ESTRESSE AUMENTA TAXA DE INFERTILIDADE EM MÉDICAS
Profissionais americanas escreveram artigo pedindo atenção aos problemas de fertilidade na categoria. Privação de sono, dieta inadequada e falta de exercícios estão entre os fatores que afetam a busca pela gravidez

Desde o início de sua carreira, Ariela Marshall, hematologista da Clínica Mayo, em Minnesota, nos EUA, tinha a convicção de que se ela trabalhasse mais e melhor; ela teria sucesso. E ela o fez: formou-se como oradora da turma do segundo grau, frequentou uma universidade de elite e foi aceita em uma das melhores faculdades de medicina.
Mas uma conquista lhe escapou: ter um bebê. Ela havia adiado a gravidez até estar estabelecida na vida profissional, mas, quando finalmente decidiu tentar ter filhos, aos 34, ficou surpresa ao descobrir que não conseguiria, mesmo tomando remédios para fertilidade. Ariela atribuiu isso ao fato de ter trabalhado em turnos noturnos frequentes, bem como ao estresse e à falta de sono, que podem afetar os ciclos reprodutivos.
Quando ela convidou outras médicas para compartilharem histórias semelhantes, soube que estava longe de estar sozinha. Muitas mulheres em seu ramo de trabalho também lutavam contra a infertilidade ou dificuldades para engravidar. Uma pesquisa de 2016 com médicas publicada no Journal of Women’s Health descobriu que quase uma em cada quatro daquelas que tentaram ter um bebê foi diagnosticada com infertilidade – quase o dobro da taxa do público em geral.
“Para muitos médicos, como eu, tudo é muito planejado. Muitas decidimos esperar até terminar nosso treinamento e ter independência financeira para ter filhos, e isso não acontece até os 30 anos”, conta Ariela.
Para aumentar a conscientização sobre o problema, ela ajudou a criar uma força-tarefa de infertilidade com a American Medical Women’s Association. Em junho, a associação realizou seu primeiro encontro nacional sobre fertilidade, com sessões sobre congelamento de óvulos, benefícios e cobertura de seguro para tratamento de fertilidade.
FALTA DE TEMPO
Frequentemente, médicos levam dez anos para se formar, entre faculdade de medicina, residências e bolsas. A idade média para as mulheres concluírem sua formação médica é 31, e a maioria das médicas dá à luz pela primeira vez aos 32, em média, de acordo com um estudo de 2021. A idade média para as não médicas darem à luz é 27 anos.
Por meio da redes socias, Ariela se conectou com duas outras médicas que também lutavam contra o problema da infertilidade e, no ano passado, escreveram sobreo assunto na revista Academic Medicine, pedindo maior conscientização sobre fertilidade entre as aspirantes a médicas, começando na graduação.
Durante um ano, a médica Arghavan Salles, que agora tem 41 anos, tentou congelar seus óvulos, mas nenhum foi viável. Uma das autoras do artigo, Arghavan, que é cirurgiã da escola de medicina de Stanford, também arcando com as despesas do procedimento, que pode custar até US$15 mil por tentativa. Ela está considerando a inseminação intra-uterina, que é mais acessível, mas tem menor chance de sucesso.
Em 2019, ela escreveu um ensaio na revista Time sobre ter passado seus anos mais férteis estudando para ser cirurgiã, e só depois descobriu que poderia ser tarde demais para ela ter um filho. Posteriormente, muitas médicas entraram em contato com ela para dizer que também haviam lidado com a infertilidade.
“Todas se sentiam muito sozinhas. Todas haviam passado, por conta própria, por essa montanha-russa que é lidar com a infertilidade, porque as pessoas simplesmente não falam sobre isso. Precisamos mudar a cultura da faculdade de medicina e das residências”.
A privação de sono, a dieta inadequada e a falta de exercícios – condições inerentes às demandas da formação médica e da profissão – afeta mais mulheres que buscam engravidar. Até mesmo encontrar um parceiro pode ser um desafio, dadas as exigentes horas de trabalho.
“O problema é que você tem que passar muito tempo no hospital, e isso é muito imprevisível” – , disse Arghavan Salles. “Alguém poderia argumentar que eu deveria ter congelado meus óvulos no início dos meus 20 anos, mas a tecnologia não era muito boa na época. Vemos mulheres mais velhas que são celebridades tendo bebês, e achamos que vai ficar tudo bem, mas não é bem assim. Estamos percebendo que não temos controle sobre nossas vidas”.
A médica Vineet Arora, reitora da Pritzker School of Medicine da Universidade de Chicago e outra autora do artigo, avalia como ela e outros educadores podem orientar as lideranças na medicina sobre essa questão.
“O que mais me surpreendeu é que a infertilidade é uma luta silenciosa para muitas dessas mulheres, mas, quando você vê os dados, percebe que não é incomum”, disse ela, que passou por muitas fertilizações in vitro nos seus 40 anos, e finalmente teve seu segundo filho em março.
Ela e Arghavan analisam dados de um estudo que conduziram perguntando a médicos e estudantes sobre suas experiências em família e de acesso a tratamentos de fertilidade.
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