AS CRIANÇAS IGNORADAS
As políticas públicas educacionais desenvolvidas no brasil costumam deixar de lado alunos com transtornos do déficit de atenção e com outros problemas de aprendizagem

O baixo desempenho de estudantes brasileiros nas avaliações de Português e Matemática tem causado sérias preocupações em especialistas de diversas áreas. Essa defasagem entre o desempenho esperado para a idade e escolaridade e o desempenho observado tem origem em questões pedagógicas, socioculturais, ambientais, entre outras. Considerar todos esses fatores é, sem dúvida, necessário para que ocorra uma mudança significativa no quadro da Educação brasileira. Investir na formação de professores, melhorar as condições de trabalho e de remuneração dos educadores, bem como adotar práticas educacionais baseadas em evidências científicas são algumas das prioridades a serem consideradas.
No entanto, ainda há um contingente de crianças e jovens que, mesmo se essas condições educacionais fossem ideais, ainda assim teriam dificuldades para acompanhar o processo de aprendizagem. Esse grupo de crianças corresponde de 4% a 6% da população escolar – meninos e meninas que têm transtornos do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e/ou transtornos específicos de aprendizagem (TEA). Os sinais desses transtornos são identificados na escola, mas não são restritos ao ambiente escolar. Essas crianças têm dificuldades nas funções cognitivas de atenção e memória, em alguns aspectos do desenvolvimento da linguagem social e até emocional, e éna escola que essas dificuldades se tornam um problema maior.
A pesquisa cientifica no mundo inteiro, inclusive no Brasil, demonstra, sem ambiguidades, que quanto mais cedo esses transtornos forem identificados por profissionais da saúde melhor será o processo educacional.
Desde a Declaração de Salamanca, em 1994, o Brasil tem avançado muito em suas políticas educacionais da perspectiva da educação inclusiva, estabelecendo diretrizes e critérios para o acompanhamento de crianças com necessidades especiais, no ensino regular e complementação no Atendimento Educacional Especializado. A política atual destaca o apoio aos escolares com deficiências física, auditiva, visual, intelectual, transtorno global do desenvolvimento (autismo) e altas habilidades/superdotação. No entanto, o grupo de crianças com TDAH e/ou TEA não está contemplado nessa resolução que especifica o público-alvo do Atendimento Educacional Especializado.
No mundo, há legislação específica para apoio educacional e garantia de diagnóstico por equipes multidisciplinares em mais de 150 países. Como exemplo, destaco as legislações no Reino Unido e Estados Unidos da América, que enfatizam a importância da identificação precoce desses casos para intervir o mais rapidamente possível.
Em 2010, o então senador Gerson Camata apresentou um projeto de lei que dispõe sobre a necessidade do poder público garantir o diagnóstico e o apoio educacional das crianças e jovens com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e dislexia, um dos transtornos específicos de aprendizagem.
O projeto já tramitou no Senado e foi aprovado em todas as comissões em que passou (Seguridade Social e Família; Educação e Cultura; Finanças e Tributação; e Constituição. Justiça e Cidadania). No momento o projeto se encontra na Câmara dos Deputados e já foi aprovado na Comissão de Seguridade Social e Família. Na Comissão de Educação, o projeto de lei nª 7081/2010 teve como relatora a deputada Mara Gabrilli, que emitiu voto favorável com apresentação de um novo substitutivo que especifica melhor as condições de cada setor: Educação e Saúde para lograr o acompanhamento dessas crianças e jovens. Ainda faltam duas comissões para a aprovação final: a Comissão de Finanças e Tributação, Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.
O projeto de lei nº 7081/2010 elaborado pelo estabelecimento de políticas que reconheçam as crianças com TDAH e transtornos específicos de aprendizagem como população que precisa de apoio pedagógico em sala de ala regular. Caso seja aprovado, caberá ao Poder Executivo regulamentar essa lei, estabelecendo as suas diretrizes e inserindo essas ações em programas intersetoriais de Saúde e Educação.
Com essa aprovação, o Brasil estaria corrigindo um equívoco e, com isso, melhorando as condições de sucesso de aprendizagem para esse grupo de crianças que estão à margem desse processo. Infelizmente, ainda não é o bastante para sanar todas as dificuldades que o sistema educacional enfrenta, mas, sem dúvida, já representará um grande avanço e, pelo menos, essa parcela da população escolar terá condições mais justas de alcançar o sucesso no processo de aprendizagem.
*** ANA LUÍZA NAVAS – é professora adjunta da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de SP e membro do Conselho Científico da Associação Brasileira de Déficit de Atenção.
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