AMOR CANINO, AMOR HUMANO
Ao contrário do que se imagina, para se amar um animal não é preciso tratá-lo como ser humano

Uma das minhas frustrações de infância foi não ter tido um bicho de estimação. Não houve jeito de convencer a minha mãe. Lembro-me que, certa vez, deixaram um filhote de gato na porta da minha casa e eu, sabendo da intransigência materna, tive a brilhante ideia de escondê-lo na gaveta da máquina de costura da minha avó (que quase enfartou ao descobrir o esconderijo). Em outra ocasião, a “vítima” foi o coração de mamãe.
Ao escutar um barulho estranho, ela abriu a porta do banheiro de empregada e um gato preto, de pelos eriçados, quase voou em cima dela a fim de fugir do confinamento. Mas antes disso houve a Genoveva, uma enorme taturana verde que certamente lamentou o fato de eu, ainda muito pequena, não me dar conta de que vidros de maionese, se transformados em lares para taturanas, deveriam ter suas tampas furadas, de forma a garantir o bom funcionamento do sistema de ventilação da improvisada “residência”.
Mas daí eu cresci. E não tardou para que meus filhos me fizessem o mesmo pedido, fazendo com que eu me percebesse desconfortavelmente parecida com minha mãe. A meu favor tinha apenas o fato de morar em um pequeno apartamento, no qual, definitivamente, não havia lugar para um animal. Até que veio a tão sonhada casa.
Minha filha, ainda na adolescência, querendo sempre ser diferente (a quem teria puxado?) queria algo mais “específico” do que um cachorro: “Quero uma ‘pitbua’ de olho azul”!
Juro que eu estava disposta a ignorar tal extravagância quando uma amiga, dona do pitbull mais lindo que eu já vi, veio até mim com a ninhada do seu animal que acabara de dar cria. E lá estava ela: Uma linda ‘filhotinha’ de pitbull que ternamente me olhava com seus olhinhos azuis. Foi assim que a Laysa (Lalá) entrou em nossas vidas. “Cuidar de uma outra vida poderia ser uma experiência importante para que meus filhos desenvolvessem a responsabilidade” – racionalizei.
Atualmente vivemos numa estranha cultura que toma animais como se fossem seres humanos. E há todo um patrulhamento em relação a esse tema. Julguem-me por isso, mas creio haver algo de patológico nessa cultura. Em nossa casa a Laysa sempre foi um cachorro. Dormia na sua cama de cachorro, comia comida de cachorro e não tinha permissão para entrar em casa. Por isso muitas vezes escutei insinuações de que eu não era uma boa dona para ela.
Sim porque embora tivesse sido um presente para minha filha, Laysa desde o início escolheu a mim como sua dona.
Assim como não fui uma mãe convencional, talvez não tenha sido uma dona de cachorro convencional. Afinal, nunca fui muito afeita a convenções.
Não obstante isso, amei minha cachorra e sou capaz de reconhecer a pureza do amor canino que não se iguala a nenhum outro, em função de sua natureza incondicional. Acho mesmo que se houvesse um teste de forças pessoais adaptado a animais, cachorros teriam, sempre, a capacidade de amar e ser amado como primeira força. E com a nossa querida Lalá não foi diferente. Ao contrário da má fama que carrega sua raça, Laysa foi um exemplo de doçura. Delicadeza não, porque, afinal de contas, os cães se parecem com seus donos. E por essa mesma razão, Lalá tinha uma saúde de ferro, era quase um “Highlander”!
Mas o tempo costuma ser implacável até mesmo com os cachorros, de forma que perdemos a nossa querida Lalá no último final de semana. Vivendo quase o dobro do que seria a expectativa média de vida de um pitbull, Lalá nos deixou depois de espantosos 14 anos conosco. “Sinal de bons tratos” – disse a veterinária.
Não houve velório, assim como não havia aniversários. Nem sapatinhos, nem carrinhos de passeio. Tendo vivido como um cachorro, nossa Laysa morreu como um cachorro. Ao que parece, animais não precisam ser tratados como humanos para serem bem tratados. Muito menos para deixar saudades.
LILIAN GRAZIANO – é psicóloga e doutora em Psicologia pela USP, com curso de extensão em Virtudes e Forças Pessoais pelo VIA Institute on Character, EUA. É professora universitária e diretora do Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento, onde oferece atendimento clínico, consultoria empresarial e cursos na área.
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