de uma empresa terceirizada.
“Falamos de ansiedade, depressão, burnout e teve uma roda de conversa só para mulheres e mães”, conta. Quando o retorno ao presencial ficou mais distante, outros profissionais foram chamados: de ioga, meditação, oftalmologista, nutricionista e infectologista para falar de vacina “Fomos incorporando aspectos da saúde que reverberam no emocional”.
Depois, a equipe entendeu que era hora de agir com as lideranças e lançou em maio um programa de formação para educar gestores em saúde mental. Na primeira fase, já concluída, o foco foi no individual para os líderes conseguirem manejar as próprias questões. Agora, a segunda etapa visa o entendimento do outro. “Não é para a liderança agir como psicóloga, mas entender os sintomas de ansiedade, depressão, falar sobre o manejo, de como perguntar para uma pessoa como ela está, se devo dar ou não abertura”, diz Érica. Aos colaboradores, as rodas de conversa continuam mensalmente, agora voltadas a temas como ansiedade pelo retorno ao escritório, convívio social e medo de contaminação. Em breve, o Itaú Cultural vai implementar o SOS Saúde, um canal telefônico com atendimento psiquiátrico 24 horas para situações de urgência e emergência, com o risco de suicídio, e casos de leve a grave.
Na relação entre suicídio e trabalho, os estudos são segmentados e é difícil ter uma visão ampla, que pode ser subnotificada também. Sabe-se que doenças ocupacionais como lesões por esforço repetitivo, assédio e síndrome de burnout podem estar associadas. A própria pandemia fez a carreira piorar, com renda e saúde mental sendo mais afetadas.
Isso também fez a L’Oréal Brasil investir em um programa de saúde mental chamado Equilíbrio de Vida, dividido em quatro pilares: emocional, físico, trabalho e relacionamentos. No primeiro, além de uma plataforma online de psicoterapia com 40% das sessões subsidiadas pela companhia, há rodas de conversa e workshops conduzidos mensalmente por uma psicoeducadora. ”Vamos abordar como quebrar o tabu sobre a terapia, como lidar com a montanha-russa de emoções na pandemia, ser vulnerável, evitar o estresse, lidar com o luto e gerenciar a ansiedade”, enumera Isabella Teixeira, gerente de remuneração e benefícios da empresa.
Essa educação em saúde mental estará alinhada com os demais pontos de atenção do plano, que buscam melhorar o clima organizacional e as relações interpessoais, promover trabalho saudável e pausas, estimular momentos de descompressão, trocas de gentileza e a prática de exercícios físicos.
“O programa trabalha a cultura nos diversos níveis da organização, porque não adianta promover esse discurso, fazer rodas de conversa e, por outro lado, ter demanda muito grande”, completa.
Os resultados da psicoeducação foram transformadores no escritório de advocacia Renato Von Müllen, que no ano passado solicitou os serviços de Kátia Saraiva. “Todo mundo foi trabalhar de casa e, aos poucos, as pessoas foram ficando deprimidas. Contratamos uma profissional para conversar com elas, para se sentirem mais seguras e animadas”, conta a sócia Angela Von Müllen. Ela diz que já tinha sido orientada pela consultora, em um coaching anterior, sobre perceber sinais na equipe.
Há um ano, de forma voluntária, os 28 colaboradores da companhia podem conversar com Kátia a qualquer momento por aplicativos de mensagem sobre questões profissionais e pessoais, além de participarem de encontros virtuais. Houve um pouco de resistência no início, diz Angela. “‘Mas depois de um mês senti o impacto positivo, inclusive feedback dos colaboradores de como foi bom ter esse apoio.”
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