(RE) CONEXÃO
Dias de folga aliviam cansaço mental causado pela pandemia

Reconexão, descoberta, bem-estar. Diante de tantos significados que uma viagem pode ter, muitos se tornam agora ainda mais relevantes. Experiências proporcionadas pelo turismo podem ser aliadas no cuidado com a saúde mental e ajudar a lidar com quadros provenientes da pandemia, como ansiedade e exaustão.
“A viagem sempre traz descobertas de lugares e interações. Com uma parcela da população em home office, também oferece a possibilidade de deslocamento”, afirma Mary Yoko Okamoto, professora de Psicologia da Universidade Estadual Paulista no campus de Assis(Unesp/Assis). Ela explica que a conexão com os outros e consigo mesmo vivida nos dias longe de casa promove uma experiência emocional interna: “É uma medida para buscar um alívio, mesmo que seja temporário, para descarregar tensão, tristeza e angústia.”
Quando a ansiedade se caracteriza como transtorno ou doença, pode ser preciso fazer terapia e às vezes usar medicamentos, diz o médico Joel Rennó Jr., professor colaborador do Departamento de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). “Porém, atividades de lazer, socialização e ressignificação da experiência de vida podem contribuir positivamente”, diz.
Rennó Jr. lembra que todos vimos escapar o referencial de controle diante de tantos casos de doença e mortes. ”Tem quem lide com sequelas da covid, outros perderam pessoas próximas. A pandemia exacerbou o sentimento de apreensão, de finitude da vida. Algumas pessoas acabaram projetando planos até como forma de não adoecer, para encontrar força para lidar com estresse, medo, fracasso. Por exemplo, dizem ‘assim que isso passar, vou fazer uma viagem para a Itália ou Fernando de Noronha. Sempre tive vontade e nunca fiz’.
O longo período em isolamento, segundo a professora da Unesp, tirou do ambiente doméstico o significado de lugar de descanso.” Ele se tornou um ambiente para muitas coisas. O mundo do trabalho e dos estudos invadiu o mundo de casa. Sair traz a sensação de liberdade, de movimento.”
Depois de meses ensinando Artes em aulas online ou híbridas, Thaiany Ferreira passou uns dias em julho na Bahia. Foi para o Grand Palladium Imbassuí Resort & Spa com o namorado, Bruno Izzo, que trabalha na rede pública de Saúde em São Paulo. “Sou professora do Estado e meu namorado trabalha na parte administrativa de um hospital. São áreas desafiadoras”, diz. A quebra na rotina ajudou a espairecer. “Depois de um ano e meio bem rígido, serviu para relaxar. Sentimos um pouco da vida de antes da pandemia”, conta Izzo.
Esse foi um dos beneficias de viajar apontados por Felipe Laccelva, CEO da Fepo, startup digital especializada em atendimentos psicológicos, com preços acessíveis, a partir de R$38. “Traz a sensação de que estamos retomando ao modo de vida anterior, que o pior ficou para trás. Vivenciar experiências novas e inspiradoras é o que todos nós precisamos agora”, diz o CEO da empresa que, só em 2020, ultrapassou o total de 2,7 mil sessões, ante 1,8 mil no ano anterior.
“O Brasil antes da pandemia já era considerado o país mais ansioso do mundo, com 93% da população com o transtorno, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Em junho de 2020, na pandemia, 41% dos brasileiros ouvidos numa pesquisa do Instituto Ipsos afirmaram ter experimentado algum nível de ansiedade. Outro estudo da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) verificou que cerca de 80% dos entrevistados sentiram subir os nível de ansiedade.”
O distanciamento prolongado, necessário contra o coronavírus, acabou afetando o lado psicológico, afirma Laccelva. “O ser humano é um ser social e o distanciamento provocou o aumento dos níveis de ansiedade”, diz. “A terapia é a principal maneira para lidar com isso. Mas há outras formas que ajudam a minimizar as consequências, como atividades físicas e de lazer. Desde que respeitada a segurança sanitária, essas ações geram bem-estar”.
A professora Thaiany lembra que o medo causado pela covid afetou seu equilíbrio. “A pandemia, a pressão no trabalho, questões pessoais, familiares, são várias as situações. Acabou acontecendo de eu não pensar na saúde mental. Mesmo que a viagem não resolva, ajuda a sair um pouco da rotina”, diz. Mary Yoko explica que as pessoas têm um limite para suportar coisas. “Não é porque somos privilegiados do ponto de vista econômico que estamos impedidos de sofrer, que não ficamos tristes. Temos sido muito exigidos. Quando atingimos um limite, precisamos de algo que forneça alívio”.
ATIVIDADES
Talvez isso explique o maior interesse dos hóspedes do Virá Charme Resort, no Paraná, em serviços de relaxamento e bem-estar. Em julho de 2021, a procura por passeios a cavalo cresceu 29% em relação a junho, o mês recordista em números de saídas, e 181% quando comparado a janeiro do ano passado, principal período da alta temporada. O empreendimento, a 150 km de Curitiba, vendeu 14.91% mais tratamentos no spa do que em junho deste ano e 20% acima de janeiro de 2020. O hotel-fazenda tem apenas 38 bangalôs em 170 hectares de área.
“Hotéis-fazenda e resorts estão entre os mais vendidos de julho no Zarpo. A infraestrutura de lazer e descanso é um atrativo incrível nesses tempos de isolamento”, diz Daniel Topper, CEO do Zarpo, agência online com 7 milhões de clientes e cerca de 500 parceiros, caso das redes Blue Tree, Tauá, Vila Galé, Iberostar e Bourbon. O setor de turismo no Brasil vem percebendo uma retomada gradual. No Zarpo, junho de 2021 teve 9% mais vendas do que o mesmo mês em 2019. “Depois de mais de um ano de pandemia, as pessoas estão ávidas para viajar”, diz Topper.
Pode ser uma escapada longa ou curta, rumo ao interior ou para a praia, sozinho ou em família. O aposentado Cláudio Ferreira fechou com a Pomptur um roteiro em outubro para voltar ao Jurema Águas Quentes, no Paraná, desta vez com a mãe e a irmã. Com dois resorts e águas termais, em 34 mil km2, o complexo viu o movimento subir em 2021: teve ocupação 41% maior em julho, em relação ao mesmo mês em 2020, no meio da pandemia
“A expectativa é boa, de ter um pouco mais de tranquilidade. Minha mãe está vacinada com as duas doses. Até lá, já tomei a segunda, e minha irmã também”, conta. “Estamos há muito tempo dentro de casa, e isso mexe com o psicológico e o físico. E o hotel é próprio para isso: oferece a parte recreativa, piscinas aquecidas, um ambiente gostoso, com tudo limpo e bem cuidado. Tem muita natureza e espaço.”

BENEFÍCIOS
VÍNCULO: Os especialistas ouvi dos na reportagem ressaltam que uma viagem pode servir para se conectar com outras pessoas e até consigo mesmo – e num ambiente novo.
SENTIDO: Diante de tantas incertezas trazidas pela pandemia, desfrutar de momentos de tranquilidade e paz pode dar à pessoa a chance de refletir e encontrar um sentido para seu momento de vida atual.
CONTROLE: Planejar dias fora da rotina e conseguir cumprir o que foi definido pode trazer segurança, a sensação de que algo pode ser previsto e realizado.
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